![Autoridades conversaram com o MASSA! sobre a audiência de custódia](https://cdn.jornalmassa.com.br/img/Artigo-Destaque/1280000/380x300/Manter-ou-acabar-especialistas-abrem-o-jogo-sobre-0128053700202502120630-ScaleOutside-1.webp?fallback=%2Fimg%2FArtigo-Destaque%2F1280000%2FManter-ou-acabar-especialistas-abrem-o-jogo-sobre-0128053700202502120630.png%3Fxid%3D6144711&xid=6144711)
Em maio do ano passado, um motorista meteu o veículo e atropelou dois policiais militares, durante uma blitz na região da Avenida Joana Angélica, em Salvador. O caso aconteceu no dia 6 daquele mês. Dois dias depois, Mário Oliveira Gomes, que também era suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas, já estava nas ruas. Isso porque ele recebeu a liberdade provisória após Audiência de Custódia. O episódio revoltou a Polícia Militar e os órgãos de segurança, que, na época, repudiaram a decisão do juiz, levantando um questionamento sobre a eficácia da Audiência de Custódia.
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Ainda no ano passado, em dezembro, o mesmo homem se envolveu em uma troca de tiros com policiais e foi ‘de arrasta pra cima’. Segundo a PM, na ocasião, três metralhadoras, uma pistola e uma carabina, além de porções de cocaína e maconha, foram apreendidos com ele.
Recentemente, o assunto voltou aos holofotes após o coronel da reserva da Polícia Militar da Bahia, Humberto Sturaro, criticar duramente o procedimento e defender o fim da Audiência de Custódia na Bahia, durante uma entrevista ao Portal A TARDE. Mas seria possível extinguir de vez ou até mesmo modificá-la?
Para responder essas e outras perguntas, o Jornal MASSA! falou com autoridades da segurança pública e do judiciário baiano.
A defensora pública, Diana Furtado, salienta que o principal papel da Audiência de Custódia é "aferir a legalidade das prisões em flagrante". Ela ressalta que antes de ser adotada no Brasil, em 2015, havia vários casos de 'injustiças'. “Não era raro que a gente encontrasse pessoas que tinham sido presas injustamente muitas vezes a mais de 30 dias e sem que nenhum juiz tivesse apreciado a legalidade daquela prisão. Então, hoje a regra é uma apresentação em 24 horas para que o juiz possa aferir a legalidade da prisão".
A priori, o intuito é "verificar se houve violência policial, ou não. Havendo legalidade da prisão, resolve-se que aquela pessoa deve ficar presa preventivamente ou não". No entanto, ela descarta a possibilidade de uma extinção do procedimento. "Por que é que a gente não pode pensar em acabar com a audiência de custódia? Para que a gente não tenha prisões injustas prolongadas no tempo por falta de apreciação pelo judiciário".
O último estudo divulgado pela Defensoria Pública do Estado (DPE), aponta que, somente na capital baiana, em 2023, 1.675 dos 2.898 casos analisados pelo judiciário, receberam liberdade provisória. Ou seja, 57,80% voltaram às ruas. Destes, 1.043 tiveram o flagrante convertido em preventiva. (prisão relaxada (146), prisão domiciliar (7), fiança arbitrada e recolhida pela autoridade policial (6) e, por último, a prisão temporária (3)).
A advogada salienta que se esse número de prisões fosse significativamente maior, não haveria cadeia para todo mundo. Por isso, a importância “de averiguar se existiu violência, porque tem vários crimes que são praticados sem violência. Então, não necessariamente aquela pessoa precisa ficar presa preventivamente, porque às vezes não vai ficar presa nem mesmo depois de condenada”. "Qual é a razão de eu prender preventivamente alguém que às vezes furtou uma pasta de dente, ou uma carne no açougue, né? Sendo que, mesmo se essa pessoa for condenada, ela não vai ficar presa depois", questiona.
Taxa de retorno
Apesar de muitos casos de pessoas que cometem crimes, receberam a liberdade provisória e voltaram a praticar virar notícias, a defensora explica que a pesquisa mostra que isso é uma "situação absolutamente excepcional".
"Quando a gente pensa em taxa de retorno, que é o reingresso do preso no mesmo ano ao sistema prisional, a gente verifica que a taxa de retorno em Salvador foi de 4%. Que eu quero dizer com isso? Das pessoas que foram liberadas na audiência de custódia, apenas 4% voltaram para o sistema prisional. Então, é necessário que a gente tente desmistificar esse senso comum, né, de que a polícia prende, o judiciário solta, porque isso não acontece".
