"Se as palavras de uma mãe têm poder, imagine as orações?". Assim diz o pensador Haredita Angel. Foi isso que aconteceu com Cássia Santos, 34 anos, trancista profissional. Filha da faxineira Maria da Conceição e do mestre de obras Teodoro dos Santos, a caçula de 12 irmãos levava uma vida normal com sua família, em uma casa pequena, às vezes passando fome.
Aos 11 anos, Cássia começou a fazer as primeiras tranças nos cabelos das irmãs. Apesar de não trançar direito, por falta de habilidade e técnica, a pequena recebia elogios de sua mãe, que dizia: "Ela trança muito", "Minha filha vai ser trancista profissional". As profecias enchiam seu coração pequenino de alegria.
A vida seguia tranquilamente no bairro da Mata Escura, em Salvador, onde Cássia nasceu e cresceu, quando o pai decidiu deixar a família. "Meu mundo virou de ponta cabeça, aos 14 anos", relata ela, revivendo a dor do abandono. Entre uma mágoa e outra, ela fazia o cabelo de amigas para ganhar uns trocados, mas nada profissional.
Mas, entre uma trança e outra, a baiana iniciou um caminho errôneo, com companhias mais ousadas e infratoras. Aos 16 anos, envolveu-se amorosamente com um rapaz do tráfico, passando a usar e vender drogas. Ali, começaria uma trajetória que duraria sete anos na criminalidade.
Após a morte do namorado, a jovem deixou a capital rumo a uma cidade da Região Metropolitana de Salvador, onde, mais uma vez, iniciou um relacionamento com um traficante de drogas. O casal vendia maconha, cocaína, heroína e loló. A cada dia, o luxo com roupas de marca e o poder a seduziam mais. Sentia-se poderosa. Seu companheiro foi morto e Cássia foi presa com drogas e uma máquina de prensa.
Encarcerada
No presídio, contava apenas com o apoio da mãe, única pessoa que ia visitá-la durante o período de cárcere. Cássia lembra que a mãe levava roupas e outros objetos pessoais dela para receber oração na igreja, com a certeza de que a filha ainda teria um caminho brilhante para percorrer. "Minha mãe dizia que olhava para o altar e se animava, sabendo que eu ia mudar", declara.
Foram duros nove meses dentro do Conjunto Penal Feminino. "Lá dentro, a gente vê o céu azul quadrado", diz. "A maior dificuldade dentro de um presídio é ficar longe da família e ter a sua liberdade limitada", declara. Sua rotina era monótona. Acordava, tomava banho e o café e o restante do dia observava a vida passar pelas grades como uma grande tela.
Dentro da prisão, começou a frequentar cultos religiosos. "As pessoas gostam de ser livres. Para mim, foi um grande desafio ficar presa", comenta.
Quando recebeu a notícia que seria livre, fez um voto com Deus antes da saída. "Eu nunca mais iria me envolver com drogas e tráfico", menciona.
Vida nova
Maria da Conceição ganhou a luta: a filha estava livre e a escolha por viver não deu espaço para a criminalidade. O recomeço não foi fácil. A ex-detenta tentou conseguir emprego, mas as oportunidades não aconteceram, apenas algumas panfletagens na rua para comércios locais.
Diante das dificuldades, Cássia decidiu voltar a fazer tranças e buscou se aperfeiçoar com cursos de capacitação pela internet e presencial. A clientela começou a procurar por Cássia para fazer, literalmente, a cabeça. A procura foi tanta que a profissional teve que buscar um espaço para abrir seu salão de beleza, especializado em tranças. Assim nasceu o Princesa das Tranças. "Superei, venci", comemora, com firmeza, Cássia Santos, que foi dona do seu destino, junto com sua mãe, que faleceu há 10 anos, e sua fé em Deus.
Hoje, a trancista empreendedora consegue capacitar outras mulheres que estão à procura da felicidade e realização profissional. Sua aposta deu certo, e, neste domingo (15), Cássia vai ministrar seu primeiro curso gratuito, no Centro Histórico de Salvador, ao lado de celebridades das tranças, como FG Tranças/Arthur Franceski, de Curitiba; Nadilza Cerqueira, do município de Santo Amaro; e Laís Queiroz, de Salvador, que falará sobre a importância do marketing digital para o trabalho nos dias atuais.
O evento denominado “Braids Power - Poder das Tranças” será realizado, a partir das 13h, no Museu Eugênio Teixeira, na Rua do Açouguinho, nº 01, Centro Histórico.
No “Braids Power” as tranças terão a importância da ancestralidade na vida dos participantes do curso, valorizando o trançado de suas avós e bisavós, que faziam os cabelos com o objetivo de seguir vida nova, com os mapas que eram feitos em forma de trança, para fuga, e brotar a existência de um caminho livre, com as sementes que eram colocadas entre os nós de cada trança.