As chuvas causadas pelo ciclone extratropical que chegou à Bahia na última semana causaram estragos materiais e humanos irreparáveis. Em Salvador, duas pessoas morreram soterradas e quatro ficaram feridas após um deslizamento de terra na Saramandaia. Apesar do volume de chuvas recorde para o mês de novembro, desde 1963, as causas dos desastres não estão relacionadas apenas aos índices de precipitação elevados, mas também a razões econômicas, sociais e climáticas.
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É o que explica Jémison Santos, doutor em Geografia, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e coordenador do Setor de Geografia do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). Ele disse ao Portal MASSA! que uma das principais razões para os desastres é a vulnerabilidade social. "A gente tem que pensar no aumento da pressão populacional. E esses fatores políticos e econômicos empurram a população, principalmente os de baixa renda, para as áreas de risco".
Jémison esclarece que as áreas de encosta e topo de morro da cidade de Salvador foram ocupadas de maneira desordenada, desrespeitando as leis de proteção ambiental, que deveriam ser fiscalizadas pelos órgãos públicos. Dessa maneira, a vegetação natural, fundamental para reduzir os efeitos da chuva, foi reduzida.
"E aí, muita gente vai dizer, mas a culpa é da população pobre, né? Sempre sobra para o trabalhador. Não é, a população não tem culpa. O que a gente tem é um poder público que não consegue dar conta do manejo e da gestão da bacia de forma ótima"
Jémison Santos
Além disso, essas construções sem o devido planejamento também são responsáveis por impermeabilizar o solo, ou seja, impedem que água escoe para os lugares apropriados. O adensamento urbano e a impermeabilização do solo contribuem com o aprisionamento do calor, esses fatores afetam negativamente os processos que causam o aquecimento global e podem gerar chuvas mais volumosas.
Mas e a Saramandaia?
Palco do dramático deslizamento que matou o jovem Paulo Andrade, de 18 anos, a Saramandaia tem uma população predominantemente de baixa renda. No bairro, 57,2% dos moradores estão na faixa de 0 a 1 salário mínimo, com renda média dos responsáveis por domicílio de R$ 718, de acordo com dados da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER), de 2010. Além disso, de acordo com Jémison Santos, a população da localidade é bastante densa, com 343 habitantes por hectare.
"Existe apenas algo em torno de 15% de áreas verdes em Saramandaia. É formada por uma vegetação de porte rasteiro. Ainda há atividades agrícolas no bairro da Saramandaia, nas áreas mais rebaixadas. Mas é bastante adensado o bairro. Então essas características, elas com certeza favoreceram ao processo de deslizamento e escorregamento", explica.
E o que pode ser feito?
Para o doutor em Geografia, é necessário que os órgãos públicos deem prioridade para trabalhos que busquem alternativas para os desastres climáticos da cidade. "A Prefeitura de Salvador e Governo do Estado da Bahia precisam dedicar mais atenção aos estudos técnicos e científicos que as universidades baianas e brasileiras têm, a respeito de como evitar tragédias em Salvador", estabelece.
Para isso, é necessário também conscientizar a população sobre o contexto atual de mudanças climáticas em que vivemos. Inúmeras iniciativas de educação socioambiental ocorrem na cidade, e podem ser pontos importantes para fazer com que as pessoas compreendam a importância de se lutar por um futuro onde os direitos de moradia digna e conforto climático sejam respeitados.