
As fardas laranjas e azuis, a vassoura e o par de luvas nas mão. O acordar com o sol raiando, o corre para não perder o horário, tudo isso faz parte da rotina de quem trabalha na limpeza urbana. No Farol da Barra, um dos locais mais badalados de Salvador, os garis vestem o uniforme da firmeza, escudo que serve para combater o preconceito, o cansaço e, às vezes, a invisibilidade.
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Ali, onde o vai e vem de turistas mistura areia com garrafas pet e palitos de churrasquinho, Jasmine Karolainny, de 24 anos, carrega mais que o saco de lixo, afinal leva o legado da mãe, também gari há 10 anos.
“Minha mãe sofreu muito preconceito. Chamavam ela de preta, pobre... Como se o trabalho dela não valesse nada. Hoje em dia, ainda existe muito julgamento, mas eu tenho orgulho. Moro numa cidade limpa e sou parte disso”, desabafa, em entrevista ao MASSA!.

Batendo de frente com o peso da desigualdade, a jovem enxergou na profissão uma chance de correr atrás do seu maior sonho: ser médica veterinária. “Aqui foi minha porta. Aprendi a lidar com as pessoas, a ter orgulho de mim. Ouço gente dizendo que virei gari porque não estudei. Mas hoje pra entrar aqui, tem que ter ensino médio completo. E tem muita gente com estudo que quer estar aqui”, explica.
Superação e representatividade
O coletivo de garis, com o qual a reportagem passou um dia metendo a mão na obra, entende que ninguém deve desmerecer o brilho e responsabilidade da farda.
Gari pra mim é honra. Quem diz que estou aqui porque não estudei, não tem noção. Tem que ter coragem, amor e disposição
Assim como Jasmine, Anaíldes Carvalho também conhece bem os desafios da vida. Moradora do bairro do Uruguai, ela acorda às três e meia da madrugada para pegar no batente. Mas nem sempre foi assim.
Há alguns anos, ela sofreu um assalto enquanto trabalhava na via pública e acabou perdendo parte da audição depois de um assalto no Largo do Tanque que lhe causou um trauma auditivo. Hoje, com um sorriso largo e muito afeto pela equipe que considera uma segunda família, a mulher, carinhosamente apelidada de ‘Loira’, trocou a varrição das ruas pela beira-mar.

“Trabalhava na via, mas como fiquei com deficiência auditiva, me colocaram na praia. Ganhei um aparelho auditivo e tô aqui, firme e forte [...] Eu amo o que eu faço. Amo de verdade. Danço, brinco, abraço, beijo. E o importante é que eu levo meu pão com minha barriga. Sou muito feliz”, conta ela, de 53 anos.
Me chamem de gari, me critiquem, eu não tô nem aí. O importante é que tô trabalhando, boto comida dentro de casa
‘Vó’ de quatro, mãe de dois, Anaíldes é só gratidão: “Tem gente que quer estar no meu lugar e não pode”.

Gari herói do meio ambiente
Agente de limpeza há 16 anos, José Carlos Arruda sustenta três filhos com o suor da profissão. "Meus filhos me veem como herói do meio ambiente. Quando chego em casa, é a maior alegria, aí ele pergunta para mim: ‘Meu pai, já limpou a praia hoje?’. E eu respondo que sim, que já limpei a praia, já limpei as pedras, já limpei a área verde. [...] É bom saber que eles têm orgulho de mim", afirma.
O ofício não foi a primeira escolha de José Carlos, ele trabalhava como jardineiro, mas agarrou a oportunidade quando surgiu e não largou mais: “Aprendi a me comunicar melhor e a cuidar do meio ambiente. Isso a gente leva pra vida”.
Velha guarda da limpeza

Natural da região de Brotas, Josias de Jesus São Pedro, de 42 anos, é outro que vê a profissão com tranquilidade e responsabilidade. Acorda cedo, pega no serviço às seis da manhã e segue até o início da tarde. “Ser gari não é coisa difícil, não. É coisa fácil”, diz ele, que está na função desde 2005.
Antes, trabalhou como ajudante de pedreiro. A entrada como gari veio por meio de uma conhecida, que lhe deu a chance de ingressar no serviço. A profissão, para ele, exige disposição. Não é só varrer calçada, mas enfrentar sol, chuva, mato alto e, principalmente, manter tudo limpo mesmo quando o respeito da população não acompanha. “A gente vai ajudando os colegas. Se tiver muita cobrança, a gente corre atrás para manter tudo certo”, detalha.

No Dia do Gari, comemorado nesta sexta-feira (16), esses trabalhadores, que prestam serviços à Empresa de Limpeza Urbana (Limpurb) e que zelam pela cidade, esperam apenas o reconhecimento pelo esforço diário que mantém Salvador limpa e organizada, mesmo quando seu trabalho, muitas vezes, passa despercebido.
*Sob a supervisão do editor Pedro Moraes.