Coroada como a dona do maior Carnaval de trio elétrico do planeta pelo Guinness Book, a folia de Salvador também é palco para que realezas femininas contem suas histórias e empoderem outras pessoas. Entre rainhas, princesas e deusas, essas mulheres levam representatividade e alegria para o povo, e suas tarefas e missões não acabam na Quarta-feira de Cinzas.
Neste 8 de março, o MASSA! conversou com algumas das mulheres que incentivam e inspiram milhares de pessoas com carisma, elegância, inteligência, beleza, resistência, arte e muita cultura, seja sob os holofotes dos palcos ou nos bastidores da vida, 365 dias por ano, com ou sem festa.
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Rainha do Carnaval
Escolhida como a Rainha do Carnaval de Salvador em 2025, a jovem Crislayne Silva, mais conhecida como Cryz, tem 27 anos, é da cidade de Ipirá, localizada a cerca de 210 km da capital baiana, e carrega na bagagem o desejo de fortalecer a autoestima de outras meninas do interior do estado.
“Eu sou do interior e quero também trazer mais oportunidades, abrir portas para as minhas meninas, para que elas consigam entender que independente de onde a gente vem, a gente consegue alcançar os nossos sonhos”, disse ela em uma postagem nas redes sociais.
Trabalhadora e esforçada, ela já fez serviços como babá, manicure, camelô, vendedora e panfletista, mas há cinco anos ganha a vida na internet como influencer digital. Com quase 50 mil seguidores no Instagram, Crys compartilha a rotina e mensagens motivacionais para o público que acompanha os conteúdos dela e tem o marco de ser a primeira blogueira preta de Ipirá a estampar um outdoor.
Com propósitos especiais, a Rainha do Carnaval revelou algumas curiosidades sobre a sua vida pessoal. Ela contou que é apaixonada por crianças e tem um projeto social chamado ‘Faça Sorrir’, voltado para o público infantil.
Ela quer aproveitar a oportunidade que teve para encontrar mais voluntários para estenderem as mãos para ajudar a iniciativa: “Eu não tive muito apoio financeiro antes, mas acho que agora com essa visibilidade eu vou conseguir colocar esse meu projeto com força total. Eu quero que criança seja criança, viva como criança".
Além disso, surgiu o desejo no coração dela de criar um concurso ou alguma ação voltada para o empoderamento estético da população negra em sua terra natal, pois, segundo Crys, essa ainda é uma lacuna a ser preenchida na região.
"O reinado não acabou, eu ainda tenho mais um ano para trabalhar em cima disso e acho que uma vez rainha, você sempre será rainha, mas eu quero muito focar esse ano para agregar de alguma forma. Não é só pela coroa ou pela faixa, é realmente sobre representatividade. Eu não estou aqui só por mim, estou pelas mulheres que sonham também, pelas crianças que querem conquistar coisas que acham impossíveis", disse ela, esperançosa.
1ª Princesa do Carnaval
Nascida e criada em Feira de Santana, Wlady Lacerda, de 28 anos, é bailarina profissional, dá aulas de balé clássico para crianças e adultos e também atua como diretora artística de alguns concursos de beleza na Bahia.
Em 2023, ela decidiu sair dos bastidores das competições estéticas e se inscreveu para Rainha da Micareta de Feira, ganhando o título com honra. Dois anos depois, com muito esforço, dedicação e treinos intensos, ela se preparou para a disputa pela coroa de Rainha do Carnaval e conseguiu chegar ao pódio, ganhando o título de 1ª Princesa do Carnaval 2025.
Para Wlady, esta conquista é uma forma de inspirar outras meninas e mulheres a acreditarem em si mesmas e no poder da arte. “Estar no Rainha do Carnaval é um verdadeiro sonho, porque o meu trabalho é construído desde a minha infância, da minha adolescência, e estar nesse lugar hoje é muito gratificante e importante para mim. Eu sou uma pessoa que ama a arte, que vive da arte, e que passa a arte para outras pessoas, para outras crianças, através do balé clássico, e eu reproduzo também essa inspiração em algumas meninas”, declarou.
