No mês em que se comemora o Dia Nacional da Doação de Órgãos (no próximo dia 27), no contexto da campanha Setembro Verde, de incentivo à doação de órgãos, a Bahia celebra melhoras importantes nos indicadores relativos a transplantes. Além disso, o Estado anuncia a retomada dos transplantes de coração, após um hiato de quase dois anos.
Dados do Sistema Estadual de Transplantes, da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), mostram que o número de doadores de múltiplos órgãos vem aumentando consistentemente no Estado. Em agosto último, foram 19 doadores, ante 12 em julho. Em janeiro, haviam sido registrados apenas três doadores. No total dos oito primeiros meses do ano, os doadores de múltiplos órgãos na Bahia chegam a 106.
Para o médico e coordenador do Sistema Estadual de Transplantes, Eraldo Moura, os números refletem o trabalho de conscientização realizado pelo governo da Bahia durante o ano. “Tivemos um aumento expressivo de doadores e temos uma tendência de crescimento neste mês de setembro, que é o mês no qual intensificamos a campanha de conscientização da população sobre a importância da doação de órgãos”, afirma. “Além disso, estamos registrando uma redução gradativa da negativa familiar, que agora está em t0rno de 60%. A taxa ainda é alta, mas, quando comparada aos cerca de 70% de 2022, é uma diminuição considerável.”

Segundo a Sesab, nas próximas semanas o Estado vai retomar a realização do transplante de coração, após quase dois anos de suspensão do serviço. A suspensão, de acordo com o órgão, foi motivada para que uma reestruturação do sistema pudesse ser feita e acabou sendo impactada pela pandemia da Covid-19, já que as equipes e estruturas precisaram ser mobilizadas. Atualmente, a Bahia realiza quatro tipos de procedimentos: os transplantes de córnea, rim, fígado e medula.
Secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana afirma que os pacientes que necessitam do transplante cardíaco já estão sendo avaliados e, em breve, as cirurgias serão retomadas no Hospital Ana Nery (HAN), em Salvador. “O ambulatório pré e pós-transplante cardíaco nós já vínhamos fazendo no HAN e, agora, retomaremos o transplante cardíaco em Salvador e estamos trabalhando para ampliar para o interior”, afirma. “Estamos no processo de avaliação dos pacientes. Eles estão sendo examinados por uma junta médica e, após essa etapa, eles entram na lista para aguardarem a realização do transplante. Já estamos bem adiantados e, nas próximas semanas, o transplante de coração voltará a ser feito na Bahia, levando saúde de excelência para quem mais precisa através do Sistema Único de Saúde.”

Preparativos
Coordenador do Programa de Insuficiência Cardíaca Avançada do Hospital Ana Nery e diretor da unidade, Luiz Carlos Passos destaca que o hospital vem se preparando para retomar a realização dos transplantes cardíacos. “Hoje, os únicos Estados que realizam o transplante cardíaco são Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco”, conta. “Isso porque o procedimento requer não só profissionais capacitados e unidades hospitalares especializadas, mas também uma rede de infraestrutura para captação de órgãos.”
Passos assegura que o HAN está com tudo pronto para retomar o serviço o quanto antes. “A equipe médica está pronta e qualificada e é natural que a unidade precise reforçar essa equipe com mais profissionais, mas isso será feito gradualmente”, completa.
Atualmente, 15 pacientes que estão sendo acompanhados pelo Ambulatório de Insuficiência Cardíaca do Ana Nery e podem ter indicação para transplante cardíaco. “Como nosso o ambulatório de insuficiência cardíaca é referência no Estado, temos uma grande quantidade de pacientes com insuficiência cardíaca avançada, dos quais 15 estão em avaliação quanto à necessidade efetiva de transplante e se há alguma contraindicação”, afirma.
A cardiologista e especialista em insuficiência cardíaca do HAN, Daniela Velame, acrescenta que o pós-operatório também é feito na unidade. “Atualmente, acompanhamos cerca de 30 pacientes pós-transplante cardíaco”, relata.

