
A história é inusitada. O delegado Thiago Costa, titular da delegacia de Defesa ao Consumidor (Decon), em Salvador, se recuperava de um tratamento de saúde e mal teve tempo de reorganizar a mesa quando a notícia chegou: ele estava, há um bom tempo, praticando compras de videogames, caixas de som, bicicletas e televisores em sites de venda pela internet. Só havia um problema nessa história: ele nunca fez nenhuma dessas aquisições.
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Na verdade, quem fazia era um homem identificado como Edson Júnior, de 26 anos, que se passava por um tal de “Lucas Sena”, um personagem criado com o rosto do próprio delegado — retirado de redes sociais, em poses sérias, dignas da autoridade que o nome emprestava.

As investigações, que fizeram parte da operação Tranca, revelaram que Lucas, ou melhor, Edson, aparecia nos aplicativos e sites de venda como um comprador educado, sensível e, em algumas situações, até fragilizado por questões de saúde.
No papo mole, ele fazia parecer que precisava do produto com certa urgência — itens como um PlayStation, um televisor, uma bicicleta — e convencia a vítima a entregar o item a um motorista de aplicativo. O pagamento? Um comprovante de PIX enviado pelo celular, daqueles com todos os dados certinhos... menos o dinheiro na conta.
Como funcionava o golpe?
“Ele dizia que queria agilizar a compra e até mencionava um problema de saúde — se passando por mim — para comover a pessoa”, conta o delegado. “Na hora da entrega, ele dizia que não poderia ir pessoalmente, argumentava alguma história e mandava um motorista de aplicativo, possivelmente laranja. A vítima entregava o produto e achava que estava tudo certo", disse.
Mas o dinheiro nunca chegava. E o golpe se repetia, em diferentes cidades como Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e São Sebastião do Passé, com dezenas de vítimas.
“É um estelionatário fino. Não aparecia pra ninguém. Nem para vítima, nem para quem comprava depois o produto. Usava os motoristas como laranjas e, em seguida, repassava a mercadoria para outra pessoa — o receptador. Ele ficava com uma porcentagem do valor e depois sumia”, completou.
Golpista fez muitas vítimas
A estimativa é de que mais de 90 pessoas tenham sido enganadas e o prejuízo total pode ultrapassar os R$ 90 mil. De acordo com o delegado Thiago Costa, o delegado fake já respondia por tentativa de feminicídio e tráfico de drogas, e estava foragido desde maio de 2024, quando saiu temporariamente e não retornou ao Conjunto Penal de Valença,
Foi com a ajuda de uma denúncia anônima que a equipe chegou até ele em Dias D’Ávila, onde morava com a companheira e um filho pequeno. “Quando a gente chegou na casa, ele me chamou pelo nome. E, durante o interrogatório, até perguntou como foi que eu consegui achar ele”, contou.
“Não adianta confiar só em foto de perfil e história triste. O golpe está onde você menos espera. Não entregue nada antes de confirmar se o dinheiro caiu na conta. Ligue pro gerente, verifique o extrato. Não é só olhar o comprovante no WhatsApp, principalmente se a transação é feita com alguém desconhecido”, alertou Thiago.
Mais pessoas podem ter sido lesadas
“Se você mora em Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus, São Sebastião do Passé ou qualquer cidade do interior e foi enganado pelo ‘Lucas Sena’, procure a Delegacia de Defesa do Consumidor, em Salvador. Vamos incluir esses casos no inquérito”, orientou sobre quem foi vítima do estelionatário.
Apesar da trama parecer saída de um roteiro de série, é tudo real. E, como lembra o delegado, “ele é um cara que aprendeu a fazer isso com outro preso, que ele chamou de ‘hack’. É um golpe com método, com estudo, com roteiro. Mas a conta chega.” E dessa vez, a conta chegou.