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ANTIGUIDADE É POSTO? - 06/06/2025, 10:30 - Jaísa de Almeida* - Atualizado em 06/06/2025, 10:41

Conclave do crime: escolha de sucessores nas facções segue rito rígido

Fontes policiais e comunitárias abriram o jogo sobre sistema da criminalidade

Facções criminosas também adotam um processo interno para decidir quem assume o comando dos bairros
Facções criminosas também adotam um processo interno para decidir quem assume o comando dos bairros |  Foto: Felipe Iruatã / Ag. A TARDE

A disputa entre facções criminosas em Salvador não se resume aos tiros trocados nas ruas ou aos muros pichados com siglas de grupo. Por trás da guerra declarada por território, existe uma engrenagem bem mais complexa, silenciosa e hierarquizada, que funciona mesmo com a constante perda de “soldados” do crime nesses confrontos. E, em meio às baixas frequentes, uma pergunta volta a rondar as comunidades: quem assume o trono deixado pelo chefão que caiu?

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Assim como no Vaticano, onde o conclave define o novo papa longe de pressões externas, facções criminosas que atuam na capital baiana também adotam um processo interno e controlado, que é semelhante ao tradicional, para decidir quem vai assumir o comando do tráfico em determinadas áreas.

O assunto, que costuma surgir entre moradores que vivem nas áreas mais tensionadas da capital, encontra resposta dentro do sistema carcerário, onde líderes presos continuam influenciando as decisões do “lado de fora”. Ao Portal MASSA!, fontes policiais abriram o jogo sobre a lógica do comando do tráfico, que funciona como uma empresa: com dono, gerentes regionais, coordenadores e um esquema tão bem alinhado quanto uma rede de supermercados.

Cada bairro tem um “gerente principal”, que toca a rotina criminosa local, mas sempre respondendo à cúpula da organização, que, na maioria das vezes, está atrás das grades.

“Pensemos como uma grande rede de supermercados. Existe aí o dono. Existem os gerentes regionais. Esses gerentes regionais são responsáveis pelos estados. Dentro dos estados existem outros gerentes, que coordenam as cidades. Dentro da cidade existe o gerente que coordena os bairros”, explica um agente.

Voz do presídio

Esses "gerentes auxiliares", ou “os de confiança”, podem até resolver o dia a dia, mas não têm autonomia quando o assunto é decidir quem assume uma quebrada estratégica ou um ponto que fatura alto. A canetada final quase sempre vem de dentro do presídio.

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O que se sabe, dentro do eixo da segurança pública, é que boa parte, a maior parte das decisões que são tomadas nos bairros, nas cidades

"Depende muito da articulação desses presos. Dos presos que já estão encarcerados e que de lá comandam as ações dos que estão aqui fora [...]E aí, quando um deles morre, isso é corriqueiro acontecer, esses da cadeia estabelecem aí um novo líder", detalha.

Elementos exibem vida criminosa nas redes sociais
Elementos exibem vida criminosa nas redes sociais | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Por outro lado, uma fonte comunitária de Salvador revelou outro lado obscuro do cotidiano do crime. Segundo o rapaz, que teve a identidade preservada, há outra possibilidade de escolha. Em caso de morte do antigo, o novo chefe do tráficojá é pré-definido pelo gerente anterior. Geralmente, são aqueles chamados de "braço direito" pelos 'coroas' das regiões.

Mas, se ambos morrem, a designação do substituto acontece por meio de votação entre os traficantes de maior escalão.

Rixa na facção

Quando um gerente de bairro vacila ou perde moral com os 'cabeças', ele pode ser rapidamente “despromovido”. Em alguns casos, entra alguém de fora, de uma quebrada vizinha, com mais moral no sistema. Ou então, um dos gerentes secundários pode ser alçado ao topo, desde que tenha o contato certo com quem manda lá de dentro.

Reflexo disso é o que ocorre, por exemplo, no Bairro da Paz, uma área marcada pelo comando violento de facções. Por muitos anos, o controle da região esteve nas mãos de um traficante conhecido como 'Beto'. Após a prisão de Beto, quem assumiu o posto foi um lalau apelidado de 'Flor'.

Flor e Djalma, respectivamente
Flor e Djalma, respectivamente | Foto: Arquivo/Divulgação/SSP-BA
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Lembro que Flor ficou bastante conhecido pelo grau de violência. Ele estuprava, matava moradores e chegou a incendiar casas

“Foi morto em confronto com a polícia, e, depois disso, quem passou a comandar foi Djalma”, conta o agente.

Beto era considerado um “gerente master”, com influência que ia além do Bairro da Paz. Após a morte dele, outros nomes se revezaram no poder, até que o controle atual ficou nas mãos de um trafica conhecido pelo vulgo 'Keu', apontado como o principal linha de frente da facção Bonde do Maluco na área hoje.

Imagem ilustrativa da imagem Conclave do crime: escolha de sucessores nas facções segue rito rígido
Foto: Reprodução/TV Aratu

A regra é clara: quem tem vínculo forte com os ‘cabeças’ e já tem conhecimento do sistema pode virar o novo chefão. O mérito no mundo do crime é a lealdade, o trâmite interno é o prestígio conquistado com quem realmente manda.

"Tendo conhecimento técnico da área, tendo conhecimento com pessoas que desenvolvem papéis importantes dentro da organização, você pode ter esse lugar, entre aspas, 'privilegiado'", garante.

Bairro da Paz
Bairro da Paz | Foto: Ilustrativa/Denisse Salazar/Ag. A TARDE

Estado x crime organizado

Em meio às disputas por território e às trocas de liderança dentro do tráfico, o Estado afirma que monitora os movimentos das facções e atua para conter o avanço desses grupos. Em entrevista exclusiva ao Portal MASSA!, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, destacou que essas invasões e ataques entre bairros fazem parte da guerra por domínio do tráfico de drogas.

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Faz ataques não só à facção, mas à população

“O que ocorre são guerras de facção em busca do domínio do tráfico de drogas em outra determinada área, faz ataques não só à facção, mas à população. Logicamente, o Estado e as fontes de segurança estão atentos a essa movimentação, qualquer vez que há um crime violento, ou que há esse conflito, esse embate em facção, essa tentativa de domínio de território. O Estado se faz presente com ações não só de inteligência, mas ações operativas de imediato da Polícia Militar, da Polícia Civil, unidades especializadas, para que a gente possa cessar esses ataques, esses crimes violentos e logicamente levar à justiça esses responsáveis", explica.

Werner ainda citou que operações vêm sendo realizadas tanto na capital quanto no interior, com foco em desarticular esses grupos. Segundo ele, o trabalho inclui desmonte de barricadas, patrulhamento reforçado e prisão de suspeitos.


*Sob a supervisão do editor Pedro Moraes

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