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cadeia neles? - 17/08/2024, 09:00 - Paola Pedro

Audiência de custódia: saiba o que é e por que causa tanta polêmica

O criminalista Marcus Rodrigues contou os detalhes do procedimento ao Portal MASSA!

Desde 2015, o procedimento reduziu em 10% o número de presos provisórios
Desde 2015, o procedimento reduziu em 10% o número de presos provisórios |  Foto: G.Dettmar/CNJ

Muitos foram os episódios em que parte da população se revoltou ao tomar conhecimento que suspeitos de crimes, muitas vezes absurdos, foram liberados em audiências de custódia. Apesar da indignação, o advogado criminalista Marcus Rodrigues esclareceu ao Portal MASSA! que, em alguns casos, “contrariar” a sociedade, de acordo com as leis, é o caminho correto.

O presidente da Comissão de Apoio à Advocacia Criminal explicou que a audiência de custódia é um direito fundamental de toda pessoa que é presa. O procedimento surgiu em pactos internacionais, como o Pacto São José da Costa Rica e a Carta Americana de Direitos Humanos, e conta com a participação do juiz, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou advogado do preso.

Imagem ilustrativa da imagem Audiência de custódia: saiba o que é e por que causa tanta polêmica
Foto: Shirley Stolze/Ag. A Tarde

“É essa Carta que vai trazer a definição da audiência de custódia: toda pessoa presa, detida, retida, por uma autoridade policial, sem demora deve ser encaminhada à autoridade judiciária. É isso que a lei diz”, expôs Marcus Rodrigues.

O criminalista explicou que o sentimento de revolta surge, muitas vezes, pela característica punitivista que a sociedade carrega. “Vivemos em um estado totalmente opressor e, a cada dia que passa, aumenta a opressão policial, infelizmente. Claro que isso é ofertado pelo próprio estado. Mas, a regra da nossa Constituição Federal é a liberdade. A prisão é a exceção”, explanou.

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Dr. Marcus Rodrigues disse ainda que algumas informações acerca dos trâmites da audiência de custódia são pouco conhecidas por “leigos” e é importante que sejam esclarecidas, para que se evite conclusões precipitadas.

“Então, até que prove o contrário, eu, você ou qualquer outra pessoa, que já esteja à margem da lei, tem o título de inocente. A audiência de custódia tem, por essa finalidade, colocar aquela pessoa presa na frente de um juiz, de um promotor. O que não acontecia, porque o cara era preso e encaminhavam apenas o auto de prisão em flagrante, os argumentos da prisão para o juiz. Essa pessoa ficava presa meses, dias, semanas, até anos, por uma situação de flagrante”, esmiuçou.

O advogado apontou ainda que anteriormente o preso não se apresentava ao juiz, tendo o magistrado contato apenas com os documentos redigidos, em sua maioria, por policiais. Dessa forma, Rodrigues ressaltou que não era possível perceber se aquela pessoa havia sido torturada, por exemplo.

“Com a audiência de custódia, se dá mais espaço para essas pessoas se posicionarem do que realmente passou antes. Com os documentos ficavam apenas uma versão dos fatos e agora a gente consegue abrir essas possibilidades para o flagranteado se posicionar e, de repente, se defender. Essas ilegalidades são observadas na audiência de custódia”, disse.

Imagem ilustrativa da imagem Audiência de custódia: saiba o que é e por que causa tanta polêmica
Foto: Shirley Stolze/Ag. A Tarde

Segundo o criminalista, uma série de fatores contribue para que o flagranteado seja liberado, já que “juiz tem por obrigação conceder a liberdade. Não é ‘ah, vou fazer aqui porque eu acho’ ou porque é emocional. Ele tem por obrigação, independente da gravidade abstrata do crime”.

Ser réu primário, ter bons antecedentes, residência fixa no sítio da culpa, labor na atualidade, além de família constituída e filhos menores de 12 anos são tópicos favoráveis para a liberação do suspeito.

