
Em meio à incessante procura por mais poderio financeiro para custear os cofres do crime, as facções têm ampliado as atividades ilegais para além do tráfico de drogas - prática mais antiga e comum entre as gangues. Além de taxas de água, luz e residência em alguns municípios, a prática do tráfico de animais já desponta como potencial concorrente ao tráfico de drogas, por exemplo, na Bahia.
Segundo informações apuradas pelo MASSA!, quadrilhas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) têm ‘pegado a visão’ desse meio - por dois motivos: penas menores e risco reduzido. Conforme o agente ambiental do Ibama, Victor Augusto, o crime ambiental, apesar de pequeno, reúne criminosos de alta periculosidade.
“Quando prendemos alguém com animais, geralmente a ficha criminal inclui outros crimes, como furto ou estelionato. A pena é muito branda — de seis meses a um ano, apenas detenção — e isso não causa reclusão. Então, o infrator prefere traficar animais, porque o retorno financeiro é bom e o risco é baixo", revela à reportagem.
Por isso, tentamos enquadrar esses criminosos também por receptação (art. 180) ou associação criminosa, quando possível, para aumentar a punição. Se não, ele assina um TCO e sai da delegacia antes da gente terminar o relatório
Victor Augusto, agente ambiental do Ibama
A partir disso, entra a atuação do Ibama, que é responsável pela fiscalização diária e pelos planejamentos de cada ano, onde articula a prisão dos responsáveis por cada esfera do tráfico e apreendendo os animais e/ou materiais ilegais. Nesse contexto, as aves são os principais alvos dos bandidos, especialmente os pássaros de canto:
“O volume maior, de fato, são as aves. Mais de 90% do tráfico, pelo menos na Bahia, está relacionado a aves. A gente vê que há um problema muito grande com os papagaios. Outra questão é o comércio de estrelas-do-mar. Todo turista quer levar uma como lembrança, mas isso também é ilegal. Tivemos quase 300 autuações no último ano só por causa disso, todas resultado da fiscalização no aeroporto”.

Outra questão é o comércio de estrelas-do-mar. Todo turista quer levar uma como lembrança, mas isso também é ilegal
Segundo dados divulgados pelas autoridades ao MASSA! e conforme relatório do Observatório do Tráfico de Fauna, do Instituto Freeland, entre 2018 e 2022 as espécies que mais apareceram nas apreensões são as aves, sendo 96% encontradas vivas.
Por outro lado, animais abatidos, suas partes, carne de caça e outros materiais a partir das penas, pelos e couro dos bichos também estão nas estatísticas.
Confira dados estimados através de pesquisas, colhidos entre 2018 e 2022 na Bahia:
- 15.670 animais vivos;
- 46 animais abatidos;
- 17.100 kg de pescado ilegal.
Em comparação com dados de todo o Brasil:
- 141.800 animais vivos;
- 9.100 animais abatidos;
- 140 partes, 860 ovos, 224 unidades de produtos e troféus;
- 1.170.000 kg de pescado e 53.000 kg de carne de caça.

Conheça quadrilha que 'voa' alto no esquema
Assim como no tráfico de drogas, a comercialização ilegal de animais silvestres também pode englobar diversas esferas, como cartéis, varejo pulverizado e pontos focais. Nesses esquemas, traficantes identificados como pessoas-chave do crime se tornaram alvos prioritários do Ibama, do Ministério Público e das polícias.
“Às vezes, deixamos de agir em casos pequenos para tentar chegar no fornecedor maior. Não adianta ficar ‘enxugando gelo’ se há alguém abastecendo dezenas de pessoas. Em setembro, o próprio GAECO fez uma grande operação e prendeu o 'Galego', um dos maiores traficantes de animais silvestres do estado”, indica Victor Augusto.
A gangue de Josevaldo Moreira Almeida, vulgo 'Galego', e Weber Sena Oliveira, conhecido como 'Paulista' - presos no início de setembro durante a 'Operação Fauna Protegida', em Mascote, no extremo sul da Bahia-, atuava em esquema com quatro núcleos operacionais.
Segundo o MP-BA, as atividades eram divididas em caça ilegal, transporte e comércio, lavagem de dinheiro e receptadores, normalmente residentes de Salvador. As práticas da quadrilha ocorriam há pelo menos 20 anos em diversos estados.

BR-116 é o point dos ‘traficas’
Segundo informações do Ibama e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), boa parte do esquema de transporte dos animais traficados é feita pelas rodovias, por ser considerado mais barato e fácil de burlar a fiscalização, o que faz com que a PRF tenha um papel ativo nas apreensões.
Em entrevista exclusiva ao MASSA!, a agente da PRF, Fernanda Maciel, explicou que a prática é normalmente encontrada nas rodovias federais que cortam o estado da Bahia, especialmente na BR-116, onde a incidência de transporte de drogas, animais e diversos materiais ilícitos é alta.
“Normalmente, esses animais são transportados para a região Sudeste. Durante as fiscalizações, observamos que eles costumam estar escondidos no bagageiro dos veículos, especialmente de ônibus, acondicionados em gaiolas pequenas e em condições muito precárias”, detalha.
Falta alimentação, há calor excessivo e espaço insuficiente, o que também configura o crime de maus-tratos aos animais
Agente da PRF, Fernanda Maciel

Além das aves, animais como macacos, tartarugas e materiais provenientes da pele do tubarão estão entre as apreensões mais recorrentes da corporação. Para tentar burlar as fiscalizações, os criminosos tentam ‘malocar’ os bichos e objetos em compartimentos secretos nos veículos:
“Já encontramos animais dentro de malas, em condições precárias, e gaiolas envolvidas em sacolas para evitar que o policial visualize o conteúdo de imediato. No final de agosto, na região sudoeste do estado, encontramos um caso em que, além dos animais, havia outros materiais ilícitos no veículo — inclusive armas de fogo."
Para ampliar a efetividade no enfrentamento desse tipo de crime, a PRF ampliou o reforço em treinamentos específicos e em constantes ações de capacitação e atualização dos agentes. A ideia chave é aprimorar as técnicas de abordagem e fortalecer o trabalho de inteligência para acompanhar e antecipar a evolução das estratégias utilizadas pelos criminosos.