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Sinal de perigo - 07/04/2025, 09:00 - Jaísa de Almeida* - Atualizado em 07/04/2025, 11:08

Gestos de Libras, julgados por facções criminosas, ameaçam surdos

Disputa entre facções coloca em risco a comunidade, gera medo e restrições na comunicação

Gestos são confundidos com sinais de facções
Gestos são confundidos com sinais de facções |  Foto: Ilustrativa/Reprodução/Pixabay

A guerra entre facções criminosas gerou novas formas de violência e medo em Salvador, assim como no restante do Brasil. Um dos efeitos inesperados dessa disputa afetou a comunidade surda, que utiliza a Libras - a Língua Brasileira de Sinais - para se comunicar. Gestos simples, usados diariamente pelo público, são confundidos com sinais das associações rivais, o que coloca quem faz essas sinalizações em risco de represálias.

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Membros da comunidade surda relatam que o temor não é exagero. Por meio de uma intérprete, José Silva** afirma que até mesmo uma conversa corriqueira pode se tornar um risco. “A Libras é um meio oficial de comunicação, e saber que a gente corre perigo apenas por sinalizar é assustador. Infelizmente, já houve casos de mortes ligadas a essa confusão”, desabafa.

O medo tem feito com que surdos evitem certos sinais, principalmente em áreas dominadas pelo crime. O problema está no fato de que alguns gestos comuns da Libras são parecidos com os sinais usados por facções criminosas. Um exemplo é o famoso “I Love You”, conhecido mundialmente como expressão de afeto, mas que em alguns contextos tem sido interpretado como um código de facções.

Sinal de I Love You em Libras
Sinal de I Love You em Libras | Foto: Divulgação/Feneis

Outros sinais, como o de "paz e amor", hang loose, número três e até "joinha", também já causaram confusões. Para evitar mal-entendidos, muitos surdos recorrem à datilologia – que é a soletração de palavras com os dedos – como alternativa mais segura: "Em locais perigosos, muitos surdos têm evitado certos sinais e preferido soletrar palavras para evitar confusão”, revela José**.

Sinais em libras
Sinais em libras | Foto: Arquivo pessoal

Aperto de mente

Um caso que chocou a comunidade foi o das irmãs Rayane e Rithiele Alves, ocorrido em setembro de 2024, em Porto Esperidião, no Mato Grosso. As duas postaram uma foto em uma festa, com o gesto de “I Love You”, comum entre pessoas com deficiência auditiva. Na ocasião, elas acabaram brutalmente assassinadas.

Rithiele e Rayane, respectivamente
Rithiele e Rayane, respectivamente | Foto: Reprodução/ Redes sociais

Segundo as investigações, o crime teve ordem de um líder do Comando Vermelho (CV), que interpretou o gesto como um sinal de uma facção rival. A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) rebateu a ideia de que o símbolo “I Love You” teria alguma ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e afirmou que essa interpretação equivocada prejudica a imagem da Libras.

“O sinal ‘I Love You’ é um patrimônio linguístico e cultural da comunidade surda no mundo. É uma expressão de carinho e afeto, reconhecida globalmente”, informa a entidade. Além disso, também pontuou que é "inaceitável que um gesto tão simples e universal seja distorcido com fins criminosos, principalmente por quem não entende a língua dos sinais".

Se ligue em trecho do pronunciamento:

A entidade negou que o sinal   “I Love You” teria alguma ligação com o PCC
A entidade negou que o sinal “I Love You” teria alguma ligação com o PCC | Foto: Divulgação/Feneis

Ainda em outubro do ano passado, os irmãos Gustavo e Daniel Natividade, percussionistas do bloco afro Malê Debalê, foram mortos a tiros no Emissário de Arembepe, em Camaçari. Antes do crime, os 'brothers' postaram uma foto exibindo um gesto com três dedos levantados, símbolo que a facção Bonde do Maluco (BDM) usa para se identificar. Por isso, supostamente, 'traficas' do CV na região teriam interpretado a imagem como uma provocação.

Foto tirada momentos antes do assassinato
Foto tirada momentos antes do assassinato | Foto: Reprodução / Redes Sociais

A suspeita é de que os criminosos teriam visto a foto circulando na internet e ido até o local para "acertar as contas", iniciando o ataque e acertando os irmãos. No entanto, na época, as forças policiais não confirmaram a versão.

O problema também atinge os intérpretes, que agora precisam se preocupar com a forma como fazem os sinais em determinados lugares. “Como profissional da área, também podemos ser abordados e confundidos enquanto sinalizamos. Minha orientação é que tomem cuidado, fiquem atentos e evitem principalmente registros de fotos com sinais que são semelhantes aos usados pelas facções. Ao entrar em locais suspeitos, é importante se identificar como pessoa surda e ter muita cautela ao sinalizar”, recomenda a intérprete, que preferiu não se identificar.


**José Silva é um nome fictício, utilizado para preservar a identidade do entrevistado
*Sob a supervisão do editor Pedro Moraes

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