“A audiência de custódia não toca no crime, não quer saber se aquele crime foi homicídio ou se foi tráfico… a gente não adentra no mérito. A audiência de custódia é só para visualizar se a prisão é legal ou ilegal: se é ilegal, tem que relaxar, por obrigação, e se for legal a gente passa a visualizar se aquela pessoa presa tem direito a responder aquelas acusações em liberdade ou não”, complementou.

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Experiente, o dr. Marcus Rodrigues foi o primeiro advogado na Bahia a participar de uma audiência de custódia. O procedimento foi implementado no Brasil em 2015 e, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesse período já foram realizadas mais de 758 mil audiências de custódia em todo o país, com o envolvimento de pelo menos 3 mil magistrados.

Ainda segundo o CNJ, a realização do procedimento foi responsável pela redução de 10% na taxa de presos provisórios em todo o país. “Hoje as pessoas apenas divulgam a questão da liberdade, mas é uma farsa. A audiência de custódia mais prende do que solta, porque a incidência hoje é muito grande”, afirmou Rodrigues.

“O nosso estado não cuida das pessoas que não têm incidência. Cerca de 48% das pessoas hoje são pessoas que não fazem parte de facção criminosa. A incidência no estado não cuida dessas pessoas, as pega e coloca naquele mesmo ambiente. O meio faz o ser humano. Tudo isso acaba mais alto e circunstante”, lamentou.

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Foto: Shirley Stolze/Ag. A Tarde

Na profissão há 13 anos, o criminalista expôs ao MASSA! que, nos nove anos de implementação da audiência de custódia, pode perceber uma mudança no comportamento dos magistrados que lidam com os flagranteados.

“Os magistrados que ficam, não é o mesmo de 2015… isso já mudou quase dez [vezes]. A magistrada que está hoje é muito humana, garantista, que vai ao encontro da Constituição. Às vezes parece ser revolucionário seguir o que a lei determina, mas ela e os promotores caminham dessa forma”, contou.

“O que a gente percebe que nunca muda são as pessoas que são presas: 98% são negros; 98% são homens; 78% são jovens, de 18 a 29 anos, 78,5% a 82% não têm escolaridade, no máximo, até sexto, oitavo ano. Então, a gente percebe que, na verdade, o processo penal em si escolhe quem ele quer punir”, ressaltou.

Dr. Marcus Rodrigues ainda fez questão de reforçar que em crimes como o da menina Aisha, abusada e assassinada por um vizinho no bairro de Pernambués, no último mês de julho, interferem, de certa forma, nas decisões tomadas durante a apresentação dos flagranteados na audiência de custódia.

“Nesses crimes que têm uma repercussão muito grande, a Justiça funciona, muitas vezes, como termômetro. A sociedade está ali efervescida e tem que prender. Se ela [a Justiça] solta, mostra total impunidade, descrédito. Então, eu até me coloco no lugar da juíza ou do juiz, porque é uma situação de total desconforto”, falou.

“Em um caso que tem uma repugnância muito grande, infelizmente a liberdade acaba sendo relativizada. Na maioria das vezes, quando a gente percebe isso, que tem uma influência midiática por trás e que o crime traz uma repugnância, que vem a reboque da própria sociedade, juiz, promotor, advogado, defensor - fazem parte da sociedade -, acabam sendo contagiados ou contaminados com essa influência. O juiz é um ser humano e ele não tem como separar, no momento da decisão, o humano e o judiciário. Ali vão caminhar juntos, a vida é eterna, né? Até ele sair do judiciário e olhar lá”, finalizou o criminalista.

O Portal MASSA! entrou em contato com o Ministério Público da Bahia (MP-BA) e com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) para que os órgãos pudessem esclarecer os pormenores da audiência de custódia, mas nenhum deles se manifestou até o fechamento desta reportagem.

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