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Tinha até menor de idade! - 05/08/2025, 19:29 - Andrêzza Moura/Portal A Tarde

Trabalhadores denunciam exploração em obra de luxo em Guarajuba

Grupo de trabalhadores da construção civil denuncia descumprimento de lei trabalhista

Trabalhador mostra as mãos
Trabalhador mostra as mãos |  Foto: Shirley Stolze/AG. A Tarde

“Saí por causa das condições de trabalho, não tinha como ficar. Não estava aguentando mais”. O desabafo é de um adolescente, de 17 anos, que abandonou o emprego como ajudante de pedreiro em um condomínio no distrito de Guarajuba, em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador, após meses sem carteira assinada, sem equipamentos de proteção e submetido a jornadas exaustivas.

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Depois de quase seis meses tentando receber os direitos trabalhistas, o jovem e a mãe - que não terão os nomes revelados -, decidiram procurar o Grupo A TARDE para denunciar o caso, que foi registrado no Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA) como exploração do trabalho infantil. A situação expõe uma realidade ainda comum na construção civil: a presença de mão de obra jovem em condições precárias e à margem da legislação trabalhista.

Morador de Paripe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, o adolescente, que chamaremos de Fernando* para preservar sua identidade, relata que foi convidado por um vizinho para trabalhar na construção de casas no Condomínio Guarajuba Garden. A proposta incluía uma diária de R$ 94, uma cesta básica mensal e a promessa de carteira assinada, o que, segundo ele, nunca foi cumprida.

Imagem ilustrativa da imagem Trabalhadores denunciam exploração em obra de luxo em Guarajuba
Foto: Shirley Stolze/AG. A Tarde

Ciente de que sua idade poderia ser um impedimento legal, Fernando* conta que ainda assim aceitou a oferta, pois, na época, precisava sustentar a namorada e a filha recém-nascida, que veio ao mundo prematuramente. Ele permaneceu na obra por dois meses. Conforme ação trabalhista impetrada no MPT-BA, a obra é de responsabilidade da Associação Civil dos Moradores do Condomínio Guarajuba Garden e da Pithon Raynal Consultoria.

“Cheguei lá explicando que eu era de menor, mostrei minha identidade. Eles falaram que eu podia ficar”, contou o jovem. Logo nos primeiros dias, por causa da longa distância entre sua casa e o local da obra, ele e outros colegas optaram por dormir em um "alojamento" improvisado no próprio terreno da construção, com o intuito de economizar o pouco que ganhavam.

Segundo Fernando*, a jornada era das 7h às 17h, com uma hora de pausa para o almoço. “O trabalho era muito cansativo e a diária era baixa. A gente ainda tinha que gastar o dinheiro com comida, transporte, tudo era por nossa conta. Fora as condições de trabalho. No local tinha inseto, sapo... todo tipo de bicho no alojamento. Não era um lugar apropriado para gente”, afirmou, destacando que os contratantes permitiam que os trabalhadores passassem a noite no local.

A necessidade bate à porta

Questionada sobre o motivo de ter permitido que o filho fosse trabalhar na construção civil, a mãe de Fernando*, dona Maria*, nome também fictício, afirmou que não teve alternativa.

Foi por necessidade. Ele tinha uma filha de pouco mais de um mês, prematura. Precisava comprar leite, ajudar no aluguel... e ele queria trabalhar. Disseram que iam assinar a carteira dele, que era uma oportunidade. Mas, quando chegou lá, foi só promessa. Ele não aguentou. A cabeça dele ficou cheia de feridas por causa do sol forte. Ele voltava para casa aos sábados chorando de dor. Eu levava na UPA, comprava remédio para tratar as feridas, e no domingo ele só descansava. Na segunda de madrugada já tinha que sair de novo”, contou ela, com tristeza por não ter como oferecer ao filho melhores condições.

“Quando ele ligava chorando, dizendo que estava morrendo de dor lá, eu ficava em pânico aqui, sem saber o que fazer, porque não podia ajudar. Comprava remédio e mandava ele levar. Não tinha o que fazer. Ele precisava ficar por causa das necessidades dele, da casa, da esposa... tinha que sustentar a família”, finalizou a mãe.

A Lei e a Lista TIP

Embora as leis proíbam o trabalho infantil no Brasil, muitas crianças ainda são exploradas em setores perigosos como, por exemplo, a construção civil. É comum encontrar menores de idade exercendo funções que colocam em risco sua saúde, segurança e desenvolvimento, principalmente, em regiões periféricas e em obras informais.

