O terreiro de candomblé da nação Angola, localizado em Barra de Pojuca, Monte Gordo, no município de Camaçari, o Unzó Matamba Jesimesi vive há mais de uma semana em estado de sítio devido à ação violenta de policiais militares.
O templo religioso, fundado em 1979, inicialmente em Lauro de Freitas e transferido para Monte Gordo em 2000, foi invadido na madrugada do último dia 6 de janeiro pela família biológica do sacerdote fundador da casa religiosa, Clovis Gomes Leocadio de Lima, que faleceu em agosto de 2021, e tem sido alvo de depredação do seu patrimônio, segundo as pessoas que frequentam o local.
Portas e fechaduras foram quebradas para permitir o acesso de dois homens, que são policiais militares, às dependências internas do terreiro. Irmãos biológicos do fundador do templo, os policiais militares José Gomes Leocadio de Lima e Jorge Gomes Leocadio de Lima reivindicam a propriedade do terreno e desde então têm utilizado a prerrogativa do cargo que ocupam na PM para coagir filhos de santo e impedir o funcionamento do terreiro.
Fiéis do templo sagrado estão impedidos de entrar parar realizar os procedimentos religiosos cotidianos. Além disso, correntes e cadeados foram usados para bloquear o acesso ao terreiro e um outro homem, de prenome Duda, para vigiar o espaço.
Sucessor do templo religioso, Crispiniano Gleison dos Santos Sena chegou a ser empossado pelo pai de santo ainda em vida como próximo sacerdote da casa, mas não conseguiu assumir o comando das obrigações religiosas devido ao uso da força pelos PMs. O terreiro ainda possui registro como associação da sociedade civil, mas o estado de saúde do sacerdote anterior não permitiu que ainda em vida ele transferisse a titularidade do imóvel para o CNPJ da instituição.
Pai Clóvis já imaginava que poderia ser alvo dos próprios irmão e também já tinha sido vítima de racismo religioso na primeira sede do terreiro, em Lauro de Freitas, quando foi atacado pela família, que não aceitava sua religião e sua sexualidade. A divergência descambava para agressões físicas e psicológicas e foi a motivação para a transferência do terreiro de candomblé Angola de Lauro para Barra do Pojuca. Em vida, o sacerdote sempre dizia: “Quando eu morrer, os meus irmãos vão passar um trator em cima disso tudo aqui”.
O caso está sendo acompanhado juridicamente pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN), que estuda os meios jurídicos para garantir o funcionamento do terreiro. Coordenador jurídico do CEN, o advogado Marcos Alan da Hora Brito pontua que o caso se configura como grave prática de racismo religioso e pode enquadrar os autores das violências também em outros crimes.
“Estamos diante de um caso de racismo religioso, o que já é grave, mas o uso da força e da prerrogativa de PM para coagir fiéis de uma religião pode gerar a tipificação dos autores em outros crimes e também promover processos administrativos disciplinares contra eles internamente na Polícia Militar da Bahia”, explica o jurista do CEN.