
Entre os golpes e práticas do judô, estão fortes histórias de superação que marcam a trajetória do dojô Jita Kyoei Bahia, projeto social fundado pelo sensei Carlan dos Santos, e de muitos jovens alunos que encontraram no esporte uma forma de combater a criminalidade, fugindo da tentação das ruas.
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As aulas são totalmente gratuitas e acontecem no Condomínio Azteca, localizado no bairro Caixa D’água. A prática, porém, começou em outro bairro e precisou passar por mudanças após uma antiga treta com o tráfico de drogas da região. Tomados pelo ódio, os bandidos expulsaram Carlan do antigo dojô, pois estava atrapalhando os negócios do crime.
Em entrevista ao Portal MASSA!, o sensei explicou que precisou recomeçar em outro lugar, pois as ameaças estavam ficando cada vez piores e se transformando em invasões. Por isso, teve que abandonar tudo e escapar da morte.
Os caras chegaram a entrar lá pra me pegar, mas dei sorte porque eles estavam num dia em que eu não estava. Eu dava aula às terças e quintas, eles foram numa quarta
Sensei Carlan dos Santos
Com o foco em salvar a garotada dos caminhos do crime, Carlan era bastante conhecido e respeitado no antigo local, tanto pela comunidade quanto pelos próprios traficantes. Mas tudo mudou quando o chefe do tráfico da região foi morto e uma nova facção tomou o controle.

A partir daí, o dojô passou a receber ameaças da nova ‘gestão criminosa’. Os elementos alegavam que o projeto atrapalhava os interesses da quadrilha, afastando os jovens que tentavam recrutar para ações ilegais. Esse foi o começo de uma rivalidade que obrigou o sensei a fugir.
A gente chegou a desmontar uma boca de fumo numa comunidade próxima a uma escola onde trabalhávamos
Sensei Carlan dos Santos
“A ideia sempre foi essa mesmo. Já tirei uma menina de dentro de boca de fumo, onde os caras iam matar ela. Já pagamos dívida de menino pra salvar ele. A proposta do projeto é exatamente essa, combater o aliciamento de menores e o tráfico de drogas”, afirmou.
Alunos salvos do combate ao crime
Além de ajudar Carlan, o projeto social de judô também se tornou a salvação de muitos alunos, que encontraram no esporte uma forma de refúgio e recomeço. Esse é o caso de um dos jovens participantes, que passava horas no tatame para se manter seguro e salvar sua vida.
Sem citar o nome, o professor contou que o judô salvou o rapaz, pois bandidos armaram uma emboscada para matar o pai dele, o encurralando dentro da própria casa e realizando vários disparos. O jovem, no entanto, estava treinando no momento da ação e ficou ileso.
“Tem uma história muito marcante no último trabalho que foi feito com a gente, no último exame de faixa. Eu perguntei a um determinado aluno por que eu tinha que deixá-lo no judô. Aí ele falou: 'Eu gosto mais, me sinto melhor aqui do que na minha casa'. Eu já sabia que a família dele tinha envolvimento com o tráfico, com o crime organizado e eu incentivava muito ele desde muito novo, que tinha um outro caminho pra ele. Aí, depois que passou todo mundo, eu chamei ele e perguntei o motivo daquela resposta”, iniciou.
Ele disse: “O senhor me salvou. Se eu não estivesse aqui, provavelmente eu teria recebido um tiro, porque foram vários na janela do meu quarto
Sensei Carlan dos Santos

Motivação diária
Histórias como essa e a de outros alunos se tornaram o combustível que move as engrenagens do projeto social, motivando Carlan diariamente a continuar compartilhando seus ensinamentos para dentro e fora dos tatames. A luta contra o crime organizado e o resgate dos jovens seguem firmes, com a esperança renovada a cada aluno salvo do mau caminho.
“Tudo foi pra tirar esses jovens e adolescentes do caminho do crime, do tráfico, que a gente vê que não é só uma realidade do Brasil, mas do mundo afora. Muitos ainda treinam. Alguns não estão mais no estado, pois fugiram. Infelizmente, outros que não continuaram com a gente acabaram sendo mortos pelo crime organizado. Mas muitos continuam aqui, e é fora do tatame que, pra mim, estão as medalhas que realmente importam. A gente teve conquistas ainda maiores”, finalizou.