
Calças, bermudas, saias, camisas e outros itens de vestuário fazem parte da rotina suada de trabalho dos internos custodiados no Conjunto Penal Masculino de Salvador (CPMS). Dentro dos muros de concreto do Complexo Penitenciário de Mata Escura, em Salvador, eles nutrem a esperança de reduzir suas penas e recomeçar na sociedade.
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A prática realizada entre os presos da unidade consiste em recolher materiais apreendidos pela Receita Federal em operações e doados à SEAP para que sejam descaracterizados. Ou seja, as peças de roupas que utilizam marcas conhecidas - como Lacoste, Nike, Adidas entre outras - para simularem vestuário original, são reformuladas para serem doadas.
“Basicamente, o que a gente faz aqui com esses materiais de vestuário é a descaracterização: retirar os selos identificadores das marcas, que são proibidos de serem usados. A partir do momento em que retiramos esses selos, os materiais ficam disponíveis para doação”, explica Artur Croesy, diretor da CPMs, em entrevista exclusiva ao MASSA!.
As doações são feitas tanto para pessoas de dentro da unidade - sejam funcionários ou internos em situação de liberdade - quanto para as famílias dos reeducandos e parcerias externas. Além disso, o ‘trampo’ também concede remissão de pena aos voluntários, com um dia remido a cada três trabalhados, e um pecúlio (salário), que pode ser movimentado pelos presos como forma de ajudar no sustento dos parentes.
Além das peças de roupa remodeladas, sandálias feitas com material de EVA também são confeccionadas pelos internos. “Aqui na unidade nós fabricamos nossas próprias sandálias, porque os internos têm direito a recebê-las. Nós produzimos justamente para diminuir o custo e, ao mesmo tempo, oportunizar mais uma frente de trabalho dentro da unidade”, acrescenta.

Em busca da redenção
Entre os cerca de 50 internos que trabalham em todo o Conjunto Penal Masculino, dois ficam responsáveis pelo setor das descaracterizações. Entre eles, está C.P.B, de 51 anos, que é o voluntário mais antigo desde a inauguração do projeto. Em sua trajetória, viu companheiros ganhando liberdade da Justiça com a remissão de pena e sonhando com o dia em que sua vez chegará.
“Quando cheguei aqui havia três trabalhadores. Todos os três já foram embora, estão trabalhando na rua. A própria assistente social conseguiu oportunidade para eles trabalharem no fórum. Graças a Deus, deu certo”, conta.

Com uma grande vontade de trabalhar, C.P.B contou ao MASSA! que o seu maior desejo é poder abrir pequenos empreendimentos com suas filhas e ganhar a ‘moeda’ para conseguir viver bem de uma maneira justa:
“Um amigo tem uma empresa de betoneira e, graças a Deus, minha filha toma conta. Hoje, com o que ganho, já comprei uma máquina de fazer sandálias para minhas filhas, para que elas também possam ter sustento lá fora. Já compramos também uma máquina de fazer fraldas. Minha filha está trabalhando com isso”.
Escolhas erradas
Durante o bate-papo, o homem confinado desabafou sobre as escolhas que o levaram a ser condenado a 51 anos de prisão. Arrependido pelos seus atos, C.P.B expressou que, no momento, só deseja trabalhar para pagar pelos seus erros e conseguir estar perto da família novamente.
“Nunca me envolvi com crime. Só me envolvi nessa cadeia por causa de uma briga. Quiseram bater no meu filho e, como sou homem, se tiver que pegar, eu pego. Fui defender minha família. O filho do elemento entrou na frente, eu não considerei, fiz o que fiz, acabei matando uma criança e baleando três”, relembra.
Na cadeia, lutei muito para ver se chegava em outra unidade, a do Corpo 4, para poder trabalhar. Não consegui, mas aqui me deram oportunidade e estou gostando
C.P.B, de 51 anos

Saudades de casa
Durante a dura rotina atrás dos muros e celas da cadeia, o sentimento de saudades paira sobre grande parte dos detentos. A maior delas é por conta da falta que o amor e aconchego da família faz na vida de cada um, conforme destacado pelo interno de iniciais A.C.V , de 36 anos.
“Tenho duas filhinhas lá fora, que dependem de mim. Em nome do Senhor Jesus, eu vou sair de cabeça erguida e voltar a ser o trabalhador que eu era antes, como estou mostrando aqui. Com as remissões que vou ganhando e com o dinheirinho que recebo, já consigo ajudar em alguma coisa lá fora”, garante.
Preso há pouco mais de um ano por ações ilegais, o custodiado abriu o coração sobre seus objetivos, destacando que, assim que conseguir sair, vai recomeçar uma nova trajetória do zero ao lado das filhas.
Eu estou focado em coisas boas lá fora. Quero sair daqui e viver uma vida diferente
A.C.V , de 36 anos
“O meu sonho mesmo é estar muito perto das minhas filhas. Apesar de elas estarem longe agora, é muito doloroso ficar separado. Quero ficar próximo, abraçar, viver com elas diariamente, dar o amor de pai que eu tenho. O tempo que estou perdendo aqui é muito doloroso", desabafa.

Resultados da ressocialização
"Ressocialização, antes de mais nada, depende do querer das pessoas". A frase dita pelo superintendente de ressocialização, Bacildes Terceiro, reflete o desejo internalizado por cada reeducando que derramam suor em busca da readmissão à sociedade.
Diante disso, o gestor destacou o projeto 'Mãos que Transformam' - uma iniciativa de parceria entre SEAP, Ministério Público do Estado da Bahia e Receita Federal do Brasil - como uma ação importante para impactar a rotina daqueles que desejam melhorar o comportamento e a atitude social em busca de novas oportunidades após deixarem o sistema prisional.
"A motivação vem justamente da valorização deles, no sentido de se demonstrar que eles podem - e devem - deixar de viver como criminosos e passar a viver de fato como estudantes e trabalhadores. Onde a violência deixa de existir, se estimulam a paz e o pensamento libertador. O trabalho e a educação substituem o caos e a desesperança", aponta.
A ressocialização, para funcionar, precisa, antes de mais nada, de credibilidade. Os projetos são tocados com profissionalismo e mostrados aos internos de modo que eles percebem que não se trata de algo passageiro nem temerário
Superintendência de ressocialização, Bacildes Terceiro
Série especial
Histórias como essas mostram como os projetos de ressocialização dentro dos presídios podem ser importantes para reabilitar detentos que cumprem pena e se arrependem dos seus atos. O tempo atrás das grades se transforma em um momento de reflexão, mudança e, acima de tudo, esperança de fazer tudo diferente.
Este é o sétimo capítulo da série Ressocialização: a luta contra a invisibilidade. No próximo dia 10 de outubro, o oitavo e último episódio abordará mais uma entrevista exclusiva.