
Nos últimos tempos, a medicina tem avançado em caminhos que antes pareciam “coisa de ficção científica”. Um deles chamou atenção do mundo: a possibilidade de respirar pelo ânus. Pois é — o que soa como piada da ‘net’ virou pauta séria em laboratórios do Japão e dos Estados Unidos. A técnica, chamada de ventilação enteral, promete ajudar em casos de falência respiratória, mas ainda está longe de ser algo aplicável fora dos testes.
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A coloproctologista Glicia Abreu explica, em entrevista ao MASSA!, que o estudo, publicado por Takanori Takebe e outros cientistas, por mais estranho que pareça, tem fundamento. Segundo ela, a “respiração pelo intestino” envolve o uso de uma substância chamada Perfluorodecalin (PFD), capaz de carregar oxigênio.
Pesquisadores japoneses e norte-americanos vêm estudando uma forma de ventilação enteral com perfluorocarbono, usando o Perfluorodecalin.
Glicia Abreu

A médica contou que o primeiro passo da pesquisa foi com animais, como ratos e porcos com baixa oxigenação. Os cientistas aplicaram o Perfluorodecalin oxigenado direto no reto dos bichos, e o corpo puxou tranquilamente oxigênio pela mucosa intestinal. O resultado? Aumentou o oxigênio no sangue e melhorou a sobrevida dos animais durante crises respiratórias.
Depois dos testes no bichanos, chegou a vez dos humanos. De acordo com a profissional, o primeiro estudo clínico — publicado em 2025 — envolveu 27 homens saudáveis. Eles receberam pequenas quantidades da substância, mas sem oxigênio, só para avaliar a segurança do método. “Ninguém teve efeitos graves, e alguns apresentaram pequeno aumento da oxigenação nas doses mais altas. O efeito colateral mais comum foi um desconforto abdominal leve e passageiro”, explica à reportagem.
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Expectativa x realidade
Mesmo com resultados animadores, Glicia deixa claro que o procedimento ainda é experimental e está longe de chegar aos hospitais. “Ainda não é reconhecido nem aplicado em nenhum lugar do mundo fora de pesquisas. No Brasil, também não existe nenhum protocolo ou produto aprovado para esse fim. Como o estudo da fase 1 mostrou segurança, é provável que novas pesquisas aconteçam — talvez até no Brasil —, mas isso ainda tá muito longe de um uso clínico".

Diante da curiosidade que o tema desperta, a coloproctologista ainda fez questão de passar a visão para quem acha que pode tentar o procedimento em casa. Ela frisa que o processo usa substâncias médicas específicas, aplicadas com controle e monitoramento hospitalar. “O produto usado nos estudos é uma substância médica específica, Perfluorodecalin, aplicada com doses controladas e monitorização constante", avisa.
Usar qualquer outro tipo de líquido ou tentar reproduzir isso em casa pode causar danos sérios, como inflamação, lesões no reto ou perfuração intestinal.
Glicia Abreu
Nos testes clínicos, os efeitos foram leves — tipo gases e dor de barriga. Mas fora do ambiente controlado, a possibilidade de ‘dar ruim’ é grande. “Pode causar infecções, irritação da mucosa e até complicações mais graves. Pessoas com hemorróidas, fissuras, cirurgias recentes ou doenças inflamatórias do reto não deveriam jamais tentar algo assim”, detalha.
Por enquanto, a chamada “respiração anal” ainda é vista apenas como um recurso emergencial em estudo. O método não substitui nem complementa os tratamentos respiratórios tradicionais, como oxigenoterapia ou ventilação mecânica. Em resumo, a pesquisa pode até parecer futurista, mas, por enquanto, respirar pelo pulmão ainda é o único caminho seguro.
*Sob a supervisão da editora Amanda Souza.
