O crescimento das plataformas de transporte por aplicativo no Brasil é considerável nos últimos anos, tendo empresas como a Uber, mais conhecida do meio, sendo utilizada por 125 milhões de brasileiros entre 2014 e 2024, com 11 bilhões de viagens realizadas no período. Como este serviço se tornou algo diário na vida da população do país, passou também a ser impactado pelos gargalos presentes na sociedade, principalmente questões envolvendo segurança pública.
Leia mais:
"Estamos cansados", dispara vereador sobre violência contra 'motôs'
Líder de protesto dos motoristas por app detalha reunião com a SSP
Na Bahia, já são conhecidos casos de violência. A motorista Lilian Borges foi esfaqueada por um passageiro em abril de 2024. Já Marcos Luis Silva Alves morreu durante um assalto no mês seguinte. O mais recente episódio envolveu Luan Felipe de Araújo Cruz, que prestou queixa contra a médica Fedra Emanuela Aquino após ser agredido durante uma corrida no Horto Florestal, em Salvador, no dia 26 de dezembro.
Com o cenário preocupante, o Portal MASSA! trocou ideia com alguns condutores para entender como é a correria diária deles, o que fazem como prevenção dos perrengues da rotina, seja com passageiros ou com criminosos.
Corridas gravadas
Com o ‘GPS’ ligado todos os dias nas ruas de Salvador desde 2019, Pedro Coelho deu a ideia sobre os hábitos pessoais para se prevenir de possíveis perigos. Além de evitar qualquer tipo de discussão com passageiros exaltados, o motorista também costuma gravar corridas.
"Evito qualquer tipo de desconforto com passageiro, não sei quem estou lidando no carona. Se for possível a solicitação do passageiro, eu faço sem discutir, mesmo contrariado. Gravo os áudios das corridas, mas caso seja necessário eu ativo a gravação pela câmera e aviso o passageiro", detalha o ‘motô’ de 28 anos.
"Eu sempre tento pegar o próprio solicitante [da corrida]. Se eu perceber que a corrida é para um terceiro, normalmente não faço. Eu só gosto de fazer as corridas que são solicitadas pelo próprio usuário dono da conta. Sempre faço uma análise do ambiente, vejo se a corrida faz sentido. Por exemplo, teve um rapaz que acabou assassinado quando pegou uma corrida no Imbuí e o destino era o Shopping Paralela às 2h da manhã, não faz sentido. Quando estou trabalhando de madrugada evito pegar mais de um. Se eu chegar no local e ver que é um grupo, cancelo", explica.
Após um período trabalhando na cidade inteira, Pedro ressalta que deixou de rodar na capital baiana por questões de segurança. "Hoje em dia eu rodo mais Região Metropolitana, Estrada do Coco, Linha Verde, para mim é mais confortável. Não tinha um local em específico, ia da Palestina até o extremo oposto, entrava em todos os bairros, entrava em todos os lugares", pontua.
Segundo o motorista, o risco de entrar em locais dominados pelo crime organizado passou a preocupar, o que fez ele mudar de estratégia: "Nos últimos dois, três anos pra cá, que começou essa coisa de confrontos constantes do tráfico, eu restringi bastante", afirma.
Pedro integra o grupo de motoristas encabeçado por Vick Passos, o diretor da Cooperativa Mista de Motorista e Mototaxistas por Aplicativo do Estado da Bahia (Coopmmapba). Apesar de nunca ter batido de frente com o azar, ele conhece diversos casos de colegas que foram vítimas de um esquema de assaltos no meio do trabalho.
"Eu tenho amigos que já foram assaltados algumas vezes em corridas pelo aplicativo. Chamaram corridas da 99 e Uber no Curuzu, no Stiep, Imbuí e o outro na Boca do Rio. Todos esses esquemas, chegam, pedem a corrida, entram no carro e anunciam", cita.
Além da própria prevenção contra a violência, segundo ele, o suporte dos aplicativos para os motoristas deixava muito a desejar. "Cobrar da plataforma é algo impossível, muito difícil você conseguir conversar. O relacionamento entre empresa e motorista... É tipo muito impossível. Você nunca tem respostas, não muda nada, eles mandam do jeito que eles querem", lamenta.
Localidades especiais
Milena de Jesus, que também é motorista por aplicativo há quatro anos, contou à reportagem como tenta se blindar da insegurança. Ela passou a só aceitar corridas no cartão, isso para poder ter mais registros das transações de cada viagem: "Tirei a opção dinheiro".
