Um alerta sobre o aumento do número de cães com leishmaniose em diversos estados foi divulgado por pesquisadores da Fiocruz Mato Grosso do Sul na segunda quinzena do mês passado. A doença infecciosa, também transmitida para humanos, é especialmente preocupante em áreas endêmicas do mosquito-palha, como ocorre em 34 municípios baianos.
Situados em diferentes regiões do estado, os municípios são classificados pela Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab) como locais de risco intenso, alto e médio, seguindo critérios de estratificação adotados pelo Ministério da Saúde, que tem o “muito intenso” como grau máximo. Na Bahia, apenas dois municípios têm risco intenso: Maetinga e Bom Jesus da Lapa (veja box com lista completa).
Estatísticas da Sesab relativas aos últimos dois anos mostram que apesar do alerta, o número de casos teve queda, tanto em cães quanto em humanos. Em 2021, tivemos 5374 cachorros e 138 pessoas diagnosticadas com leishmaniose visceral, enquanto o ano passado teve 5074 registros em animais e 94 casos em humanos. Os dados parciais deste ano não mostram tendência de aumento, com 2423 diagnósticos em cães e 38 em pessoas.
Em Salvador, dados da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) confirmam a redução entre 2021 e 2022, com 41 casos no primeiro ano e 16 no seguinte. O mesmo ocorreu com a leishmaniose visceral em humanos, saindo de 21 diagnósticos para 19. Apenas a leishmaniose tegumentar, forma de menor gravidade, foi na direção contrária, com 10 registros em 2021 e 13 em 2022.
Transmissão
A doença é causada pelo parasita leishmania transmitido por meio da picada das fêmeas do mosquito-palha, também chamado de cangalhinha, e nas pessoas pode se apresentar nas formas tegumentar e visceral. A primeira ataca a pele e mucosas, geralmente gerando uma úlcera, que pode cicatrizar espontaneamente, mas ao final resultar no aparecimento de lesões nas mucosas oral e nasal, explica infectologista Carlos Brites, do Hospital Professor Edgard Santos (Hupes-Ufba/Ebserh).
Popularmente conhecida como calazar, a leishmaniose visceral é a apresentação mais grave da doença. Perda de peso, aumento do fígado e/ou do baço, anemia, dor abdominal e inchaço dos linfonodos estão entre os sintomas apresentados pelos pacientes. O médico alerta que o quadro pode se agravar até provocar a morte, e a patologia tende a ter mais complicações, e maior letalidade, em pessoas vivendo com HIV.
“O diagnóstico depende muito da apresentação clínica, se você tem um quadro clínico sugestivo e está numa área endêmica… diante da suspeita clínica é preciso o diagnóstico laboratorial”, esclarece Brites. O exame mais simples é a análise e uma amostra de sangue por sorologia, que irá identificar a presença dos parasitas no organismo pelos anticorpos gerados em resposta à infecção, mas os métodos mais precisos são baseados na identificação da própria leishmania.
Toxidez no tratamento
Segundo o médico, o tratamento habitualmente é feito com antimoniais pentavalentes, uma classe de medicamentos antiga, mas geralmente eficiente no combate a esse parasita. “(A substância) pode ter algum grau de toxicidade, então às vezes um paciente mais idoso, pacientes com problemas cardíacos, pacientes com outras alterações que podem piorar com o tratamento, uma alternativa é usar a anfotericina B”, aponta.
Informações do Ministério da Saúde (MS) sobre os medicamentos antimoniais pentavalentes apontam a contraindicação do uso em gestantes e acompanhamento das funções cardíaca, renal e hepática em pessoas acima de 50 anos e/ou com patologias no coração, rins ou fígado. Entre os efeitos colaterais associados ao medicamento estão dores musculares e nas articulações, dor no estômago, vômito, edema e herpes zoster.
Na ausência de uma vacina para a prevenção da leishmaniose, a forma ideal de combate seria a eliminação total do mosquito, medida considerada bastante complexa pelo infectologista. De acordo com o MS, o mosquito-palha se reproduz em locais úmidos, com sombra e matéria orgânica. Tocas de animais, troncos de árvores, buracos no solo e chiqueiros são ambientes propícios.
A infecção causada pelas leishmanias faz parte das doenças tropicais negligenciadas, classificação da OMS que reúne patologias com ocorrência bastante concentrada em países poucos desenvolvidos ou em desenvolvimento. Outro aspecto marcante desse grupo - do qual dengue, hanseníase e doença de Chagas fazem parte - é o baixo investimento em pesquisa de medicamentos e vacinas.