
Em uma cultura onde a sexualidade é exaltada a todo momento, das propagandas às novelas, pode parecer difícil imaginar alguém que simplesmente não sente desejo sexual. Mas essa vivência é real e tem nome: assexualidade.
Dizer que não sente vontade de transar costuma ser encarado com surpresa, desconfiança (e muitas vezes com julgamento). “Será trauma?”, “Tem certeza?”, “Nunca experimentou direito...” são perguntas que pessoas assexuais escutam com frequência. Mas a verdade é que não há nada de errado: a assexualidade é apenas uma entre as muitas formas possíveis de viver a sexualidade ou a ausência dela.
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A psicóloga Fernanda Santiago, especialista em sexualidade humana, explica que assexuais experienciam pouca ou nenhuma atração sexual por outras pessoas. “Isso não significa que sejam incapazes de amar, se relacionar ou mesmo sentir prazer. Apenas que o desejo sexual não é um aspecto central de suas conexões interpessoais”, diz.
Segundo Fernanda, a assexualidade não é uma disfunção, pois não causa sofrimento ou prejuízo funcional, como nos casos de problemas clínicos relacionados ao desejo. “A chave está no sofrimento: quem tem uma disfunção geralmente quer mudar; quem é assexual geralmente busca ser respeitado”, define.
Ela também esclarece que existe um espectro dentro da assexualidade, e por isso não dá para colocar todo mundo no mesmo conceito: há quem seja arromântico, quem só sinta desejo após criar vínculo emocional (demissexuais) e quem experimente atração em raras ocasiões (gray-assexuais).
Cada vivência é única, e o importante é reconhecer que a sexualidade não é uma caixinha rígida, mas um campo amplo.
Fernanda Santiago

Tem explicação para esse sentimento?
A psicóloga ressalta que não existe uma causa única que “explique” a assexualidade. "Ela é compreendida como uma variação natural da sexualidade humana. Não é fruto de traumas, bloqueios ou problemas hormonais — embora, claro, em alguns casos, seja importante descartar questões médicas quando há dúvidas", diz.
O mais comum é que a pessoa só perceba que é assexual depois de passar por frustrações ou relações que não faziam sentido emocionalmente. "Às vezes passam por relações frustrantes, se culpam por ‘não sentir o que deveriam sentir’ e só depois encontram informação e se reconhecem na assexualidade. É libertador quando esse reconhecimento vem — porque abre espaço para o autoacolhimento e relações mais honestas", diz Fernanda.
Experiência e relato
O reconhecimento da própria orientação pode levar tempo. Vinícius* compartilhou a sua experiência e descoberta. "No final da adolescência meus amigos falavam sobre sexo como se fosse a coisa mais importante do mundo, e eu simplesmente não sentia vontade. Nunca entendi o motivo, e precisei de tempo e de análise para me descobrir assexual", contou.

"Eu ficava confuso e até com vergonha, e acaba forçando relações na tentativa de parecer 'normal'. O resultado era sempre negativo, tanto para mim quanto para quem estava comigo. Sabendo de verdade quem sou e do que gosto, me relaciono com muito mais verdade e leveza, sempre com quem me entende", contou.
*Nome fictício para preservar a identidade da fonte.Preconceito
Sobre o preconceito que essas pessoas enfrentam, Fernanda é direta: "Falta informação e empatia. A sexualidade de alguém não é medível pela régua dos outros. Ser assexual não é frescura, nem falta de tentativa, nem uma fase: é uma forma legítima de ser e estar no mundo", diz a psicóloga.
Vinícius destaca que a parte difícil, hoje, é lidar com a opinião dos outros. "O mais difícil é ter que me explicar o tempo todo", diz. "Meus amigos mais próximos já sabem e entendem, alguns familiares também, mas sempre que preciso ou quero comentar sobre minha sexualidade surgem uns questionamentos que são cansativos e até desnecessários. Gostaria de não ter que dar uma aula todas as vezes, mas um dia chego lá".