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A luta contra a invisibilidade - 04/07/2025, 12:00 - Bruno Dias

Detentas buscam redenção por meio do encanto das flores

Internas abrem o coração em entrevista exclusiva ao Portal MASSA!

Projeto Flores do Amanhã aconteceu no  Conjunto Penal Feminino, no bairro de Mata Escura, em Salvador
Projeto Flores do Amanhã aconteceu no Conjunto Penal Feminino, no bairro de Mata Escura, em Salvador |  Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

Lágrimas, comoção e uma oportunidade de redenção. Essas são algumas das sensações vividas pelas mulheres detentas do Conjunto Penal Feminino, no bairro de Mata Escura, em Salvador, que participam do projeto de ressocialização, idealizado pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), junto com o Governo da Bahia.

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A atividade, exercida há dois anos, propõe exercícios para ajudar as internas a refletirem e socializarem entre si, com oficinas de diferentes temáticas, que ensinam novas práticas como confeccionar um arranjo de flores, por exemplo - abordagem da Oficina das Flores - promovida no mês de março, sendo a primeira este ano. Em 2024, ao menos três edições foram realizadas.

Oficina das Flores foi a primeira prática a ser realizada em 2025
Oficina das Flores foi a primeira prática a ser realizada em 2025 | Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

Para contar a história comovente dessa prática, a reportagem do Portal MASSA! visitou a a penitenciária Lemos de Brito, em Mata Escura, e acompanhou de perto cada detalhe do projeto, supervisionado por Taciana Marques, diretora do Conjunto Penal Feminino, auxiliado por policiais do departamento e alguns voluntários.

“É feita uma atividade muito emocionante, com reflexão, uma conexão entre as internas, os colaboradores que vêm, o policial penal que participa também, junto com a professora. Há uma conexão em cada flor que é colocada para montar o arranjo. Elas também participam, entendendo que podem estar utilizando e aprendendo para futuramente, ao saírem daqui”, destaca Taciana.

Taciana Marques, diretora do Conjunto Penal Feminino
Taciana Marques, diretora do Conjunto Penal Feminino | Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

“Há uma conexão em cada flor que é colocada para montar o arranjo. Elas podem comercializar - pode ser um evento especial como o Dia das Mães, ou até uma formatura, um casamento, um batizado. Então não é só esse momento, mas algo que elas possam levar para a vida e aplicar o que foi aprendido”, continua.

Taciana explicou ainda que, em média, são sorteadas cerca de dez presidiárias para participar da ação. As que ficam de fora não perdem a esperança, pois podem ser selecionadas ao longo do ano, em outras oficinas: “Elas ficam até chateadas quando não participam. A gente está tentando oportunizar que todas sejam envolvidas no projeto. Como temos várias ações ao longo do ano, vamos fazer esse rodízio para que todas possam participar”.

Neste cenário, a sensibilidade é enfatizada quando as detentas são surpreendidas pela visita e reencontro com alguns parentes e/ou amigos, convidados como ‘peça chave’ do projeto. Na Oficina das Flores, após a confecção dos arranjos, as presas têm a oportunidade de ler cartas enviadas por seus parentes e dar um abraço emocionante nas visitas. É aí que as lágrimas de saudade tomam conta do pátio.

Lágrimas de saudade tomaram conta do pátio
Lágrimas de saudade tomaram conta do pátio | Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

Colo da mãe

Entre abraços apertados e conversas sentimentais, surge a história de N.A.P, detenta presa há um ano, que teve um reencontro emocionante com a mãe. Em contato com a reportagem, ela desabafou.

Aspas

Quem sou eu? Sou uma pessoa boa, honesta. O meu passado, pra mim, não me condena. Mas está me condenando porque eu estou aqui

“E o que mais me dói é a falta da minha família, estar longe deles”.

Apesar de ter sido criada pela avó desde pequena, a interna, bastante emocionada, não escondeu seu amor pela mãe e como o projeto foi importante para reencontrá-la, abrir seu coração sobre tudo o que sente e expressar a saudade que aperta a cada dia atrás das grades.

“Esse projeto significou muito pra mim. Foi uma maravilha. Eu amei ter encontrado minha mãe. Eu precisava desabafar com ela. Ela é minha amiga, minha confidente, minha fiel, é tudo pra mim. Foi um impacto muito forte poder ver ela de novo”, cita.

N.A.P em reencontro emocionante com a mãe
N.A.P em reencontro emocionante com a mãe | Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

Presa no Espírito Santo devido à uma associação que se formou em um caso de tráfico, a mulher contou que o envolvimento com pessoas erradas a condenaram, mas deseja se redimir, dando a volta por cima e lutando pelo pão de cada dia.

“Minha visão de futuro é simples: quero voltar a viver como eu estava antes de ser presa. Eu trabalhava, graças a Deus, de forma honesta. Fazia minhas faxinas, trabalhava no Roberto Santos, terminei meus estudos, agora quero seguir minha vida, focar pra frente”, descreve.

