“Quem acolher o que ele tem e traz;
Quem entender o que ele diz;
No giz do gesto o jeito pronto;
Do piscar dos cílios”
O verso da canção “Pra Você Guardei o Amor”, de Ana Cañas e Nando Reis, exprime um dos sentimentos mais puros e genuínos, o amor paternal. Para quem gera uma criança, essa sensação tem uma importância diferente. É como se o cordão umbilical unisse dois seres que estarão ligados por anos.
Por mais que o filho cresça, se desenvolva e trace seus próprios caminhos durante a jornada da vida, a relação com o pai que o gerou é para sempre. Neste domingo (11), Dia dos Pais, o Grupo A TARDE traz histórias de pais trans, seus processos de gravidez e a relação com seus filhos.
"O amor que só cresce"
“Eu quero criar um homem ético nessa sociedade, que aprenda a respeitar o outro, e que saiba que somos plurais”, diz Pietro Augusto, pai de um menino de um ano de idade. Com a sensação de leveza que a gravidez exala, e ao mesmo tempo complicação por causa da falta de acessos, Pietro e Teodoro, foram pegos de surpresa com a vinda do primeiro filho.
Assim que a gente soube, que começou fazer os exames, ele foi muito amado e vai ser assim sempre
Pietro Augusto
“No início a gente fica com um pouco de medo, eu sou pai de primeira viagem, mas assim que a gente soube, que começou fazer os exames, ele foi muito amado e vai ser assim sempre. O amor que só cresce. É o amor que é gigantesco, que nem eu imaginaria sentir”.
O amor que só cresce. É o amor que é gigantesco, que nem eu imaginaria sentir
Pietro Augusto
De acordo com Pietro ele engravidou no momento em que os “hormônios estavam mais caros”. Em 2022, uma liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1ª) permitiu à farmacêutica brasileira EMS aumentar em 380% o valor de comércio do medicamento Deposteron (cipionato de testosterona), de fabricação própria. O remédio que é utilizado por homens trans para terapia hormonal, continuou com valor alto em 2023.
Além disso, Pietro queria ter “trabalhado” melhor o “psicológico” para gerar o filho, por causa da discriminação, principalmente ao sair às ruas. “Eu abdiquei de ir para a faculdade por medo de violências físicas, psicológicas, que pudesse ter no ambiente acadêmico e no transporte público por ser um corpo trans gestante e na rua em que moro também não saia muito”, diz.
Ele é uma benção em nossas vidas
Pietro Augusto
Com uma rotina de cuidados com o filho, Pietro diz que quer educá-lo para ser “um homem ético”. “Eu diria que sou muito grato pela vinda dele nas nossas vidas. Ele é uma benção em nossas vidas”, diz aos risos, com a voz do filho ao fundo do áudio.
Também ressalta a importância de entender as particularidades durante a fase que o filho se encontra nesse momento. “Conforme o tempo vai passando, terão mais desafios e eu quero estar presente, mostrando para ele que pode contar comigo e com o outro pai dele, e que ele vai ter acolhimento”, explica.
Criado numa geração em que era natural os pais não expressarem o amor que sentem pelos filhos, Pietro diz que durante conversa com a mãe, explicou que quer reafirmar seus sentimentos pelo filho. “Puxando a orelha quando tiver que puxar, mas ele não vai precisar ficar com medo de falar qualquer coisa para a gente”, diz.
No entanto, o que mais preocupa Pietro é o preconceito das outras pessoas. “Pode ser sim que ele venha a sofrer preconceitos na escola, no ambiente de trabalho, por ser filho de dois pais, e que um deles foi o gestante, infelizmente é da nossa sociedade, mas nós somos uma família normal como qualquer outra. E os percalços da vida, vamos resolver da melhor maneira possível para que ele não venha sair machucado, porque são questões de adulto, mas que as crianças passam”, ressalta.
