
Celebrado em 25 de julho, o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é uma data de resistência, memória e visibilidade. No Brasil, também marca o Dia Nacional de Tereza de Benguela, mulher negra que liderou o Quilombo do Quariterê no século XVIII.
A data surgiu em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, na República Dominicana, e se tornou um marco para refletir sobre o racismo, o machismo e as desigualdades enfrentadas por milhões de mulheres no continente.
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Em Salvador, esse protagonismo pulsa forte no tambor. E uma das mulheres que carrega esse legado com orgulho e compromisso é Adriana Portela, maestrina da Didá Banda Feminina. À frente da associação educativa e cultural criada por Neguinho do Samba, Adriana faz história ao comandar a primeira banda formada exclusivamente por mulheres a tocar samba-reggae no mundo.
“Eu sou muito grata, eternamente grata, porque um homem percebeu que as mulheres tinham talento para tocar o tambor, que era um instrumento estereotipado como masculino. O Neguinho do Samba, como um homem visionário, viu isso”, lembra. “A Didá veio quebrando esse paradigma e causou rebuliço em Salvador. Temos a honra de sermos pioneiras, e eu também me sinto honrada em estar nesse front”, disse.

Com mais de 30 anos de trajetória, a Didá não é apenas música: é quartel-general da força feminina. “Aqui tem meninas da minha geração, da geração depois da minha, tem crianças que se espelham no nosso fazer. Nosso compromisso é fazer com que elas também se tornem referências para outras que virão”.
Adriana conta que se percebeu como mulher negra ainda na juventude. Filha de uma mulher forte e guerreira, encontrou no incentivo da mãe a base para desafiar o mundo. “Ela dizia: vá, faça. Ela não dizia que eu não podia por ser preta. Eu fui dançar no Olodum, fui mulher Olodum em 92, mas quando vi os meninos tocando tambor, eu quis aprender também. Não queria só dançar. Eu queria tocar, e não enxergava os obstáculos e impedimentos para uma mulher negra naquela época, que era difícil”, contou. “Mas foi só quando eu entrei no IFBA, para fazer um curso técnico, que eu entendi as questões do meu gênero e da minha cor, porque ali encontrei pessoas iguais a mim, militantes, que questionavam, protestavam. Aí me percebi como parte daquilo”.
Espelho para muitas mulheres
A verdade é que o caminho não foi fácil. Adriana enfrentou machismo, inclusive dentro do próprio movimento cultural. “A gente sofreu. Vários lugares que a gente levava os tambores perguntavam: ‘os meninos vão chegar para tocar?’. E a gente dizia: ‘nós vamos tocar’. Quando tocávamos, as mulheres diziam: ‘me perdoe, eu não sabia que nós éramos capazes’. Já se sentiam pertencentes”.
Adriana carrega o reconhecimento com humildade. Ao viajar para outros países, é reverenciada. “Tem gente que diz que eu sou a Beyoncé do samba-reggae. Eu fico sem jeito, mas agradecida. Porque eu faço com amor. Pedi a Deus uma profissão com propósito e ele me deu”, disse, agradecida.

Hoje, aos olhos das jovens da Didá, ela se vê como referência. E entende que esse papel é responsabilidade. “Me sinto obrigada todos os dias a fazer isso. Fortalecer esse movimento de empoderamento feminino. Porque o sistema faz com que muitas mulheres negras acreditem que não podem pertencer a certos lugares. E nós mostramos que podemos, que somos, que fazemos e que também transformamos”.
Para ela, a existência do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é essencial. “É merecido. A mulher branca pobre também sofre, mas se chegarmos eu e uma mulher branca, na mesma condição, ela ainda terá mais oportunidade. Por isso esse recorte é importante. Não é cota, é reconhecimento”.