Arrependida pelos atos, a detenta ouviu os conselhos amorosos da mãe, Natalícia Dias de Assis, e a projeção de futuro após o cumprimento da pena. “O que mais importa é que ela esteja lá fora. É tudo o que a gente deseja agora. Porque isso aqui não é lugar pra ela e nem pra ninguém. A gente quer que ela esteja em paz, porque ela errou, sim, e está pagando pelo erro. Mas ela não é essa pessoa que estão vendo aqui. Nunca foi. Eu conheço a filha que eu tenho”, relata.

“O futuro que eu quero pra ela é que ela saia o mais rápido possível. Que ela tenha a vida dela de volta, com trabalho, com a família. Que a gente volte a ir pro nosso samba, como sempre fazia”, reforça.

Escolhas erradas, arrependimento e recomeço

Do outro lado do espaço está T.V, de 25 anos, comemorando o reencontro com sua prima. Tomada pelas lágrimas que escorrem pelo seu rosto, ela cita que escolhas erradas e más influências a levaram para o caminho errado. Presa há oito meses, a jovem expressou arrependimento pelas decisões tomadas e planeja dar um novo rumo à vida quando sair do presídio.

“Eu vim parar aqui pelos erros da vida. Pelas amizades, pelas escolhas erradas, pelos relacionamentos. O fato de eu estar aqui foi por causa de um relacionamento. No dia em que fui presa, eu falei com a minha prima. Ela foi uma das pessoas que sabiam o que eu estava fazendo. Obviamente ela ficou preocupada e no dia seguinte, ao meio-dia, eu fui presa. Estou aqui há oito meses por uma coisa da qual eu nem tinha culpa, e tudo por causa de escolhas que eu podia ter evitado e não evitei”, descreve.

T.V, de 25 anos, reencontrou sua prima após longo período
T.V, de 25 anos, reencontrou sua prima após longo período | Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

Mesmo dentro do conjunto penal, ela não se acomodou e já mudou seus hábitos para se redimir dos erros e mudar de patamar. Sua maior motivação é o filho de sete anos, que desperta profundos sentimentos na presa. Emocionada ao relembrar da criança, ela desabafou:

“Minha visão de futuro é mudar completamente minha vida. E eu já estou mudando aqui dentro. Já estou estudando, já fiz curso, passei, já estou com meu certificado, claro e evidente. Daqui pra frente é só melhorar".

Aspas

Quero dar um futuro melhor pra meu filho de sete anos. Não quero, de forma alguma, que ele passe por algo assim, nunca. É por ele que eu pretendo mudar sempre pro melhor

Futuro do projeto

O projeto, em parceria com o Governo do Estado, ainda terá mais edições no decorrer deste ano. Sem data confirmada, o planejamento é de que ao menos mais três oficinas sejam realizadas, conforme informado pela diretora do Conjunto Penal Feminino, Taciana Marques.

“A gente tem diversos cursos ao longo do ano. Estamos finalizando agora um curso de salgados, e vamos iniciar um curso de design de sobrancelha, justamente aqui dentro, tudo na unidade, para honrar com esse compromisso, que é ressocializar e reintegrar essas internas ao convívio da sociedade quando saírem daqui”, finaliza.

SEAP firme e forte

Por muito tempo, os sistemas penitenciários funcionavam como 'depósitos de gente', onde os detentos eram apenas jogados nas selas, sem qualquer ideia de reeducação ou projetos de capacitação para quando retornassem à sociedade.

Diante disso, a ideia da ressocialização surgiu como uma forma de mudar a realidade do preso, mesmo com os erros do passado, e oferecer uma nova chance na vida civil. Esse é um dos fatos destacados por José Castro, secretário da SEAP, em entrevista exclusiva ao MASSA!.

Aspas

O que a sociedade tem que entender é que a gente precisa parar com o preconceito contra o sistema prisional. No Brasil não existe pena de prisão perpétua, todos os apenados vão sair algum dia

José Castro, secretário da SEAP

"Nesse contexto, é fantástico ver essa quebra da cooptação pelo crime, porque o preso está ali fazendo atividade laborativa, ocupando a mente, estudando. Muitos projetos sociais de ressocialização estão, de fato, reintegrando pessoas à sociedade", justifica.

Série especial

Histórias como essas mostram como os projetos de ressocialização dentro dos presídios podem ser importantes para reabilitar detentos que cumprem pena e se arrependem dos seus atos. O tempo atrás das grades se transforma em um momento de reflexão, mudança e, acima de tudo, esperança de fazer tudo diferente.

Este é o primeiro capítulo da série Ressocialização: a luta contra a invisibilidade. No próximo dia 18 de julho, o segundo episódio abordará mais um projeto social que também transforma vidas e oferece novas oportunidades.

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