
Casais que brigam pouco, muito ou o tempo todo não são difíceis de encontrar. Mas e aqueles que nunca brigam? Eles existem mesmo e, se existem, estão bem? Entre os jovens da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), o conceito de amor vem passando por uma transformação. Para alguns, amar é construir junto; para outros, é preservar a própria paz.
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No meio disso, surge uma dúvida comum: até que ponto a calma no relacionamento é sinal de maturidade e quando vira indiferença?. De acordo com o psicólogo clínico Jarbas Cerosimo, a falta de conflitos pode ser um problema.
“Casais que nunca brigam têm, sim, maior risco de terminar a relação, porque não chegam a alinhar expectativas. Eles vão levando tudo para o lado pessoal, guardando as coisas dentro da própria razão, e isso gera distanciamento”, explica o especialista.

Briga é quando o alvo é vencer. A emoção é explosiva, vem com agressividade, a linguagem é de acusação, generalização… e o resultado é o distanciamento.
Psicólogo clínico Jarbas Cerosimo
Para o profissional, o problema não é discutir: é como se discute. “A discussão fala de sentimento, fala de empatia, do ‘eu sinto’, ‘eu espero’. Isso tudo gera conexão. Então, a gente precisa entender antes o que é uma briga e o que é uma discussão, pra não se embolar nesse conceito e acabar gerando má comunicação.”
🧨 Briga x conflito: o perigo do silêncio
E o silêncio? Segundo Jarbas, ele pode ser o pavio de uma bomba emocional prestes a explodir.
“A ausência de discussões está diretamente ligada ao acúmulo de mágoas, ressentimentos e frustrações. Com o tempo, isso acaba explodindo de forma até desproporcional, porque o silêncio, quando é acumulado, pode virar uma reação explosiva".
Ele conta que o acúmulo de incômodos é um dos maiores inimigos da relação:
“Quando o casal não discute, a bomba tá ali, o paviozinho tá queimando. Os incômodos não somem, eles se acumulam. Quando um dos dois evita falar sobre o que incomoda para ‘não brigar’, a tensão não é resolvida, apenas empurrada pra dentro. E aí o casal vai colocando tudo debaixo do tapete.”
Jarbas usa uma metáfora simples pra ilustrar: “Coloque o elefante pra fora da casa enquanto ele ainda é um filhote. Quando ele é pequeno, ele passa pela porta, você diz ‘com licença, senhor elefante’, e pronto. Mas, quando o acúmulo vai crescendo, esse elefante já não passa mais na porta, e aí vocês têm um problema grande”.
O casal parece estar em paz, mas é uma falsa paz. Eles vivem em modo de convivência, não de comunhão.
🕊️ Casal tranquilo x casal apático
Mas nem todo casal tranquilo é apático. Jarbas explica que o casal maduro vive em equilíbrio emocional, sem fugir dos conflitos.
“Basicamente, o casal tranquilo é aquele que vive em equilíbrio emocional”, diz Jarbas. “Há um diálogo aberto, mesmo sobre assuntos delicados. O silêncio, nesse tipo de relação, é confortável, não é constrangedor", completou.
Ele exemplifica com o próprio relacionamento: “Às vezes eu saio com a minha esposa, fico olhando pra ela, ela fica quietinha também, e a gente se olha. O silêncio, nesse caso, não é tédio. Não é aquele ‘meu Deus, o que será que ela está pensando?’. É um silêncio que existe de forma leve.”

Mas quando o silêncio passa a significar desconexão, o alerta acende. O casal apático, segundo o psicólogo, é aquele que parou de se afetar, no sentido afetivo.
Segundo ele, “a apatia traz cansaço, esquiva e também o costume de viver no silêncio. Cada um vai levando a própria vida. Não há brigas, mas também não há mais vitalidade na relação.”
💔 Quando o silêncio vira desinteresse
“O contrário do amor não é o ódio”, afirma Jarbas.“Quando o casal está brigando, discutindo, ainda existe alguma coisa ali. Agora, o contrário do amor e do ódio é a indiferença, a apatia — aquele ‘tanto faz’.”
Ele explica que o desinteresse começa com pequenas mudanças: “O silêncio é constante. Não há discussões, nem conversas significativas. A evitação emocional também traz esse ponto da vulnerabilidade, do contato físico ou da demonstração de afeto, que passam a ser algo distante. A indiferença é uma coisa horrível no relacionamento — é o game over, de fato.”
Com o tempo, o casal entra em modo automático. “Eles pagam as contas, cumprem as rotinas e vivem naquela rodinha de hamster — correndo, correndo, mas no automático. A conexão emocional se perde e o casal vive essa falsa paz, até que um dia a bomba estoura.”
⚖️ Como diferenciar e o que fazer
Jarbas resume: “O casal tranquilo vive uma emoção regulada; já o casal apático vive uma emoção entorpecida, ela não existe mais.
No casal tranquilo, o conflito é enfrentado com respeito; no apático, é evitado a todo custo. A comunicação, no tranquilo, é um diálogo real; no apático, é um silêncio funcional: aquele ‘vou ficar quieto porque não adianta’.”
A ausência total de um conflito pode ser o último estágio antes do rompimento emocional, ou seja, do fim do relacionamento. Porque, ao contrário do amor, não é o ódio, é a indiferença
Psicólogo clínico Jarbas Cerosimo
Casais reais: brigam mas se amam
A estudante Maria Alice Lauria e o engenheiro Ary Sault não se encaixam na categoria dos que “nunca brigam”. Segundo ela, as discussões acontecem, mas são resolvidas com diálogo.
“Brigar, não. Mas às vezes algumas discussões. A gente respira, senta e conversa sobre o que tá incomodando”, conta Alice. Para ela, o segredo da paz está na sinceridade:
“Ter uma comunicação honesta, uma relação de respeito e confiança. E nunca dormir brigado! Eu não gosto. A gente tem nosso tempo, cada um respira até ficar em paz pra conversar e se resolver de forma tranquila.”

Já para o casal Juliana e Matheus, a afinidade é o que garante o equilíbrio. “Conversar sempre, ouvir o que o outro tá sentindo e não ficar na defensiva. Nada que não possa ser resolvido com calma e conversa”, dizem.

Ainda tem quem aprendeu na marra. É o caso de João Gusmão, estudante e designer, e Iracema Alves, estudante e estagiária. Quando o assunto é briga de casal, João conta que o problema, muitas vezes, começa nas 'coisas pequenas' deixadas para depois.
“Esse tipo de atitude vai acumulando sentimentos e, quando a pessoa solta tudo de vez, é comum que isso gere uma discussão”, diz.

Mesmo assim, ele acredita que o perdão é parte essencial da convivência. “Não, acho que o perdão faz parte do relacionamento e da vida. Não é simples como esquecer a chateação, e sim ter certeza de que o que causou aquilo não vai se repetir, e viver tranquilamente com isso”, conclui.
