O Big Brother Brasil virou palco de várias discussões de temas importantes para a sociedade nos últimos anos, e na edição 24 não foi diferente. Entre brigas, festas e confusões, os holofotes do programa também iluminaram pautas como racismo estrutural, letramento racial, machismo e diversidade cultural, ao ponto dos ‘cancelados’ do reality se pronunciarem sobre o assunto após serem eliminados do programa.
A consultora de Diversidade e Letramento Racial Tainara Ferreira, que deu uma aula para o cantor Rodriguinho para ajudar na jornada de desconstrução pessoal dele, conversou com exclusividade ao Portal MASSA! e fez uma análise das atitudes dos brothers no BBB. Tainara é baiana, fruto da Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde ingressou em 2012 e passou pelo Bacharelado Interdisciplinar em Artes, Bacharelado de Estudos em Gênero e Diversidade e mestrado dos Estudos Étnicos, Raciais e Estudos Africanos. Ela também faz pós-graduação em Teologia, Cosmologia e Cultura Afro-Brasileira na Umbanda EAD.
Para a consultora, ainda que a busca por aprendizado de figuras públicas costume acontecer depois da pressão e cobrança das pessoas, ela é importante, especialmente pelo poder de influência que os famosos possuem na sociedade. “Quando você é uma figura pública, você precisa ter uma responsabilidade com a sua audiência”, explicou.
Porém, para que esse processo de “descolonização” da mente possa funcionar é necessário que a intenção de melhorar seja “genuína”, ou seja, que a pessoa realmente se disponibilize a ser transformada pelo conhecimento, que vai trazer mudanças dos grandes aos pequenos hábitos, como, por exemplo, a ação de excluir palavras e expressões racistas do vocabulário.
BBBs e racismo: o fruto da Síndrome de Bajulação
Tainara Ferreira detalhou ao Portal MASSA! sobre o processo de ter ministrado uma aula para Rodriguinho nesse período pós-BBB. Segundo ela, a busca do cantor é verdadeira e aconteceu com o apoio de pessoas da equipe dele, que entenderam que os estudos sobre questões étnicas, raciais e de gênero são essenciais, e entraram em contato para uma consultoria. Ela também explicou que o trabalho de imagem do ex-Travessos está sendo feito pela própria equipe do cantor, que conta com assessoria e mentora artística.
"Para aperfeiçoar o seu processo de aprendizagem na epistemologia negra, ele já assistiu alguns filmes, livros, mas, como a maioria de nós negros, diante o racismo epistêmico e o colonialismo, sabemos pouco sobre nós mesmos, negamos nossa existência e diante tudo que ele viveu lá dentro, está buscando aprender com toda essa experiência do reality para seu desenvolvimento pessoal e profissional", revelou Tainara.
Para a consultora racial, muitos famosos não conseguem reconhecer seus privilégios e preconceitos devido à “Síndrome de Bajulação”, que acontece quando as pessoas ao redor apoiam e incentivam todas as atitudes e falas do artista, ainda que considerem erradas, apenas para não discordar e magoar o ego deles. Por isso, é necessário que familiares, amigos, fãs e funcionários realmente façam alertas e não ‘passem pano’ nessas situações.
“Tudo isso atrapalha o processo evolutivo no geral, porque para a gente tratar um problema, a gente precisa primeiro de um diagnóstico. Como você vai entender que precisa de Letramento Racial se você está reafirmando a todo momento, se têm pessoas ao seu redor reafirmando as suas colocações equivocadas?”, refletiu Tainara.
Apesar de não poder dar detalhes sobre o que rolou durante a aula para o cantor devido à ética profissional, a intelectual comemorou o aumento da procura de artistas por profissionais antirracistas, pois isso pode fazer com que mais pessoas desejem aprender também: “Antes a gente não tinha artistas preocupados, hoje a gente tem um movimento novo de preocupação”.
Ela explicou que ninguém muda em uma aula, como na famosa expressão ‘da noite para o dia’, mas que a desconstrução é algo que qualquer pessoa terá que praticar a vida inteira, se incluindo também nesse processo. “Para você ser antirracista não é necessário ter apenas um vocábulo, é necessário ter ações concretas e diárias para que essa estrutura se movimente”, contou.
Negar racismo é reforçar o preconceito
A consultora de Letramento Racial também analisou a situação de Yasmin Brunet e Wanessa Camargo. Aliadas no reality show, elas também tiveram uma trajetória parecida fora da casa mais vigiada do Brasil: ambas famosas desde a infância, ricas e brancas.
Enquanto Wanessa Camargo gravou um pronunciamento pedindo desculpas para Davi, a família dele e todas as pessoas que se sentiram ofendidas com suas falas dentro do programa, assumiu ter cometido atitudes preconceituosas por causa do Racismo Estrutural e afirmou que deseja estudar para se tornar uma pessoa “antirracista”, Yasmin Brunet disse que todas as ações delas apontadas pelo público como racistas no BBB foram apenas “questão de convivência”.
Observando o posicionamento de Yasmin, Tainara declarou que ninguém é 100% livre do racismo, ainda que não perceba. “Óbvio que não. Eu ainda tenho práticas, comportamentos e pensamentos racistas, que dirás Yasmin Brunet. É um grande equívoco não só dela, mas da equipe dela”, disparou.
Ela criticou a ação da filha de Luiza Brunet e da equipe dela em negar um assunto tão sério e que atinge tantas pessoas. Tainara enxergou a situação como algo grave, porque ajuda a manter o preconceito: “Preferem negar, que é também um outro fenômeno, que é o mito da Democracia Racial, que é negar a existência do racismo. Isso é o que ela está cometendo. O perigo é que a gente reforça justamente a estrutura”.
O cancelamento é sempre pior para os negros
Por fim, a estudante e pesquisadora fez uma consideração de como o público acaba ‘cancelando’ e tendo atitudes muito mais agressivas com participantes negros do que com participantes brancos, e que isso também acontece por causa da estrutura racista que faz o povo não aceitar erros de pessoas pretas e ter mais empatia por brancos.
“Para uma pessoa negra como a Karol Conká, como o Rodriguinho, como a Leidy que vai sair, é muito mais difícil reconstruir a sua imagem, porque a estrutura está justaposta. Então para Yasmin vai ser mais fácil a negação, porque ela tem uma estrutura que lhe favorece e lhe acolhe muito mais que as outras pessoas que citei”, concluiu.