Começou hoje (25) o julgamento dos pastores evangélicos Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda. A dupla é acusada de homicídio qualificado por motivo torpe e ocultação do cadáver de Lucas Vargas Terra, adolescente de 14 anos, estuprado e assassinado em 2019.
O júri é composto por cinco homens e duas mulheres. Até fechar o clássico número sete, foram sorteados 17 nomes. Seis deles vetados pela Defesa. Quatro pela Acusação.
Até a sexta-feira (28) os jurados ouvirão os depoimentos das 15 testemunhas. Cinco da Acusação, cinco da Defesa de Fernando e outras cinco da Defesa de Joel. Além de serem apresentados aos autos do processo.
Nos autos consta que Lucas teria flagrado uma relação sexual entre os pastores Fernando e Joel, dentro de um templo da Igreja Universal do Reino de Deus, na capital baiana. Na sequência, os dois réus teriam colocaram o adolescente dentro de uma caixa de madeira e o queimaram vivo em um terreno baldio.
O Ministério Público, representado por Davi Gallo, não informou se os acusados também irão a júri pelo abuso sexual sofrido por Lucas. Há um terceiro envolvido no crime: o pastor-auxiliar Silvio Galiza. Ele foi acusado, condenado e preso em 2007, mas teve pena reduzida e ganhou liberdade condicional em 2012.
Romance
A manhã do primeiro dia foi marcada pelo testemunho de Martoni de Oliveira Costa. Ao promotor Davi Gallo, líder da Acusação, ele narrou que "Lucas era um jovem querido, devoto e tinha vontade de se tornar obreiro".
Segundo ele, o adolescente de 14 anos "parecia ter 17" e viva o dilema do primeiro amor. Uma das obreiras da igreja da Santa Cruz, Ana Paula, havia arrebatado o coração do rapaz. Para namorá-la era necessário a benção do pastor. E para isso, algumas etapas deveriam se cumprir.
Encarnado no papel de protagonista dos "trabalhos de Hércules", Lucas foi busca de cumprir o necessário para namorar Ana Paula.
"Para ser obreiro é necessário receber uma gravata. Não o ato físico, mas uma consagração para assumir o cargo. Isso o colocaria no mesmo patamar que ela", contou.
A segunda testemunha a acusação Tatiana Dórea, confirmou o affair, disse ser "amiga-confidente" de Lucas e que o adolescente tinha "uma adoração" por um dos acusados. "Era como se fosse Deus no céu e pastor Fernando na terra", narrou.
Tatiana disse ainda que Lucas esperava que a gravata lhe fosse dada pelo pastor Fernando, no cargo de Regional da Igrejas Universal e responsável pela unidade da Pituba. Sílvio Galiza seria um intermediário.
"Lucas não tinha essa carta para a Bahia quando veio do Rio de Janeiro. Ele dizia que havia sido enviada para a Itália", complementou Martoni.
Destino Itália
A Itália era o destino final do adolescente, que estava em curta passagem pela Bahia com o pai, Carlos Terra, para se despedir de amigos e familiares. A mãe Marion Vargas, àquela altura já estava na "Velha Bota". A tragédia a fez desistir da vida no exterior. Hoje ela esteve presente no Fórum Ruy Barbosa em busca de Justiça pela morte do filho.
"Nessa caminhada eu me senti desamparada pela Justiça. Sentimos, eu e o Carlos, como se fossemos os criminosos. O que espero desse julgamento é a pena máxima".
Para ela, o início do julgamento em júri popular é faz jus à luta dos pais. "O Carlos foi vencido pela doença (em 2017) e não está mais entre nós, meu filho foi tirado de mim e não tive nem o direto de tocar nele. Há 22 anos não tive esse luto. Meu luto é hoje e estarei aqui todos os dias desse julgamento", prometeu.
Desaparecimento e proibição de buscas
De acordo com Tatiana, no dia do desaparecimento Lucas estava cabisbaixo. A expectativa de receber a gravata do pastor Fernando não havia sido cumprida. "Ele me disse que tinha algo para me falar, mas só mais tarde. Não teve oportunidade".
Assim como Martoni, ela narra que os amigos começaram uma busca por Lucas assim que notado o desaparecimento. A dupla liderou as buscas que logo foram proibidas pelo pastor Fernando.
"Ele (Fernando) disse que deveríamos parar de buscar esse 'Luquinhas Qualquer' porque isso iria atrapalhar a obra de Deus", relata Tatiana.
Ela e Martoni acabaram expulsos da Igreja Universal após a localização do corpo, que ainda não havia sido reconhecido como de Lucas Terra por ter sido carbonizado. "Ali não é um bom lugar. O que fizeram com meu amigo poderiam ter feito comigo. Pastor Joel e Pastor Fernando assassinaram meu amigo", desabafou Tatiana.
Em 2021 Martoni tinha 23 anos e era obreiro há nove anos. Começou a ser colaborador aos 13. Passou pouco tempo nessa função porque era membro antigo. A mãe dele era da Universal. E continua lá. "Eu segui para a batista, onde faço parte até hoje. Fui execrado e depois assediado para voltar. Nunca voltei".
Réus inocentados
O júri popular seguirá ao longo da semana e só foi possível após a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir em 2020 que o caso seria decidido dessa forma.
Dois anos antes, o ministro Ricardo Lewandowski havia anulado o julgamento alegando falta de provas contra o hoje bispo Fernando Aparecido da Silva, radicado no Rio de Janeiro desde o ano do crime.
Joel Machado também deixou a Bahia em 2001. Foi transferido para Minas Gerais. Na época, segundo as testemunhas, a única menção a Lucas Terra nas telas da TV Record foi num quadro de desaparecidos.