Apesar da alegria em ter conseguido alcançar esse sonho, a bailarina lamentou os ataques que sofreu nas redes sociais por ser branca. Quando o resultado do concurso foi anunciado, ela recebeu comentários ofensivos e acusações de que ela não estaria apta para representar as mulheres baianas.
“Eu sou baiana, eu sou de Feira de Santana, e eu acredito que eu represento, sim, a Bahia, as mulheres, independente da cor de pele, de raça. A gente representa, cada uma com seu diferencial, cada uma com seu jeito! Eu estou aqui porque eu também mereci estar nesse lugar, eu estudei, eu me dediquei, eu tenho as minhas lutas também e os meus méritos”, rebateu.
Algumas curiosidades sobre Wlady Lacerda é que ela começou a fazer balé em um projeto social, estudou a vida inteira em escola pública, já foi dançarina do Faustão entre os anos de 2017 e 2021 e participou do clipe musical de ‘Algodão Doce’, música dos cantores Vinny Nogueira e Igor Kannário.
“Eu tive o convite do Vinny Nogueira e Igor Kannário para participar desse projeto, porque era algo que eles queriam representar a arte, que é um diferencial, e eles trouxeram o balé clássico, então, é muito gratificante poder trazer a dança para essas pessoas, pois o balé já foi muito indisponível para algumas pessoas. Eu sou de projeto social, eu fui de uma ONG que tinha o apoio do Criança Esperança e foi lá que me descobriram”, contou ela ao MASSA!.
Assista:
“Eu só precisava de uma oportunidade e a oportunidade que eu tive foi entrar no projeto social. O que quero mostrar é que todos devem ter oportunidade, quero transmitir que todo mundo pode viver da arte, ser arte e ter acesso à arte”, explicou.
2ª Princesa do Carnaval
Ocupando o posto de 2ª Princesa do Carnaval de 2025, Mariane França tem 33 anos, é ‘cria’ de Cajazeiras, trabalha há 10 anos como recepcionista em uma loja de móveis planejados e também é modelo fotográfica nas horas vagas.
A modelo contou que, além do objetivo de realização pessoal, ela nutriu a vontade de participar da seleção para deixar um legado para as meninas da Bahia e do seu bairro, afinal, ela tomou coragem de participar da competição justamente após uma moça de Cajazeiras ter sido eleita há duas edições.
“Para mim está sendo incrível, é um orgulho. Em 2023 já teve uma representante de Cajazeiras, uma princesa também, chamada Mariele Paixão, e eu me senti super representada por ela. E eu sempre sonhei em ser umas grandes majestades do Carnaval, eu sempre quis estar lá em cima, sempre tive esse sonho, e Cajazeiras está representando novamente”, falou a princesa.
Depois de cumprir as agendas da folia momesca, fazendo participações nos circuitos espalhados pela cidade ao lado das outras realezas, Mariane quer realmente aproveitar a visibilidade que conquistou para fortalecer outras mulheres e deixar a mensagem de que elas podem acreditar em seus sonhos.
“Eu quero passar para todas as princesas e rainhas de Salvador que devemos sonhar alto, porque a gente consegue, a gente pode. Se eu consegui, todos vocês podem conseguir também, entendeu? A gente tem que representar, mostrar que somos poderosas e que merecemos respeito”, disse.
Por fim, Mariane França também levanta a bandeira da importância do cuidado com a saúde, em especial da prática de musculação: “Eu costumo dizer que não é terapêutico, mas é como se fosse realmente uma terapia para mim, é muito bom. Sempre incentivo as pessoas, têm muitas amizades que eu consegui levar para a musculação”.
Rainha Muzembela 2025
Jovem, confiante e trabalhadora, Paloma Basttos entrou para a história do Carnaval da Bahia após ser a primeira mulher transexual eleita como a Rainha Muzembela, do bloco afro Muzenza do Reggae. Ela é do bairro da Liberdade, em Salvador, e trabalha como transcista de cabelos e afroempreendedora.
O feito inédito foi celebrado pela comunidade LGBTQIAPN+ e por todos aqueles que prezam pela inclusão e respeito a pessoas de todos os gêneros. A Rainha Muzembela foi acolhida pelo público e agradeceu ao carinho que tem recebido desde que chegou ao topo da disputa.
