
Por trás dos frios muros de concreto e das celas marcadas pela angústia, ecoam vozes em cantorias e versos de poesias que desafogam a pesada rotina e reacendem um fio de esperança para os detentos do regime semiaberto da Colônia Penal Lafayete Coutinho, no bairro Castelo Branco, em Salvador. Entre histórias marcantes e olhares pesados, a arte surge como uma fuga da realidade e desabafo em busca de redenção.
As atividades lúdicas, realizadas com uma turma de internos voluntários, fazem parte de uma série de projetos de ressocialização desenvolvidos pelas penitenciárias da Bahia. A iniciativa oferece não apenas aprendizado, por meio de escolas e oficinas, mas também uma chance para que os presos deixem os erros no passado e escrevam uma nova história de superação.
Nesse contexto, a Oficina de Música e Poesia surge como uma prática estratégica e importante para transformar o ambiente prisional, que muitas vezes balança com pequenos conflitos entre os internos marcados por uma vida de conflitos nas ruas. É o que explicou o diretor da unidade prisional, Clésio Rômulo Atanasio, ao Portal MASSA!.
"Dentro de uma unidade prisional, você sempre terá um ambiente que não é tranquilo. O preso, quando vem para dentro desta unidade, traz os problemas dele da rua, dos bairros. Aqui, ele vai encontrar parceiros ou inimigos. Por isso, um trabalho como a poesia e a música consegue reunir, em média, 25 presos, que conseguem se distensionar com a poesia e com o canto”, revela.
O ambiente não é totalmente calmo, mas também não é totalmente hostil

"Isso ajuda a distensionar o ambiente, que não é um ambiente tranquilo, mas também não é um ambiente de guerra o tempo todo. É um ambiente onde os limites são dados e os limites são respeitados. Isso da arte, isso da educação, do trabalho, traz muita tranquilidade para o ambiente. E traz também a lembrança deles renovada, de que eles vão voltar para a sociedade”, acrescenta.
Por isso, o Governo do Estado da Bahia chega junto com as penitenciárias, oferecendo todo o suporte necessário, com assistência religiosa, de saúde, jurídica e de trabalho, incluindo cursos e capacitações por meio de empresas parceiras, aproximando os detentos do mercado de trabalho, para seguirem uma vida longe da criminalidade quanto forem reintegrados à sociedade.
“Você tem hoje, dentro da Secretaria, várias empresas que trabalham e que executam serviços dentro das unidades prisionais. E essas empresas recrutam, sejam pedreiros, sejam artífices, sejam pintores, sejam profissionais que já têm cursos ou que conhecem a área de refrigeração. Então, você tem muito isso. Eles se candidatam o tempo todo. Ele vai voluntariamente por quê, a cada três dias trabalhados, a cada três dias de estudo, remite um da pena”, detalha.

Talentos escondidos em histórias marcantes
Os projetos reúnem mais de 25 presos voluntários dos diferentes setores da unidade, que formam uma só turma reunida em prol da arte. Junto com professores, eles mostram talentos escondidos e, no fim de cada semestre, apresentam uma conclusão baseada na temática escolhida, seja com poesias ou canções que expressam seu desejo de liberdade ou saudade dos entes queridos.
Após as demonstrações, a reportagem do MASSA! ficou frente a frente com três dos internos que participam das atividades. Com olhos marejados e corações abertos, eles contam como a oficina virou uma forma de escapar, mesmo por pouco tempo, da rotina dos corredores frios e escuros da prisão.
O primeiro desabafo é do interno identificado apenas pelas iniciais W.B.J, de 46 anos. Ele, que está há cerca de um ano na Colônia Lafayete Coutinho, recebeu a condenação por um acontecimento em 2009, quando reagiu a uma invasão na própria residência. O julgamento só terminou 15 anos depois, quando teve a sentença de oito anos pelo júri popular e enviado direto pro regime semiaberto.
“Eu estava na rua, com meu filho no colo, na estação Pirajá, pegando um ônibus, quando a polícia chegou e me prendeu. Eu nem lembrava mais do acontecido, foi dezesseis anos depois. Mas eu confesso: eu mesmo liguei, eu falei onde estava, tudo. Aí eu fiquei três dias evadido, depois voltei, me apresentei, assinei, fui pro julgamento e desde então estou aqui”, conta.

Desde que chegou, ele se impressionou com o projeto e o abraçou como uma forma de redenção. Grato pela ajuda da professora Luzia, ele teve a oportunidade de estudar e fazer provas como o Enem e o Encceja.
Lá dentro, você está com um pensamento, mas quando você passa aquele portão pra cá, você vem pra escola, você vem pro projeto social, às vezes nem parece que você está preso. É outro sentimento. Ajuda muito
Dia a dia, o detento reflete sobre a vida passada e tudo que tem vivenciado nesse período dentro da cadeia. Mesmo com a divisão de grupos, causada pela rivalidade das facções fora dos portões, ele garante que nunca se envolveu com nenhuma dessas questões e busca apenas sua redenção.
“Você vai descobrindo coisas novas, conversando com pessoas diferentes aqui, que antes eram rivalidades de facção, esse negócio, que não podia conversar com A ou com B, não podia conversar com Azul. Eu converso com todo mundo. Eu falo com os agentes, falo com o pessoal da A, da B, falo com todo mundo”, comenta.
Facção, pra mim, tanto faz. Eu estou aqui para pagar minha cadeia, para pagar meu erro perante a sociedade. Eu estou pagando
Sonho traçado na música
O segundo a bater um papo com a reportagem foi L.A.S, de 37 anos. Ele relembrou que recebeu o mandado de prisão após cometer um roubo para garantir o sustento da própria filha.
“Vim pra cá por um fato… já tinha sido preso em 2015. Em 2020, cheguei em casa e vi minha filha sem nada pra comer, aí peguei e cometi um delito: roubei três celulares. Em 2023, chegou uma citação pra mim, uma data de prisão. Eu estava trabalhando de caseiro, dando sustento pra minha família, quando fui saber, minha preventiva já estava batida. Minha mãe me chamou, me orientou a me apresentar”, confessa.
Mesmo com a intimação e o apelo da mãe para que fizesse a coisa certa, o rapaz não se apresentou de imediato e só foi capturado após cair em uma ‘laranjada’ armada por um homem, que o enganou, dizendo que era mudança, mas, na verdade, era um sequestro.
“Teve um dia que eu estava bebendo, aí um homem que eu nem conhecia me chamou pra fazer uma mudança. Chegando lá, não era mudança, era uma emboscada. Não entendi nada. Não falei nada com a vítima. Ele mandou eu amarrar a vítima, eu não quis participar”, descreve.

