
No início do século 20, em uma sociedade marcada pelo racismo e pelo machismo, Maria Odília Teixeira (1884 – 1937) ousou romper barreiras. Tornou-se a primeira mulher negra a se formar em Medicina em uma faculdade brasileira e a primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia. Sua trajetória é símbolo de resistência e inspiração para as gerações que, hoje, seguem pesquisando, ensinando e transformando realidades por meio da ciência.
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Mais de um século depois, o legado de Maria Odília segue ecoando nos laboratórios, universidades e centros de pesquisa espalhados pela Bahia – um estado onde 82% da sua população se autodeclara preta ou parda, segundo o Censo 2022. É a região mais negra fora do continente africano. No Brasil, esse percentual chega a 56 %, o que representa mais de 120 milhões de pessoas, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A influência da população afrodescendente na cultura brasileira é amplamente reconhecida. Essa força também pulsa na ciência. São cientistas que, muitas vezes, romperam barreiras históricas para ocupar espaços antes inacessíveis e que hoje contribuem para o desenvolvimento científico, tecnológico e social do estado.
Na Bahia atual, pesquisadores e pesquisadoras têm se destacado em diferentes áreas: da saúde e educação à inovação e tecnologia. Entre suas conquistas, estão projetos que buscam soluções para realidades locais, iniciativas de inclusão científica e pesquisas que enfrentam desigualdades estruturais – algumas dessas apoiadas por editais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), órgão vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti).

Trajetórias inspiradoras
Apesar dos avanços, o caminho ainda é desafiador. Muitos relatam a necessidade constante de reafirmar suas competências em ambientes acadêmicos marcados por desigualdade raciais, ao mesmo tempo que encontram na representatividade e na coletividade a força para seguir produzindo conhecimento e inspirando novas gerações.
Entre os nomes que simbolizam essa presença estão Jaqueline Góes de Jesus, biomédica baiana que ganhou notoriedade por liderar a equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2 no Brasil, em tempo recorde, logo no início da pandemia; Bárbara Carine Soares Pinheiro, professora de química da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ativista pela representatividade negra na ciência, sendo a primeira de sua família a ingressar na universidade e a conquistar um título de doutora; Edna Maria de Araújo, enfermeira e professora doutora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), que dedica a sua vida a pesquisar e cuidar de populações vulneráveis, com foco em doenças que atingem principalmente a população afrodescendente, como a doença falciforme.
Outro nome de destaque é Marilda de Souza Gonçalves, primeira mulher a dirigir a Fiocruz Bahia, onde atuou como diretora do Instituto Gonçalo Muniz. Referência nacional na pesquisa em saúde pública e doenças genéticas, Marilda tem estudos sobre doenças falciformes, hemoglobina fetal, anemias, leucemias e saúde materno-fetal. Também contribuiu para a implementação do teste do pezinho nas maternidades brasileiras. Professora titular da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, ela tem buscado fortalecer a presença de mulheres negras na ciência.

“Minha trajetória, como mulher negra na academia, é marcada por muita resistência”, ressalta Marilda, também membro titular da Academia de Ciências da Bahia. “Os enfrentamentos estão aí para serem vencidos, e sigo firme nesse caminho. Neste mês de luta pelos direitos da população negra, considero fundamental que trajetórias de sucesso se multipliquem, que ações de reparação por anos de escravidão sejam colocadas em prática de forma efetiva e coerente com a realidade de um país em que a maior parte da população é negra.”
Essas trajetórias se somam à de Milton Santos (1926 – 2001), geógrafo negro, baiano nascido em Macaúbas, cuja obra ultrapassou fronteiras. Único latino-americano a receber o Prêmio Vautrin Lud, considerado o “Nobel da Geografia”, Milton Santos tornou-se referência mundial ao discutir o espaço geográfico, os processos de urbanização e os impactos da globalização. Sua produção intelectual segue inspirando pesquisadores e reafirmando a importância da perspectiva negra e periférica no pensamento científico.
É a partir dessas referências, de ontem e de hoje, que uma nova geração de cientistas afrodescendentes na Bahia continua a expandir fronteiras e desafiar estereótipos. Suas trajetórias mostram que a ciência é também um espaço de luta, de pertencimento e de transformação social.