“Foi um imenso prazer, um momento único, incrível, inexplicável, uma realização de um sonho, um sonho no qual sempre me identifiquei. Eu amo dançar, amo estar nos palcos, amo receber os carinhos e elogios de quem amo… Tudo isso para mim está sendo muito sincero, uma troca de energia boas e sinceras”, disse ela.
Além do Muzenza, Paloma integra o grupo cultural ‘Forró do ABC’, uma das maiores quadrilhas juninas do estado, no qual também carrega um título de realeza, pois conquistou a posição de Rainha da Diversidade dele.
Com tantos feitos, Paloma Basttos quer abrir espaço para que outras pessoas transexuais possam alcançar lugares altos na sociedade. Inclusive, ela lamentou a polêmica proibição emitida pelo bloco Filhos de Gandhy, que proibia a participação de homens transexuais de fazerem parte do desfile, e lamentou a situação.
“Achei uma falta de respeito, todos nós temos direitos, direito de escolha, direito de ir e vir de qualquer lugar, direito de curtir onde queremos e como queremos sendo hétero , homossexual, homem trans ou mulher trans. Por isso, vamos dizer não a esse tipo de atitude. Juntos somos mais fortes”, opinou ela ao MASSA!.
Para a Rainha Muzembela, a sua missão é incentivar o próximo a lutar por aquilo que ele acredita. “Sou uma mulher trans cheia de sonhos, sonhos os quais aos poucos estou realizando, então passo para todos e todas a mensagem de que nunca desistam dos seus sonhos. O tempo só não é bom para quem não sabe esperar, por mais que seja difícil, tenha fé e acredite”, finalizou.
Deusa do Ébano
Vencedora da 44ª edição do concurso Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê, Lorena Bispo foi consagrada como a Deusa do Ébano 2025 e quer perpetuar toda a ancestralidade, empoderamento e realeza das pessoas negras. Ela é fruto do bairro de Itapuã, em Salvador.
Com apenas 22 anos de idade, a jovem é comunicadora, digital influencer, dançarina, pesquisadora e estudante do BI de Humanidades da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ela também já foi Rainha do bloco afro Malê Debalê em 2023.
Para Lorena Bispo, carregar o título de Deusa do Ébano está longe de ser status, pois considera uma grande missão e responsabilidade. Como influenciadora, ela defende a ideia de que é preciso usar esse lugar de destaque para perpetuar o legado do Ilê e da resistência do povo preto.
“Eu entendo que a minha história, a minha vida, a minha existência, ela representa para mim, na verdade, todo o panteão de pessoas imponentes que estão que estão celebrando comigo, que estão reverenciando essa história. Então, eu me sinto muito honrada de ser, de fato, uma representação ativa e altiva, não somente para os negões e negonas mal-assombrados dos mais belos dos belos nos 50 anos, que não são 50 dias, mas, sobretudo, por também germinar toda essa grandeza do nosso tema do ano, que foi 'Quênia: o berço da humanidade'. Estamos contando essa história, mas também para o mundo com o trabalho que eu executo enquanto influenciadora digital", declarou.
A jovem aproveitou para exaltar a essência da Noite da Beleza Negra, que não é um concurso que sexualiza as participantes e que valoriza a mulher por completo: “Quando a gente pensa sobre o corpo da mulher, a gente precisa entender de qual mulher estamos falando. E nesse concurso, sobretudo, estamos falando de mulheres negras, de corpos de mulheres negras que historicamente foi objetificado. As pessoas, então, quando olham o corpo feminino negro, elas já vão para um ramo da objetificação, elas não pensma numa beleza estética, elas não pensam numa beleza de intelectualidade, que é uma contranarrativa que a Noite da Beleza Negra traz”.
Por fim, Lorena falou sobre os seus objetivos para os próximos meses. “Enquanto Deusa do Ébano de 2025, eu seguirei no compromisso ancestral de adoçar, de instrumentalizar e estimular as realezas que muitas das vezes são esquecidas, por onde eu for. Então, é esse mesmo o meu papel, um dos meus projetos. É como a gente consegue possibilitar que mais meninas, mais mulheres, mais pessoas consigam ter um entendimento da sua própria realeza, da sua própria coroa em vida, não somente enquanto um título, mas enquanto um entendimento mesmo de compromisso e de história”, contou.
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