
Diferente do que aparece nos reels, vídeos de TikTok e afins, a corrida deste domingo (23) foi nas ruas da periferia de Salvador: de Pernambués para Tancredo Neves. O 1º Circuito de Favela a Favela reuniu centenas de atletas em um trajeto de 6 km, mostrando que não só da brisa da orla podem viver os corredores da capital baiana.
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A galera, de todas as idades, colou na concentração logo cedo, às 5h30, na Praça Arthur Lago, em Pernambués, onde foi dada a largada. Em meio à ansiedade e o desejo de completar todo o trajeto, o povão chegou trajado com os tênis palosos e com os relógios modernos para conferir qual foi o pace.
Ligado em tudo que acontece nas comunidades, O MASSA! chegou junto, até o fim da prova, na Praça do Arvoredo, em Tancredo Neves. Com os cabelos e a pala já fora do lugar, os atletas chegaram extenuados, mas felizes com o desempenho.
Como coroação por ter completado a prova, todos tiveram direito a medalha e a recuperar as energias com umas frutinhas. Além disso, os primeiros colocados ainda puderam ostentar bonitos troféus.

Rápido como o vento
Mal começou e André Santos, 35 anos, morador do São Gonçalo, já tinha dado as caras na chegada, na Praça Arvoredo, com o tempo de 16min42seg, sendo ‘paparicado’ por todos.
De sedentário a amante da atividade física, André revelou a mudança em sua vida após a chegada do esporte. “Graças a Deus, eu só tenho a agradecer, porque eu vivi uma vida de sedentarismo, perdi noites. Hoje já me policiei, busco objetivos, como estar lá na São Silvestre e outras corridas nacionais e internacionais”, declarou.

Espaço de empoderamento
Com 22min57seg, a primeira mulher cruzou a linha de chegada. Moradora da Sussuarana, Paula Santos, 32, aproveitou o mês da Consciência Negra para dar uma declaração emocionante e impactante unindo a sua história com a luta racial.
A gente tem o costume de que negro corre por conta da polícia, eu estou aqui para provar que não, a gente pode sim correr e correr atrás dos nossos sonhos
Paula Santos

Paula ainda contou a sua motivação em fazer parte do evento quando viu o tema, contando que sai correndo por todo canto de Salvador.
“Quando saiu a divulgação eu falei: ‘Eu tenho que representar a favela, eu tenho que ir com sangue no olho mesmo pra representar a galera negra’. Eu estou muito feliz por ser a campeã. Eu corro no Arvoredo, eu corro na Sussuarana, eu corro no CAB, eu corro na Mata Escura. E não é da polícia e sim por uma atividade física, por buscar o meu sonho, além de representar várias mulheres, que elas precisam dessa representatividade. Eu estou aqui para mostrar a elas que sim, nós somos capazes de tudo”, completou.
Dos timbaus à corrida
Buja Ferreira, vocalista da Timbalada e cria do Tancredo Neves, também cruzou a linha de chegada, exausto e realizado. Com exclusividade ao MASSA!, compartilhou seu sentimento de fazer parte do evento.
“A corrida pra mim é uma terapia diária. Isso aqui é um recado para vocês, que em qualquer lugar pode praticar atividade física. Faz bem para sua alma, seu coração, sua mente. Pratique atividade física!”, destacou.

Corrida com inclusão
Com espaço para todas as pessoas, a corrida deu um show de inclusão. Os cadeirantes José Rocha e Luís Augusto deram aquele gás, principalmente nas ladeiras do trajeto, e completaram a prova com autoridade.

Eterno capoeirista e com o currículo de já ter ido a vários países, José falou de como a corrida foi importante em sua vida depois do acidente que o deixou paraplégico. “No Hospital Sara conheci o amigo Luiz. De lá para cá não parei mais. Sempre fazendo esporte adaptado. Nós dois aqui lideramos a maioria dos clubes de Salvador”, contou.
Democratização
Apesar de todo mundo gostar de andar trajado com o que se tem de mais moderno, a corrida vai além disso e pode ser praticada com o que se tem ao alcance. Pensando nisso, o idealizador da competição, André Maracajá, subprefeito dos bairros Cabula e Tancredo Neves, contou que surgiu o "1º Circuito de Favela a Favela".
Com Pernambués e Tancredo Neves inclusas na lista das 11 maiores favelas do Brasil, André afirmou que os locais da corrida não poderiam ser outros, levando a ideia para um lugar de "potência, bons sentimentos e ideias agregadoras".

O novo circuito De Favela a Favela aproxima o jovem da comunidade de um cenário que, normalmente, só acontece na orla ou em áreas turísticas da cidade. Esse movimento muda o parâmetro: leva o esporte para onde ele quase nunca chega, gera incentivo e mostra que a corrida também pertence aos territórios periféricos
André Maracajá, organizador da corrida
A democratização rolou, de fato, em parceria com as associações comunitárias. "Além disso, a organização está distribuindo kits para associações comunitárias que já desenvolvem trabalhos socioesportivos. Isso fortalece iniciativas locais e amplia o acesso, para que mais jovens possam participar e se enxergar dentro do esporte", completou.
*Sob supervisão do editor Jacson Brasil