O professor e pesquisador baiano, de Feira de Santana, Djanilson Barbosa dos Santos, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), que recebeu apoio da Fapesb para desenvolvimento dos seus estudos, compartilha esse sentimento. Ele atua em duas linhas de pesquisa: a epidemiologia da saúde materno-infantil, através da Coorte de Gestantes NISAMI, e a farmacoepidemiologia perinatal, voltada ao estudo da segurança e efetividade de medicamentos em gestantes e crianças.
“São muitos os desafios enfrentados diariamente, como a invisibilidade, o racismo estrutural e a falta de valorização e reconhecimento do nosso trabalho”, detalha. “As dificuldades são grandes, mas a vontade de vencer é maior. Vão dizer que você não é capaz, que você não consegue, mas você é capaz, sim. Não é fácil. Para nós, tudo é mais difícil, são muitas as barreiras. É isso ser um pesquisador negro no Brasil. Mas não desisti. Nós podemos, e conseguimos!”.
Para o diretor-geral da Fapesb, Handerson Leite, reconhecer e valorizar essa representatividade é essencial para o fortalecimento da ciência e da inovação na Bahia. “A presença e a contribuição de pesquisadores e pesquisadoras negras são fundamentais para o avanço da ciência na Bahia e no Brasil”, afirma.
“Quando valorizamos essa diversidade, ampliamos as perspectivas, fortalecemos a inovação e construímos uma ciência justa e representativa. Na Fapesb, temos o compromisso de apoiar e reconhecer esses talentos, porque acreditamos que a pesquisa deve refletir a pluralidade do nosso povo e transformar realidade com equidade e inclusão.”
O secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia, o professor doutor Marcius Gomes, reforça a intencionalidade do governo Jerônimo Rodrigues na execução de políticas públicas que assegurem e valorizem a presença de pesquisadoras e pesquisadores afrodescendentes na ciência baiana. “Temos um direcionamento muito claro de trabalhar para apoiar, estimular e garantir que todos os espaços sejam ocupados por nossa gente”, destaca. “Neste novembro, reafirmamos o compromisso com ações de fomento à pesquisa, como as promovidas pela nossa Fundação de Amparo, que vem lançando editais específicos para apoiar a população afrodescendente em diversas áreas, como saúde, inovação, empreendedorismo.”
Prêmio Bahia Faz Ciência reconhece trabalhos jornalísticos
Estão abertas as inscrições para o 1º Prêmio Bahia Faz Ciência de Jornalismo. A iniciativa, do Governo do Estado, por meio da Fapesb e da Secti, em parceria com a Associação Bahiana de Imprensa (ABI), vai reconhecer reportagens produzidas e publicadas em veículos de comunicação locais que abordem temas ligados à ciência, à tecnologia e à inovação desenvolvidas no estado.
O prêmio está dividido em cinco categorias: texto impresso ou digital, vídeo, áudio, fotojornalismo e jornalismo universitário. Podem participar jornalistas e radialistas com registro profissional. No caso do jornalismo universitário, serão aceitos trabalhos de estudantes a partir do 4º semestre, matriculados em instituições de ensino superior reconhecidas pelo MEC e situadas na Bahia.
Segundo o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia, Marcius Gomes, o prêmio visa a incentivar a divulgação científica, como forma de desmistificar a ciência entre a população, principalmente entre os mais jovens. “Trabalhamos com ações de popularização que mostram que a ciência está presente no dia a dia das pessoas”, afirma. “Cada avanço que melhora a vida das pessoas ajuda a aproximar a sociedade da ciência, sobretudo a juventude, que, através do exemplo, passa a perceber que a carreira científica não é uma exclusividade reservada a uma parcela da sociedade”.
Uma das ferramentas para popularizar a ciência, afirma o diretor-geral da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (Fapesb), Handerson Leite, está na comunicação. “Traduzir descobertas complexas em histórias compreensíveis e úteis é um dos grandes desafios e contribuições dos profissionais da imprensa”, avalia. “Por meio de reportagens, entrevistas e narrativas humanas, o jornalismo ajuda a mostrar que a ciência é parte de um esforço coletivo de pessoas dedicadas na busca de soluções para problemas reais.”
Ao todo, serão premiados os três melhores trabalhos em cada categoria, somando um investimento de R$ 97 mil. Os vencedores das categorias profissionais receberão R$ 10 mil cada. O edital completo está disponível no site da Fapesb, na aba Editais, e as inscrições seguem abertas até 12 de dezembro.