Ela afirma que presta atenção nas avaliações de cada passageiro, além de não fazer corridas para usuários muito recentes. "Outra coisa é evitar alguns lugares, Suburbana, por exemplo, não costumo ir. Eu sempre estou verificando a pontuação e quantidade de corridas que o passageiro já pediu, no aplicativo tem uma pontuação que nós motoristas também atribuímos ao passageiro", destaca.
Apesar de se prevenir bem, a motorista revelou que já passou por situações desconfortáveis. Assim como Pedro, ela também costuma gravar corridas por precaução, mas esse hábito já deixou um passageiro furioso.
"O passageiro entrou no meu carro, percebeu a câmera e disse que não queria ser filmado. Insistiu para que eu desligasse a câmera e eu não desliguei. Ele disse que não estava autorizando a gravação da imagem dele", conta.
Milena tentou explicar que era apenas um método de segurança, mas o homem, segundo ela, resistiu e cobrou dela durante toda a viagem. A motorista chegou a entrar em contato com o aplicativo responsável pela corrida para relatar o caso, mas não obteve avanços.
"Eu comuniquei ao aplicativo que o passageiro tentou me coagir, só que a Uber não me deu nenhum suporte. Perguntou se estava bem pelo aplicativo e disse que entraria em contato comigo em até 24 horas para saber mais detalhes, isso já faz dois meses e nada. Infelizmente, 99 e Uber não dão nenhuma segurança, nenhum suporte. Me senti coagida, insegura, mas não me deram retorno", lamenta.
O estopim para Milena aconteceu no bairro Santa Cruz, quando esteve muito perto do perigo ao presenciar um crime. "Um dia de domingo, 20h, não era tão tarde. Meu carro tem câmera, e, por incrível que pareça, gravou uns caras matando um outro. Entrei em pânico, só sabia chorar, nunca tinha visto alguém matar assim", menciona.
Plataformas
O Portal MASSA! entrou em contato com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa plataformas como Uber e 99Pop, citadas pelos motoristas entrevistados. Em nota, a Amobitec disse que as empresas tratam como "prioridade" a segurança dos motoristas parceiros.
Além disso, a associação ressalta os investimentos que são feitos para "buscar cada vez mais proteção nas milhões de viagens que ocorrem diariamente", trazendo exemplos de algumas "ferramentas" utilizadas para essa prevenção. Leia abaixo a nota na íntegra:
"As empresas associadas à Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) ressaltam que a segurança de motoristas parceiros e usuários é uma prioridade em suas operações. Nesse sentido, as plataformas investem e trabalham continuamente para buscar cada vez mais proteção nas milhões de viagens que ocorrem diariamente por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada corrida, como compartilhamentos de localização com contatos de segurança e gravação de áudio.
As empresas estão em diálogo constante com o Poder Público, de forma transparente e colaborativa, colocando-se à disposição para contribuir com iniciativas que busquem avanços na segurança para os motoristas dos aplicativos e usuários. Entre essas iniciativas, está a integração das plataformas com o sistema 190 de alguns Estados, que permite ao motorista acionar uma ferramenta de emergência que envia os dados da viagem em tempo real para as centrais de atendimento da Polícia Militar".
Procuradas individualmente, a Uber frisou que é necessário "entender a relação da empresa com os casos que serão apresentados", enquanto a 99 Pop ainda não se pronunciou, até a publicação desta matéria, através dos canais de comunicação encontrados pelo Portal MASSA!. Todavia, o espaço segue aberto para manifestações.
SSP
A reportagem também procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), em busca de entender as estratégias aplicadas para coibir ações criminosas contra motoristas por aplicativos. Em nota, o órgão afirma que "o diálogo é constante com a categoria", além de se colocar à disposição das plataformas para ações de segurança integradas. Veja abaixo o comunicado na íntegra:
"A Secretaria da Segurança Pública ressalta que o diálogo é constante com a categoria, coletando informações dos locais com maior número de ocorrências, intensificando de imediato o patrulhamento ostensivo através da Polícia Militar, além do trabalho de inteligência da Polícia Civil para localizar e prender criminosos. Destaca ainda que se coloca à disposição das plataformas para integração de equipamentos tecnológicos, com o Centro de Operações e Inteligência (COI)".