Eu sei que ele vai crescer sabendo respeitar os outros, independente de gênero, de raça, de sexualidade
Pietro Augusto
“Já me desrespeitaram, já me chamaram de mãe duas vezes, educá-lo para não ser esse tipo de pessoa, é a melhor coisa que a gente pode fazer. Eu sei que ele vai crescer sabendo respeitar os outros, independente de gênero, de raça, de sexualidade”.
Tão esperado
Theo Brandon diz que o principal significado de ser pai para ele é “cuidado”. Tendo o filho como seu maior parceiro, os dois compartilham vários momentos juntos. Com o convívio, ele diz que conversa sobre “coisas da vida e do cotidiano”, adaptando o diálogo para a idade de seu filho. Com o passar dos anos, ele percebeu que Dionísio tem personalidade questionadora.
“Todos os dias dos pais eu passo com meu filho, entendendo que existem vários tipos de composições familiares que não possuem esse sujeito [pai] e que são tão válidas e felizes quanto”, ressalta. Apesar de ter tido uma gravidez planejada, Theo enfrentou problemas na caminhada até a gestação.
Ele e a ex-esposa tentaram de diversas formas ter o primeiro filho. Entre muitas, conseguiram, mas na 13ª semana de gestação Theo descobriu que tinha um aborto retido, quando o embrião para de se desenvolver, mas não é expelido naturalmente pelo corpo. “Foi nesse momento que fiquei mais fragilizado”, relembra.
Contudo, a dor se transformou em fortalecimento para continuar, através do uso de ferramentas e tecnologias de maior precisão para alcançar o objetivo, com testes de ovulação e outras técnicas. “Dessa nossa persistência conseguimos o positivo para a gestação de Dio, que inclusive veio de uma ovulação tardia”, explica.
A ovulação tardia é quando a ovulação acontece após o período esperado, geralmente após o 21º dia do ciclo menstrual. Essa ovulação tardia pode acontecer apenas alguns dias depois do esperado ou demorar semanas ou meses para acontecer.
No entanto, o preconceito estrutural também foi um dos percalços durante a gravidez, fazendo com que Theo não pudesse acessar determinados locais para realizar a gestação, pois não assistiam pais trans. “Seja por negligência do meu estado gestacional enquanto um homem, ou por ideologias pessoais dos sujeitos, que geralmente estavam associadas a dogmas religiosos”, explica.
Segundo Theo, isso o ajudou a “enxergar a gestação, além do ganho afetivo muito especial, enquanto um processo pedagógico, tanto para nós enquanto pais que sempre temos algo a aprender”. Hoje, separados, Theo e a ex-esposa compartilham a guarda do filho.
Ele fica com Dionísio aos fins de semana. “De janeiro deste ano para cá as coisas mudaram um pouco, invertemos e ele passou a ficar durante a semana com a mãe e comigo nos finais de semana, isso por causa da minha faculdade que exige um pouco mais de minha dedicação, então após uma conversa com a mãe dele entramos em um acordo que seria assim até que, pelo menos, eu me formasse”, explica.
Aos finais de semana, Theo programa várias atividades para o filho. “Sair para uma livraria, ficamos horas lendo e conhecendo coisas novas nos shoppings, vamos em parque ou jogamos bola na quadra do condomínio mesmo, as vezes assistimos filmes juntos, cuidamos de plantas, ouvimos músicas, dançamos ou vamos em algum aniversário, gosto bastante de levar ele pra um dia ou tarde na casa de amigos que também tem filhos e de estimular a sociabilidade dele com outras crianças”.
Eu sou pai só por causa dele e tenho evoluído enquanto pessoa
Theo Brandon
Theo se emociona e diz que evoluiu muito com a chegada de Dionísio. “Eu sou pai só por causa dele e tenho evoluído enquanto pessoa e acho incrível exercer essa função graças a ele, a quem ele é, que tenho muito orgulho de tudo que a gente vem construindo e que sempre estarei aqui para o que ele precisar”.