
A morte brutal da jovem trans Ryana Alves, de 18 anos, estrangulada com um 'mata-leão' por um motorista por aplicativo em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, chocou o estado. A indignação da comunidade LGBTQIAPN+ aumentou ainda mais quando o suspeito, identificado como Sérgio Henrique Lima dos Santos, de 19 anos,levou o corpo à delegacia, confessou o crime e foi liberado em seguida.
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Ao MASSA!, a Polícia Civil da Bahia informou que o homem não pôde permanecer preso porque se apresentou voluntariamente, o que exclui as hipóteses de flagrante. Para esclarecer o motivo que isso ocorre, o advogado criminalista Bruno Moura detalha como a lei trata a chamada apresentação espontânea.
PERGUNTA 1: Por que o suspeito, mesmo confessando o homicídio, não foi preso ao se apresentar espontaneamente?

RESPOSTA: “A ‘apresentação espontânea’ é quando a pessoa que cometeu o crime procura, voluntariamente, a autoridade policial e se apresenta, dizendo que cometeu ou que tem alguma informação sobre o crime. Nesse contexto, não há a situação típica de ‘flagrante’, ou seja, a pessoa não foi presa durante a prática do crime, nem logo depois. A consequência imediata dessa apresentação espontânea é que não é possível lavrar auto de prisão em flagrante, justamente porque as hipóteses do flagrante (descritas no art. 302 do CPP) não estão sendo atendidas. Ou seja: o fato de o suspeito ‘se entregar’ voluntariamente não equivale a um flagrante, por isso, a autoridade não pode lavrar auto de prisão em flagrante nesses casos”.
PERGUNTA 2: Quais são os critérios que diferenciam apresentação espontânea de flagrante?
RESPOSTA: “O instituto da apresentação espontânea existe há décadas no ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de controvérsias doutrinárias, alguns autores defendem que, em casos graves com elementos robustos (arma, sangue, testemunhas, flagrância evidente), a prisão em flagrante poderia ser permitida mesmo após apresentação espontânea. Entretanto, a jurisprudência majoritária e a doutrina majoritária mantiveram a distinção: apresentação espontânea é diferente de prisão em flagrante. A consequência disso é entendida como preservação de direitos fundamentais: evitar prisões excessivas, garantir a Presunção de Inocência e garantir que o processo penal observe formalidades essenciais. No caso concreto, o suspeito procurou a autoridade policial por vontade própria (apresentação espontânea). Por esse motivo, não se lavrou prisão em flagrante (pois não se enquadrou nas hipóteses do art. 302 do CPP)”.
PERGUNTA 3: A família de Ryana pode recorrer ou buscar providências?

RESPOSTA: “A família pode acompanhar e exigir que a investigação seja efetiva. O fato de o suspeito ter sido liberado não retira o dever do Estado de investigar, apurar autoria e materialidade. O processo penal não depende de prisão imediata para existir. Se a autoridade policial ou o Estado não provocar a ação penal ou não promover as diligências necessárias, há espaço para que a família ou representantes ingressarem como assistentes de acusação ou acionarem o Ministério Público para atuar com rigor”.
PERGUNTA 4: Mesmo em liberdade, o suspeito ainda responderá na Justiça?
RESPOSTA: “A libertação imediata após apresentação espontânea não impede que o processo siga. O crime cometido (no caso, homicídio) não deixa de existir. A investigação deve seguir com a colheita de provas, perícias, oitivas e inquérito policial. O processo penal prossegue independentemente de o acusado estar preso ou solto. Se houver provas suficientes de autoria e materialidade, o Ministério Público pode oferecer denúncia. A partir daí, o processo continua normalmente, com réu solto ou preso, conforme decisão judicial. Mesmo nos crimes graves, a prisão preventiva ou outra medida cautelar não é automática. Depende da demonstração de risco concreto (fuga, ameaça a testemunhas, risco à ordem pública, destruição de provas etc.). Portanto, a ‘liberação inicial’ não representa perdão ou absolvição antecipada. Representa apenas a observância de regras processuais, direitos fundamentais (Presunção de Inocência, Devido Processo Legal) e a necessidade de fundamentação concreta para restrição da liberdade”.
Ministério cobra justiça

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) da Bahia se pronunciou sobre a morte de Ryana Alves. A pasta lamentou o episódio e informou que o caso foi encaminhado à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para acompanhamento das medidas cabíveis.
Nota na íntegra
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (SLGBTQIA+), manifesta profundo pesar e solidariedade à família, amigas e amigos, pela morte de Rihanna Alves, de 18 anos, no último sábado (6).
Após conhecimento do caso, a SLGBTQIA+ encaminhou a denúncia à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para que as medidas cabíveis sejam adotadas com respeito à vítima e seus familiares.
Rihanna foi morta por um motorista de aplicativo, por asfixia, dentro do veículo, próximo ao município de Luís Eduardo Magalhães (BA). O motorista levou o corpo da jovem até a delegacia, confessou o crime e foi liberado em seguida.
O caso da Rihanna não é isolado. O Brasil é o país que mais registra casos de mortes e assassinatos de pessoas trans e travestis no mundo, e este Ministério segue firme no compromisso de enfrentar a violência LGBTQIAfóbica e combater as violações de direitos de pessoas LGBTQIA+.
