O caso do policial militar Marlon da Silva Oliveira, suspeito de matar Gabriel Santos Costa, de 17 anos, e balear Haziel Martins Costa, 19, no Alto da Ondina, em Salvador, acendeu um debate entre a população sobre os limites da atuação policial na capital baiana. O militar estava foragido da Justiça e se entregou à polícia na noite de domingo (8).
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De acordo com o pesquisador em segurança pública e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Misael França, em entrevista exclusiva ao Portal MASSA!, as circunstâncias do ocorrido indicam que o agente teria passado dos limites ao puxar o gatilho contra os jovens. Além disso, França explicou como a conduta do suspeito se enquadra em abuso de poder.
Todas essas hipóteses configuram abuso de poder e o abuso de autoridade se insere aí"
Misael França, especialista em Segurança Pública
“Direito administrativo divide o abuso de poder como gênero em duas espécies, o excesso de poder e desvio de finalidade ou desvio de poder. Há crime de abuso de autoridade quando o agente público se vale nos termos da Lei 13.869 de uma atuação que está fora do rol da sua competência ou que está na sua esfera de competência, mas é exercida de forma abusiva, arbitrária. Todas essas hipóteses configuram abuso de poder e o abuso de autoridade se insere como espécie deste abuso de poder”, explica.
Horas após o crime, Marlon se apresentou à sede da Polícia Civil da Bahia e alegou ter atirado contra os jovens em legítima defesa. Segundo ele e seu advogado, as duas vítimas teriam tentado roubá-lo. Porém, o especialista em segurança pública afirmou que as imagens divulgadas não mostram que o policial agiu para se defender, já que ele havia rendido os dois jovens antes de disparar.
“Diante das imagens que estão sendo veiculadas, não parece que houve uso moderado dos meios necessários. Houve ali, de fato, um excesso na atuação daquele agente que estava à paisana. Mesmo os indivíduos já rendidos, já neutralizados, sem nenhuma possibilidade de oferecer ameaça ou praticar alguma agressão, ainda assim foram alvejados”, comenta.
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Qual o limite das forças policiais?
As fortes cenas da execução e da tentativa de assassinato chocaram a população de Salvador, levantando questionamentos sobre o limite da atuação das autoridades. No bate-papo com o MASSA!, Misael esclareceu que o limite é a lei.
“O limite da atuação policial é a lei, e no Estado Social e Democrático de Direito como o nosso, a lei protege todos os indivíduos, independente da sua condição de investigado, de acusado, que também são pessoas que têm garantias processuais. Existe uma normativa expressa na lei de como uma pessoa deve ser presa em flagrante delito, como ela deve ser conduzida, quais são as razões que autorizam uma pessoa ser detida”, esclarece.
O fato de serem investigados, suspeitos, ou estejam numa situação de flagrante delito, não autoriza uma abordagem que viole a sua integridade física e a sua vida
Segundo o profissional, o cenário mostrado pelas imagens não justificavam a ação de Marlon. “Ali, no contexto, o direito mais sensível que aparece é o direito à sua integridade física e à vida. O fato de serem investigados, suspeitos, ou estejam numa situação de flagrante delito, não autoriza uma abordagem que viole a sua integridade física e a sua vida”, finaliza.
Impacto na sociedade
Misael destacou que ocorrências como essa impactam na confiança da sociedade com as organizações policiais. “O principal impacto é a quebra da confiança, da credibilidade das forças policiais perante a comunidade e a outra parcela da sociedade que não legitima, que é totalmente contrária a atuações arbitrárias como essa”, destaca.
Por outro lado, o professor afirmou que outro ponto também precisa ser destacado. “Também é preciso considerar que existe uma parte da comunidade, da sociedade brasileira e da sociedade soteropolitana que legitima atuações arbitrárias da polícia. Existe uma parcela da sociedade que está aplaudindo atuações, lamentavelmente, nesse sentido que a gente está constatando não só na Bahia, mas em outros estados”, lamenta.
Próximos passos
A prisão preventiva do agente militar foi decretada pela 2ª Vara do Júri na sexta-feira (6). Desde então, ele estava foragido, até se apresentar às autoridades acompanhado de um advogado.
Agora, ele prestará novo depoimento e seguirá custodiado à disposição da Justiça. A reportagem tentou contato com a defesa do agente apontado como autor dos disparos, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.