A Lei Maria da Penha (11.340/2006) completa 17 anos neste 7 de agosto mergulhada em um cenário triste, que poderia ser ainda pior caso ela não existisse. O argumento tem como base os inúmeros casos de violência doméstica registrados todos os dias. É um problema que assola o país. Só em 2022, quase 250 mil mulheres registraram boletins de ocorrência para denunciar agressões sofridas no ambiente doméstico, um crescimento de 2,9% em relação a 2021, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Embora a Bahia esteja em uma parábola decrescente, ocupa o oitavo lugar no ranking das capitais que mais registram esse crime. Os números são assustadores: 9.562 mulheres prestaram queixa por lesão corporal dolosa em 2022. No comparativo com 2021, a queda é de 3,6%, já que naquele ano foram registradas 9.899 queixas.
O que começa com uma discussão evolui para o caixão. Os feminicídios no Brasil aumentaram 6,1%, alcançando 1.437 vítimas, mortas pelo simples fato de pertencerem ao sexo feminino. Destas, 107 foram vitimadas em solo baiano. Números também em evolução.
Para o promotor de Justiça da Bahia, Davi Gallo, esses números poderiam ser menores, caso a legislação fosse mais dura. “Não há dúvidas de que a intensão da Lei Maria da Penha foi boa, mas eu a vejo como muito branda para os delitos cometidos por homens contra as esposas, companheiras, filhas, amantes, enfim, contra mulheres em razão do gênero e da convivência familiar. A minha grande queixa é só uma: as penas. São mínimas previstas no Código Penal”, explicou ao Portal Massa!.
Em termos gerais, as mulheres encontram na Lei Maria da Penha um escudo contra a violência de gênero. As medidas protetivas são as principais. Contudo, esse é um novo ponto de discordância do promotor Davi Gallo, assim como de grande parte dos juristas brasileiros.
“Em 90% dos casos que conheço, os autores dos crimes não respeitam a medida restritiva. Voltam mais agressivos. Muito mais violentos. Isso vai desaguar no Tribunal do Júri. E é sempre mesma história: maridos de mulheres assassinadas que estavam sob medida restritiva”, lamenta o representando do Ministério Público baiano.
O quesito, sob a ótica dos juristas, desencoraja as vítimas a darem queixa na delegacia contra os agressores. “Embora seja um grande avanço, as medidas restritivas não surtem o efeito que deveriam. Uma prisão preventiva, tudo bem. Mas essa prisão preventiva jamais ultrapassará o prazo que o indivíduo por ventura venha a ter com a pena por lesão corporal leve ou pelo crime de ameaça ou injúria.”
Hoje, a lesão corporal praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, tem pena de reclusão prevista de 1 a 4 anos. Em maio deste ano foi aprovado na Câmara o Projeto de Lei 1.350/22, que prevê pena de 4 a 10 anos de reclusão para crimes de lesão corporal grave que resulte em marca permanente. A proposta busca tipificar uma nova forma de lesão, para casos como do empresário Thiago Brennan, acusado de tatuar as vítimas de agressão e estupro.
Esse aumento da pena ainda é pouco na análise de Davi Gallo, que defende a escalada em pelo menos cinco vezes acima do previsto. Ele acredita que, embora a Lei Maria da Penha seja de necessidade extrema, as medidas não têm atingido ao fim pretendido.
“Um crime de lesão corporal contra a companheira deveria ser muito maior, inclusive com uma pena de reclusão. O que educa um criminoso é a cadeia. Porque lá ele conviverá com os iguais a ele, que não irão respeitar os direitos dele. E todo agressor de mulher é reincidente. Não aceita o término do relacionamento mesmo agredindo as companheiras dia após dia.”
A pena para feminicídio pode variar de 15 a 30 anos de reclusão. No entanto, um dos argumentos mais defendidos pelos juristas é o cumprimento total da pena sem qualquer direito a benefícios como progressão de pena e ‘saidinhas’ nos feriados.
“A Lei Maria da Penha precisa dar o terceiro passo, com penas e regimes mais severos. Existe uma preocupação muito grande do Ministério Público do Estado da Bahia, através de uma equipe fantástica de promotoras de Justiça, que procuram dar o máximo apoio e atendimento às vítimas. Mas ainda acontecerão mais casos enquanto essas penas não forem revistas”, pontua Gallo.
A partir de 2006, quando passou a vigorar a Lei Maria da Penha, as penas para os crimes contra a mulher passaram a ser mais duras. O que faz o jogo jurídico se tornar incerto a cada caso é a aplicação da Lei das Execuções Penais. Muitos juristas a consideram como “um presente de Natal” por prever todo tipo de benefícios aos praticantes de crimes.
A proposta para evolução dessa Legislação, no entendimento de Davi Gallo e seus mais de 26 anos em tribunais de Júri, é mais profunda. Para ele, os casos de agressão física e psicológica precisam ter penas tão altas quando a do feminicídio, “só que continuamos aplicando aquelas penas pequenininhas nos casos de agressão contra a mulher”.
A Bahia registrou 32 casos de feminicídio entre 1º de janeiro e 15 de maio de 2023, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Na semana anterior ao fechamento desta matéria, Daiane Conceição de Jesus Freitas, de 26 anos, foi morta a golpes de marreta na frente do filho de 7 anos. O caso aconteceu em Feira de Santana, no centro norte baiano. O companheiro dela foi preso e confessou a autoria do crime. Em depoimento ele disse que agrediu a mulher após ter tomado tapa no rosto durante a discussão. Mais um caso de discussão que evoluiu para um caixão.
Maria da Penha
Maria da Penha Maia Fernandes ficou paraplégica após ser baleada pelo companheiro, em 1983. Só em 2002, 19 anos após o crime, Marco Antonio Heredia Viveiros foi condenado e preso. Desde então, Maria da Penha se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.
A lei inspirada na história dela entrou em vigor no dia 7 de agosto de 2006 e tornou crime a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em abril deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou mudanças na Lei Maria da Penha que visam garantir que medidas protetivas de urgência sejam concedidas no momento em que a mulher fizer a denúncia a uma autoridade policial.
A lei prevê ainda que as medidas protetivas de urgência sejam concedidas independentemente da tipificação penal da violência; do ajuizamento de ação penal ou cível; da existência de inquérito policial; e de registro de boletim de ocorrência.