Imagem ilustrativa da imagem Trabalhadores denunciam exploração em obra de luxo em Guarajuba
Foto: Shirley Stolze/AG. A Tarde

A construção civil aparece na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), como uma das atividades proibidas para menores de 18 anos. Isso ocorre porque envolve trabalho em altura e locais perigosos, como andaimes e escavações, exige esforço físico intenso, incompatível com o desenvolvimento de crianças, há risco constante de acidentes graves, como quedas, cortes e soterramentos e pode envolver exposição a poeiras, produtos químicos e ruído intenso.

Por esses fatores, a atividade de criança ou adolescente em obras de construção civil é ilegal, mesmo que em tarefas aparentemente simples como carregar baldes, varrer ou preparar massa. A Lista TIP foi criada pelo Decreto nº 6.481/2008, que regulamenta a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Essa lista é usada pelo Ministério do Trabalho, pelo Ministério Público, por órgãos de fiscalização e organizações sociais como referência para definir o que é considerado inadmissível no trabalho infantil. Além da construção civil, outras 92 atividades fazem parte da Lista TIP.

Outras denúncias

Fernando* não foi o único a conversar com a reportagem do Portal A TARDE. Outros quatro trabalhadores que se dizem lesados pelas contratantes. José Paulo*, 27 anos, que tem deficiência nas duas pernas, por causa uma paralisia na infância, também prestou serviço no Guarajuba Garden. Assim como o adolescente, ele também foi atraído pela mesma proposta.

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Foto: Shirley Stolze/AG. A Tarde

“Trabalhava como ajudante de pedreiro, entrava em buraco, subia na casa, fazia tudo. A gente ficava lá [dormia no alojamento] por causa do transporte [para economizar], que a gente não tinha como votar. Um dia tive uma crise de epilepsia, quase morro. Tenho problema de saúde, tomo remédio controlado e fiquei uns dias sem tomar”, relembrou o rapaz, que diz também ter deixado o trabalho sem nenhum direito.

A gente dormia em cima de uma tábua, sem colchão. Só levaram colchões depois que eu já tinha saído”, diz um dos trabalhadores da obra.

“O dono da obra é seu Pithon. Fiquei lá por um mês e pouco. Trabalhei sem fardamento, sem bota, sem nada. Cavando buraco. Disseram que iam assinar minha carteira, mas nunca assinaram. Me mandaram embora e, até hoje, não recebi nada, só as diárias. E, se for botar na ponta do lápis, a diária dava R$ 40, R$ 50, porque a gente ainda tinha que gastar com transporte, comida e até o gás eles cobravam da gente”, relatou outro jovem, que também trabalhou na construção do condomínio Guarajuba Garden.

Clóvis*, 48 anos, também trabalhou na obra por alguns meses. Ele contou à reportagem que aceitou a proposta de emprego com a promessa de receber R$ 154 por dia, carteira assinada e outros benefícios. No entanto, ao chegar ao local, sentiu-se enganado: o valor pago era de apenas R$ 94.

“Disseram que iam dar café da manhã, almoço, que ia ter tudo. Mas, quando chegamos lá, na primeira vez, deram só uma cesta básica. Depois disso, não deram mais nada. Nem transporte, nada. Tudo era por nossa conta. Falaram que iam melhorar o alojamento, que seria em outro lugar, mas não mudaram nada. A gente dormia lá porque não tinha como ir e voltar todo dia. Eles diziam que não era obrigado, mas, na prática, éramos forçados a ficar”, relatou.

Segundo ele, além de exercer uma função na construção das casas, também era responsável por preparar as refeições dos colegas. “No começo, eram 11 pessoas, depois passou para 13. Eu levantava às 5h da manhã para fazer o café, preparava o almoço, às 11h30, 11h40, esquentava a comida e preparava as carnes. Só ia almoçar por volta das 12h40, e, no máximo, tirava 20 minutos de descanso. Depois, voltava para o campo, porque também trabalhava na obra”, afirmou.

Outro trabalhador, seu Messias*, de 50 anos, permaneceu sete meses na mesma obra, como betoneiro. Durante esse período, conta que cobrou diversas vezes a assinatura da carteira e melhorias nas condições de trabalho, mas sempre foi ignorado.

