Em evento realizado no Centro de Operações e Inteligência da Segurança Pública (COI), no Centro Administrativo da Bahia (CAB), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Governo do Estado da Bahia assinaram, na quarta-feira (16), um acordo de cooperação técnica que prevê a implantação de uma série de políticas públicas integradas de combate ao trabalho análogo à escravidão. O documento visa a realização de ações de prevenção, repressão e assistência às vítimas, que somam mais de 300 casos de trabalhadores baianos nesta situação apenas neste ano, já maior que em todo o ano passado.
Dentre os últimos casos dos 273 fora do estado, estão os 14 baianos resgatados em uma colheita de café no Sul de Minas Gerais, além de casos em colheitas de cana de açúcar, de uva e trabalhos na construção civil. Dentro do estado, no primeiro semestre deste ano, 54 trabalhadores foram encontrados e resgatados, como cinco homens em um galpão de carvoaria no bairro de Cassange, em Salvador. O Brasil soma 60 mil pessoas em situação de escravidão desde 1995, ano da criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel.
Com as participações do procurador-geral do trabalho, José de Lima Ramos, do vice-governador da Bahia, Geraldo Júnior, e de membros da sociedade civil organizada no evento, houve a formalização da parceria iniciada pouco depois do resgate de 197 baianos em uma vinícola no município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. De forma semelhante, o MPT e o governo do Rio Grande do Sul fecharam um acordo em março deste ano. O procurador-geral do Trabalho comenta a importância da iniciativa conjunta.
“O que estamos fazendo aqui é uma ação preventiva, construindo políticas públicas para promover uma real transformação na sociedade. Por isso tenho que agradecer o empenho do governo do estado em firmar esse acordo e de todos os órgãos e entidades da sociedade civil aqui representados. É o conjunto das forças que poderá ressignificar o combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas”, afirma.
Outros casos emblemáticos mostram uma modificação na realidade, anteriormente, marcada com mais casos no meio rural. No entanto, atualmente, o meio urbano têm chamado a atenção, com profissões como da construção civil e as empregadas domésticas, sendo 10 profissionais da área resgatadas nesta situação no estado em 2022, ao estarem nos interiores dos lares, locais de difícil fiscalização.A presidente do Sindomésticos, Milca Martins, deu um depoimento emocionante ao público sobre a realidade enfrentada.
“Quando uma criança no interior é retirada do seio de sua família sob a promessa de que irá para a cidade para estudar, essa criança está sendo vítima, como eu fui e como muitas continuam a ser. A Justiça precisa ser feita por vocês. Não só garantir o pagamento da rescisão, mas colocar essas pessoas na cadeia”, pontua Milca.
O vice-governador da Bahia, representando o governador Jerônimo Rodrigues, que precisou cumprir outra agenda e não teria tempo para participar da solenidade respondeu ao depoimento, indicando a sua importância. “Milca, em seu depoimento, foi a verdadeira expressão do que estamos fazendo aqui hoje. É para garantir que o trabalho digno seja uma regra que estamos unindo esforços de diversas secretarias do estado para nos unir a todas essas entidades e instituições nessa luta.”
O documento firmado buscar estabelecer, de forma conjunta, o compromisso de: compartilhamento de informações; realização de estudos; elaboração de estratégias de prevenção, repressão ao trabalho escravo e incentivo a projetos e pesquisas sobre o tema; e articulação entre as instituições que têm atuação relacionada com o tema para a execução de ações conjuntas e coordenadas. Já o MPT também se dispõe a destinar recursos obtidos com acordos judiciais e termos de ajuste de conduta para financiar ações.
Presente na assinatura, o procurador-chefe do MPT na Bahia, Luis Carneiro, comentou o papel na parceria. “Não existe instituição heroica. Temos que enfrentar essa temática com uma rede de proteção integrada capaz de ressignificar e transformar a vida das pessoas. Tenham certeza que o MPT estará sempre pronto para, ao lado das demais instituições e da sociedade civil, cumprir a sua missão de fazer cumprir a Constituição Federal.”.
De acordo com o órgão, a parceria com o estado, também representado pelos secretários estaduais Felipe Freitas (Justiça e Direitos Humanos) e Davidson Magalhães (Trabalho, Emprego, Renda e Esporte), nesse tema vem se fortalecendo nos últimos anos. Desde 2015, quando a Comissão Estadual para o Combate ao Trabalho Escravo (COETRAE) foi reestruturada, o governo baiano passou a intensificar sua participação nas ações e nas operações de fiscalização, feitas sempre de forma interinstitucional.
Dentre as atribuições do Estado no compromisso, estão: colocar à disposição dos programas, planos de trabalho e atividades, os recursos humanos e materiais necessários à prevenção do trabalho escravo contemporâneo e de assistência aos trabalhadores resgatados nestas condições no seu território; conduzir os trabalhos, promovendo articulação com instituições parceiras vinculadas ao tema em questão; e fornecer, ao final dos trabalhos, os resultados na forma de diagnósticos a respeito da política pública.
Por meio da Secretaria da Justiça e Direitos Humanos (SJDH), é realizado o acolhimento e o atendimento às vítimas no pós-resgate de todo trabalhador baiano encontrado em situação análoga à escravidão, que é cadastrado e segue sob supervisão da rede de assistência social do estado e dos municípios onde residem. Eles recebem apoio para regularização de documentos, para acesso a capacitações profissionais e a recolocação no mercado de trabalho. Também são acompanhados em questões como saúde e moradia. Em alguns casos, as vítimas são acolhidas em abrigos e casas-lares públicos.
O titular da SJDH mostra-se satisfeito com as atuações da pasta de forma incisiva no apoio ao combate ao trabalho análogo à escravidão. “Como queremos construir nosso futuro? Como queremos ser lembrados? Como quem ajudou a eliminar o trabalho escravos, que desconstrói o nosso caráter humano”, pontua.
Além disso, o programa Vida Pós-Resgate, uma parceria da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com recursos destinados pelo MPT, visa agregar novos parceiros para viabilizar arranjos produtivos para trabalhadores em cooperativas de criação de cabras para produção de leite e para corte. O formato prevê também a aquisição de terrenos em municípios como Monte Santo e Conceição do Coité e a compra de animais para formação de plantel inicial. Os trabalhadores recebem assistência técnica e capacitação.