
No dia 13 de junho, o Direito baiano perdeu um de seus nomes mais atuantes e respeitados: o advogado criminalista e professor universitário Daniel Keller. Ele foi encontrado morto em um apart hotel no bairro Caminho das Árvores, em Salvador. Uma arma estava junto ao corpo.
As circunstâncias da morte de Keller seguem sendo investigadas e a causa não foi oficialmente informada pela polícia, mas a notícia mobilizou colegas e instituições e reacendeu um debate urgente e delicado: a saúde mental dos profissionais da advocacia criminal.
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Keller era mestre em Direito, formado e pós-graduado pela Universidade Católica do Salvador, com especialização em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia. Além da carreira acadêmica, ele ficou conhecido por atuar em casos de grande repercussão, como o processo que ficou conhecido como "caso Kátia Vargas", em que representou a família dos irmãos Emanuel e Emanuelle, mortos em um acidente de trânsito, em 2013.
Um mês após a sua morte, profissionais da área alertam para o esgotamento emocional vivido diariamente por advogados criminalistas e destacam a necessidade de acolhimento, cuidado psicológico e mudança cultural dentro da profissão.
A advogada Yanne Ávila reconhece a pressão extrema imposta pela área: "A advocacia criminal lida com um dos bens jurídicos mais sensíveis: a liberdade ou a restrição dela. Por isso a pressão faz parte do nosso trabalho, seja por nós mesmos, por nossos clientes ou familiares".
Embora pareça clichê, a verdade é que a gente aprende a lidar, pelo amor à profissão
Yanne Ávila, advogada criminalista

Ela conta que o medo do impacto emocional da profissão sempre foi presente desde a graduação. "O medo da atuação ou do que ela me custaria sempre foi uma questão, desde a saúde física até a mental", reflete.
Abalo psicológico é real
Atualmente, Yanne enfrenta um momento de exaustão intensa e relata estar recorrendo ao acompanhamento psicológico. Para ela, a saúde mental ainda é negligenciada na advocacia criminal: "O que percebo é uma falta de diálogo sobre o tema, e uma tendência de que nós conseguimos tudo, que não precisamos de limites ou pausa, e o resultado disso é o pior possível".
Crimes contra a dignidade sexual, por exemplo, e situações de violência de cunho político são extremamente desafiadores.
Yanne Ávila
Diante da morte recente do colega Daniel Keller, a advogada acredita que é hora da categoria refletir com mais seriedade sobre os impactos da profissão. “A advocacia criminal nos obriga a manter uma postura imponente, em que demonstrar cansaço pode ser lido como sinônimo de incompetência. Precisamos entender nossos limites, nos respeitar e, acima de tudo, ficar atentos aos sinais de que as coisas podem não estar tão bem, e isso não pode ser negligenciado", reflete.
Carga emocional que pode adoecer
Para a psicóloga clínica Naiara Oliveira, o exercício da profissão impõe uma carga emocional que, com o tempo, pode levar ao adoecimento: "O que vejo com frequência são sinais de ansiedade, insônia, dificuldade para 'desligar' da rotina de trabalho, irritabilidade e, em muitos casos, um certo endurecimento emocional".
O contato diário com casos de violência, injustiça e sofrimento humano pode, com o tempo, gerar um desgaste psíquico.
Naiara Oliveira, psicóloga

Ela alerta para sinais importantes que não devem ser ignorados. "Cansaço extremo que não melhora com descanso, sensação de vazio ou desmotivação, crises de choro, alterações no sono e no apetite, e o clássico pensamento de ‘eu aguento mais um pouco’, que muitas vezes adia o cuidado necessário".
Segundo a profissional, muitos dos seus pacientes vivem em constante estado de alerta, como se estivessem "na guerra". Ela também aponta que sintomas depressivos podem ser camuflados pelo excesso de trabalho.
Um advogado pode passar meses dormindo apenas 3 ou 4 horas por noite, sentindo dores físicas e esquecendo compromissos, achando que é só estresse, quando na verdade já está em um quadro de esgotamento severo.
Naiara Oliveira
Dessa maneira, o cuidado com a saúde mental precisa partir tanto do indivíduo quanto das instituições: "É urgente que se crie uma cultura de apoio emocional dentro dos escritórios, das defensorias e tribunais", diz. Isso pode vir na forma de grupos de escuta, acesso facilitado a apoio psicológico e rodas de conversa sobre saúde mental.
Vida além do trabalho
Como formas de enfrentamento ao estresse, Naiara recomenda a psicoterapia e pequenas pausas ao longo do dia. "Atividades fora do mundo jurídico são fundamentais: arte, esportes, espiritualidade, convivência com amigos que não são da área", defende a especialista.

Outra recomendação é experimentar rituais de transição entre o trabalho e o resto da vida, algo simples como trocar de roupa, ouvir uma música ou tomar um banho ao chegar em casa, como um gesto simbólico de virar a chave, desligar do trabalho totalmente.
Se você está passando por um momento difícil ou precisa conversar com alguém, saiba que não está sozinho. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito, sigiloso e disponível 24 horas por dia. Basta ligar para o número 188 ou acessar o site www.cvv.org.br para encontrar canais de atendimento.