“Fui contratado por Pithon, o engenheiro da obra. Ele e dona Rouze prometeram assinar minha carteira, mas nunca cumpriram. Diziam que era questão burocrática, que estavam resolvendo. Todo mês era a mesma coisa: ‘vamos assinar, vamos assinar’, mas nunca assinaram. E assim fiquei lá por sete meses”.

Messias* conta que era obrigado a dormir no "alojamento" por falta de condições financeiras. “Recebia R$ 94 por dia. Não dava para ir e voltar. Moro em Paripe, precisava pegar três ônibus para ir e três para voltar. Só de passagem, dava R$ 43 por dia. Fora os gastos com alimentação: R$ 20 de almoço, R$ 15 de café”, explicou.

Vinte dias após ser dispensado do trabalho, sem receber nenhum direito, Messias* precisou ser internado com pneumonia, doença que acredita ter sido causada pelas condições precárias do "alojamento". Segundo ele, o espaço era feito de madeirite, úmido, e ficava ao lado do local onde os sacos de cimento eram armazenados. Desde então, segue em tratamento, tomando diversos medicamentos.

“Acho que peguei essa doença braba lá. Até hoje não me sinto bem. Falei com minha esposa que estou com dor no ombro, com medo de a doença ter voltado. Tenho quase certeza de que essa pneumonia veio dali. Ainda não estou curado, estou lutando com isso”, lamentou.

O que diz a defesa de três trabalhadores

Tanto Clóvis*, quanto Messias* ingressaram com ações trabalhistas no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, na Vara do Trabalho de Camaçari. Segundo a defesa dos trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT/BA) abriu um procedimento preparatório para investigar a ocorrência de trabalho em condições análogas à escravidão.

“Já foi realizada uma audiência com a procuradora doutora Maria Manoela, que é a coordenadora regional de combate ao trabalho escravo aqui na Bahia”, informou a advogada, que também representa o adolescente.

As empresas denunciadas

Procurada pelo Portal A TARDE, a presidente da Associação Civil dos Moradores do Condomínio Guarajuba Garden, Rouze Meiry Pereira Lima, negou que tenha participação na contratação dos trabalhadores e, inclusive, afirmou que o grupo agiu de forma premeditada para incriminá-la e acusar a Pithon Raynal Consultoria, empresa contratada para a execução das obras.

"Eles forjaram um alojamento fantasma, colocaram camas para dizer que dormiam no lugar. Tipo assim: trabalho escravo. O que é um trabalho escravo? quando você obriga o funcionário a ficar lá [na obra] você não dá o transporte, não dá nada, né? Então, os funcionários tinham dinheiro na conta para transporte, para alimentação, para tudo. Mas, aí um deles foi demitido e procurou uma advogada", explicou a presidente.

Apesar de afirmar que os trabalhadores tinham dinheiro na conta para arcar com as despesas diárias no local de trabalho, Rouze disse que a não assinatura nas carteiras de trabalho não eram de sua responsabilidade.

"Olha bem, isso aí não é um problema de jornal. Isso aí é um problema de quem administra, do responsável pela obra, no caso, a empresa Pithon Raynal. Eu sou a presidente da associação. Eu me responsabilizo pela associação. Agora, a gerência dos funcionários, que assina carteiras, isso aí é com a empresa chamada Pithon Raynal, que é uma contratada nossa", conclui a presidente, revelando já ter participado de duas audiências na justiça.

A reportagem também procurou os representantes da Pithon Raynal Consultoria. Na ocasião, o engenheiro Henrique Pithon Raynal, um dos sócios da empresa, afirmou não ter nada a declarar. "A gente não tem o que falar, não".

O MPT

A assessoria de comunicação do Ministério Público do Trabalho (MPT) confirmou que tramita no órgão uma ação de trabalho infantil contra a Associação Civil dos Moradores do Condomínio Guarajuba Garden e a Pithon Raynal Consultoria.

"Trata-se de situação de trabalho envolvendo adolescente, pessoa vulnerável sobre quem não se deve revelar qualquer dado. Há uma ação judicial movida na Justiça do Trabalho em nome do adolescente, representada por uma advogada. Por envolver pessoa vulnerável, o MPT tem o dever de acompanhar o processo".

Já com relação ao trabalho análogo à escravidão, a assessoria afirmou que, até o momento, não existe nenhuma ação em andamento. "Esse é outro processo judicial, em curso na 4ª vara do Trabalho de Camaçari. Ação individual. Não é uma denúncia ao MPT e não há, neste caso, pedido para que o MPT acompanhe o caso", concluiu.

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