“Foi um milagre”, diz última transplantada de coração na Bahia
A retomada do transplante cardíaco na Bahia vai permitir que histórias como a da aposentada Karen Alessandra Arantes se repitam. Portadora da doença de chagas – enfermidade que pode causar insuficiência cardíaca grave —, Karen conseguiu um doador e, enfim, pôde realizar o transplante em 18 de janeiro de 2022, sendo a última baiana a realizar o procedimento no Estado.
“Fiquei em Oxigenação por Membrana Extracorporal (ECMO) durante 18 dias, quando o normal é ficar, no máximo, 12 dias”, lembra. “Na data que estava programado para desligarem os aparelhos, os médicos me chamaram e me disseram que iriam buscar meu coração. Foi muita alegria. Apareceu um doador de Feira de Santana compatível comigo e eu consegui fazer o transplante. Foi um milagre.”
A cirurgia e todo o tratamento de Karen foram realizados no Hospital Ana Nery, unidade da Secretaria da Saúde da Bahia, onde a aposentada segue realizando todo o acompanhamento pós-transplante, além de receber a medicação que precisa para evitar uma possível rejeição do novo coração.
“Todo o tratamento da minha mãe foi feito pelo SUS, inclusive o ECMO, que é um procedimento extremamente caro”, relata Bruna Arantes, filha de Karen. “Costumamos dizer que ela tem dois aniversários: o de nascimento e o de renascimento.”
Procedimento garantido
O coordenador do Sistema Estadual de Transplantes, Eraldo Moura, lembra que, mesmo durante o período em que a Bahia ficou sem realizar o transplante cardíaco, a população continuou sendo assistida e tendo o procedimento assegurado pelo Tratamento Fora do Domicílio, o TFD.
“O TFD é realizado não apenas para transplantes, mas para qualquer tratamento de saúde que o Estado disponibiliza em algum momento”, explica. “Quando isso acontece, o paciente é encaminhado para outro Estado e, nesse processo, todo o deslocamento e o tratamento é integralmente custeado pelo Estado de origem.”
Foi o caso de Ronaldo Menezes, de 48 anos, que, após o diagnóstico de uma miocardite idiopática que não respondeu a outros métodos de tratamento, precisou ser transferido para o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), em Recife (PE), para receber o coração de um doador. “Quando cheguei, fui diagnosticado com uma infecção”, lembra. “Tratei esse problema e, após dois dias, fui submetido ao transplante de coração. Quando retornei, segui sendo acompanhado pela equipe multidisciplinar do Ana Nery. Hoje, após a nova vida, dou continuidade ao tratamento com imunossupressores e acompanhamento na unidade.”
R$ 9,2 mi em campanhas e treinamento de profissionais
De acordo com a Secretária da Saúde da Bahia (Sesab), foram investidos, nos últimos anos, mais de R$ 9,2 milhões em campanhas de sensibilização da sociedade, em cursos e treinamentos para a preparação de profissionais de saúde e em incentivo financeiro para instituições filantrópicas e privadas que realizam transplantes no Estado.
“Estamos adotando diversas estratégias para alavancar o número de transplantes e doações de órgãos na Bahia e isso tem surtido resultado”, pondera a titular da pasta, Roberta Santana. “Apostamos na informação como peça-chave. É preciso conscientizar a população sobre a importância da doação de órgãos, sobre a chance de salvar vidas que temos em nossas mãos.”
A secretária ressalta que o Brasil tem o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo. “Somente de janeiro a junho de 2023, foram mais de 1,9 mil doadores efetivados”, destaca. “O sistema brasileiro é reconhecido por ser eficiente, justo e igualitário. E a Bahia trabalha para seguir o mesmo caminho.”
A Bahia conta com uma rede com 24 centros de realização de transplantes, sendo que sete oferecem atendimento pelo SUS. Desses, três são unidades públicas: o Hospital Geral Roberto Santos, o Hospital Ana Nery e o Hospital Universitário Professor Edgard Santos. Além deles, integram a rede os hospitais filantrópicos Martagão Gesteira, em Salvador, e Dom Pedro de Alcântara, em Feira de Santana, e os privados IBR, de Vitória da Conquista, e Hospital Português, na capital.