“Fiquei com raiva porque ele me botou numa emboscada. Apontei a arma pra ele. Na hora ele percebeu e falou: “Em vez de você botar a arma pra vítima, tá botando pra mim?” Eu falei: “Não vou amarrar, se quiser, amarre você”. Quando os federais pegaram a gente, eu conversei com eles: “Rapaz, eu fui chamado pra fazer uma mudança”, revela.
Amante da música e da arte desde a infância, L.A.S descreveu como a oficina tem ajudado e se tornou uma aliada na esperança de, um dia, deixar o conjunto prisional e reencontrar sua família.
“Esse projeto me ajuda. Eu já gostava de cantar, sei desenhar. Participei do projeto ano passado, cheguei até a subir no palco. Venho tirando minha cadeia, me dou bem com todos. Meu objetivo é sair daqui, reencontrar minha família e ser uma pessoa melhor. Tenho quatro filhas e uma neta que nasceu há um mês. Não conheci ainda, mas, voltando pra rua, quero dar a volta por cima, ser uma pessoa melhor, procurar um trabalho e viver dignamente”, menciona.
Alguns dos sonhos do interno são viver da música, como cantor de pagode em apresentações pela capital baiana, ou até mesmo expressar suas habilidades através da pintura. Durante o bate-papo, ele fez questão de soltar a voz, cantando a canção ‘Talvez’, do grupo Revelação:
"Um dia eu vou encontrar minha felicidade
Eu já perdoei as maldades que você me fez
Adeus querida, até um dia, quem sabe até talvez
Que pena o nosso amor desfez”
Saudades que marcam
A calmaria da arte é um aspecto que também atinge quem quer a 'pacificação das facções criminosas'. É o caso de J.C.S, de 34 anos, que está preso há um ano e cinco meses por uma acusação de furto no Carnaval de 2024. Na escola, ele encontrou uma forma de escapar da realidade e descontrair com outros internos que, apesar das diferenças fora do presídio, dentro são um grupo só.
“A escola é um lugar que a gente vai para outro mundo, porque a gente canta, brinca, não fica preso só na leitura. Apesar de aqui ter facção, lá outra facção, vai de cada um. Mas todo mundo se une na aula, A e B, fica um povo só, uma parceria. Que lindo seria se fosse assim também na rua. Aí, dentro eu faço aula de música, participo das confraternizações aqui do Castelo Branco. Fiz curso de refrigeração também, estudei”, reflete.
Para ele, uma das suas maiores motivações ao sair é poder acompanhar o crescimento da filha de oito anos e trabalhar para ajudá-la nessa caminhada: “Pedi para trabalhar aqui dentro, vi que estavam construindo um refeitório, pedi ao diretor para trabalhar. Porque trabalhando, eu ajudo minha filha e minha mãe, que não está passando por muitas coisas boas”.
Eu não quero que ela (filha) venha aqui, ela tem só oito anos, não quero que ela venha. Ela nem sabe onde eu estou, pensa que eu estou viajando ou trabalhando. Quando tem saidinha, uso pra visitar ela

@jornalmassaoficial Por trás dos frios muros de concreto e das celas marcadas pela angústia, ecoam vozes em cantorias e versos de poesias que desafogam a pesada rotina e reacendem um fio de esperança para os detentos do regime semiaberto da Colônia Penal Lafayete Coutinho, no bairro Castelo Branco, em Salvador. Entre histórias marcantes e olhares pesados, a arte surge como uma fuga da realidade e desabafo em busca de redenção. As atividades lúdicas, realizadas com uma turma de internos voluntários, fazem parte de uma série de projetos de ressocialização desenvolvidos pelas penitenciárias da Bahia. A iniciativa oferece não apenas aprendizado, por meio de escolas e oficinas, mas também uma chance para que os presos deixem os erros no passado e escrevam uma nova história de superação. Este é o terceiro capítulo da série Ressocialização: a luta contra a invisibilidade. No próximo dia 15° de agosto, o quarto episódio abordará mais um projeto social que também transforma vidas e oferece novas oportunidades. 📲 Saiba mais em jornalmassa.com.br ✍ Bruno Dias #MASSA #tiktoknews #GrupoATARDE #Salvador #Bahia #viral #ressocialização #série #preso #arte #música ♬ som original - MASSA!
Série especial
Histórias como essas mostram como os projetos de ressocialização dentro dos presídios podem ser importantes para reabilitar detentos que cumprem pena e se arrependem dos seus atos. O tempo atrás das grades se transforma em um momento de reflexão, mudança e, acima de tudo, esperança de fazer tudo diferente.
Este é o terceiro capítulo da série Ressocialização: a luta contra a invisibilidade. No próximo dia 15° de agosto, o quarto episódio abordará mais um projeto social que também transforma vidas e oferece novas oportunidades.