Projeto de Lei tenta acabar com audiência de custódia no Brasil
Atualmente, existe um Projeto de Lei (PL 3.805/2024) apresentado em outubro do ano passado pelo senador Cleitinho (Republicanos-MG) para pôr fim às audiências de custódia em todo território brasileiro, no entanto, a Promotora de Justiça Titular da 26º Promotoria de Justiça Criminal da Capital, Flávia Cerqueira Sampaio, acredita que a audiência de custódia é um "caminho sem volta no sistema jurídico brasileiro".
"As audiências de custódia devem ser mantidas e constituem um caminho sem volta no sistema jurídico brasileiro, até porque são constitucionalmente fundamentais para ajustar o sistema de justiça brasileiro às disposições de tratados internacionais de direitos humanos".
Ela explica o porquê do procedimento deve continuar. "Foi implantada no Brasil em 2015, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Ministério da Justiça e dos Tribunais de Justiça Estaduais, já com décadas de atraso, porque decorre exatamente da necessidade de cumprimento pelo Brasil de Pactos e Convenções Internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mundialmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, assinados pelo Brasil no ano de 1992. O STF, inclusive, se posicionou no sentido de que a Convenção Americana de Direitos Humanos tem valor supralegal, ou seja, está situada acima das leis ordinárias, não sendo necessário, sequer, a promulgação de lei ordinária para a realização das audiências de custódia".
Análise do MP
"A prisão preventiva sempre será analisada no caso concreto, jamais abstratamente por tipo penal ou exclusivamente por condições pessoais do preso. Deve-se, contudo, observar se o tipo penal autoriza a sua decretação, uma vez que o art. 313 do CPP não autoriza a decretação da prisão preventiva em crimes culposos ou em crimes dolosos com pena máxima abstrata inferior a quatro anos, salvo algumas exceções", explica Cerqueira.
Segundo a promotora, a gravidade do delito; modus operandi; risco real de reiteração delitiva; se o indivíduo integra ou participa de organização criminosa; se é faccionado; se o crime foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa; se o autuado possui inquéritos policiais e se responde a ações penais; se é reincidente; se já descumpriu anteriormente outras medidas cautelares; nos casos de tráfico de drogas também se observa a natureza, quantidade e subtipos de drogas, armas ou munições apreendidas, são fatores determinantes na análise feita pela promotoria para pedido ou não da prisão.
O mesmo acontece para estipular qual medida cautelar deve ser adotada em caso de liberdade provisória. "Há também uma análise cuidadosa e proporcional das medidas cautelares adequadas a serem aplicadas, sobretudo da monitoração eletrônica".
O que diz a SSP
Em entrevista exclusiva ao Jornal MASSA!, o secretário de segurança Marcelo Werner evitou criticar o sistema, mas cobrou um endurecimento das penalidades.
"O respeito é muito grande ao Tribunal de Justiça, ao Ministério Público e à Defensoria, o que a gente sempre provoca em relação ao legislativo como um todo é o endurecimento das penas, em especial dos crimes violentos contra a pessoa e contra o patrimônio, evitando o que a gente chama de habitualidade criminosa, a reincidência criminal. Acho que a audiência de custódia tem que ser avaliada com esse panorama de mudança legislativa, em especial do endurecimento das penas".
O chefe da pasta de segurança defende que, em alguns casos, esse processo poderia ser mais adiantado. "Apenas para aqueles que cometem crimes violentos e que por si só já deveriam estar pela reincidência criminal deveriam ter um processo mais célere para que possam responder pelos seus delitos perante a justiça".
Opinião da delegada
Para a delegada-geral Heloísa Brito, a audiência de custódia é um mecanismo que faz bem para a sociedade porque traz a análise, a lisura de todo procedimento, tanto da atuação dos policiais quanto da participação do indivíduo que foi autuado em flagrante. “Então, a justiça compra aquilo que acha certo e muitas vezes os juízes decidem pela liberação ou não aplicação de medidas restritivas. Cabe a nós, da polícia judiciária, trabalhar cada vez com mais afinco e trazendo mais tecnologias e informações para que o juiz e promotor se sintam muito confortáveis acerca desta deliberação, se o indivíduo deve continuar preso ou deve ser liberado. Então, a nós da Polícia Civil cabe fazermos o nosso papel de melhorar os elementos probatórios. A gente sabe que o tempo da realização do flagrante é muito rápido. Entre a realização e a comunicação ao juiz, demora menos de 24 horas e o nosso desafio é trabalhar com os nossos núcleos de inteligência para que aquele auto de prisão em flagrante, ele vá com aquilo que aconteceu, com o indivíduo apresentado em flagrante, mas também com outras informações que possam subsidiar o juiz na análise do pedido que normalmente os delegados fazem pela decretação da prisão preventiva daquele indivíduo que foi autuado em flagrante".