Uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita no Senado Federal pode mudar o rumo das eleições para os cargos de prefeito, governador e presidente. Isso porque o projeto, que está sob a relatoria do senador Marcelo Castro (PP-PI), apresentado em 2019, sugere o fim da reeleição das cadeiras do Executivo, em todas as esferas, a partir de 2030.
A proposta, que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, aumenta o período de exercício dos governantes para cinco anos, sem a possibilidade de serem reconduzidos à cadeira. A medida também se estende aos senadores, que ao invés de oito anos de mandato, passam a ter 10.
O movimento político que vem se desenhando no Congresso divide a Casa entre os que concordam com a mudança no Código Eleitoral e os que acham a medida “absurda”. Entre os favoráveis ao tema estão, o presidente da do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e os senadores baianos Jaques Wagner (PT) e Otto Alencar (PSD).
Ao Portal A TARDE, o líder do governo no Senado e ex-governador da Bahia reforçou o seu posicionamento, justificando que o sistema de reeleição falhou no país. Ele acrescentou que também é favorável à coincidência eleitoral, isto é, a unificação das eleições de todos os cargos [prefeito, vereador, governador e deputado].
“A discussão não é da reeleição só. É de juntar as muitas leis que existem sobre o processo eleitoral e condensá-las a uma única peça que seria o Código Eleitoral brasileiro. [..]. Eu sou a favor do fim da reeleição, a favor da coincidência eleitoral e a favor do mandato de 5 anos”, iniciou o Wagner. “Eu acho que o instituto da reeleição no Brasil, na minha opinião, não fez bem a política brasileira”, completou o petista.
Apesar da declaração, Jaques Wagner já ocupou a cadeira de governador da Bahia por dois mandatos consecutivos, entre 2007 a 2015, em virtude do sistema atual de reeleição. Para o petista, a política de recondução, que acontece a cada dois anos, faz com que o país não avance.
“Você não sai dessa roda eleitoral contínua e não cria um ambiente de tranquilidade para governar”, considerou.
Em contrapartida, o cientista político Cláudio André de Souza analisa que, se a medida prosperar no âmbito nacional, a sanção da matéria acarretaria em uma instabilidade de atuação dos governos, principalmente os municipais, devido ao curto prazo de mandato.
“Eu entendo que a reeleição é um mecanismo de estabilidade política porque permite que a vontade popular, o voto e a escolha de um determinado governante possa acontecer mais de uma vez”, iniciou o cientista.
“Quando você começar a ter um determinado político, sobretudo na política municipal, sabendo que ele não vai prosperar, ele vai ter que mudar de cargo, isso daí gera um grande problema. Do ponto de vista da municipal, por exemplo, o político, ele é prefeito ou é vereador porque nos municípios pequenos, você não tem condições de disputar financeiras ou operacionais de, por exemplo, disputar a eleição seguinte para deputado estadual”, acrescentou Cláudio André.
Essa não é a primeira vez que o tema entra no rol das discussões dos políticos no Congresso Nacional. Ao todo, as Casas Legislativas já somam 57 PECs sobre o assunto, nenhuma das apresentadas foram à frente. O debate voltou a ganhar fôlego em Brasília, após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defender a proposta.
Na sessão plenária do dia 25 de março, o pessedista garantiu que o projeto será votado ainda neste ano. Em coletiva de imprensa, o legislador afirmou que a medida ajudará o país a sair das ‘trevas’.
“Vejo toda a condição de aprovação ainda esse ano, não necessariamente no primeiro semestre, com apreciação sobre a questão do instituto da reeleição, o mandato de cinco anos e eventualmente da coincidência de eleições. Para que o Brasil possa sair desse estado permanente de eleições, que tem fomentado polarização, radicalização e muito ódio, sobretudo em redes sociais”, disse Pacheco a jornalistas.
O que pensam os chefes do Executivo
Federal
O presidente Lula (PT), por sua vez, bateu o pé contra a proposta e já expressou o seu contragosto a Pacheco. Em reunião a portas fechadas com ministros e o chefe do Legislativo, o petista afirmou que um único mandato de cinco anos é pouco tempo para governar e cumprir todo o plano de governo.
Estadual
Na Bahia, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) ainda não amadureceu a sua opinião sobre o tema. O chefe do Executivo afirmou que, antes de qualquer posicionamento, discutirá o assunto com a sua bancada de deputados federais.
“É claro que vou dialogar com a minha base para a gente não fazer qualquer movimento que interfira no ambiente das Casas Legislativas tanto na Assembleia como no Congresso. [...]. [Contudo], eu não dialoguei com a minha bancada”, afirmou ao Portal A TARDE.
Se a medida for aprovada, o governador Jerônimo Rodrigues fechará o ciclo de chefes estaduais que concorrerão à reeleição no Brasil.
Municipal
O prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), foi o único entre os chefes do Executivo a adotar um posicionamento favorável ao fim da reeleição. Mesmo com as burocracias para início e conclusão de obras, o gestor acredita que um mandato de cinco anos seria o suficiente para exercer um bom governo.
“Eu acho que se tivesse mais um ano de mandato, se fosse cinco anos para o Executivo, não seria necessário ter reeleição”, iniciou Bruno.
“A gente sabe que quatro anos na administração pública é pouco tempo para tirar projetos grandiosos do papel e tirar grandes ações pelas burocracias da lei e pelos trâmites que precisam ser cumpridos. Talvez cinco anos fosse o tempo ideal”, acrescentou.
Ao contrário de Jerônimo, Bruno não fechará o ciclo de renovação da cadeira, tendo em vista que foi eleito em 2020 e está encerrando o seu primeiro mandato neste ano.
Com isso, ele vem se articulando para lançar novamente o seu nome nas urnas eletrônicas, e já vem sido tido como favorito para uma possível recondução ao Thomé de Souza. Segundo a primeira rodada de pesquisa AtlasIntel/A TARDE, Reis despontou com 64,4% das intenções de votos, levando a prefeitura em primeiro turno.
Como analisa os estudiosos
No entendimento do cientista político, Cláudio André, a aprovação da mudança no Código Eleitoral causaria “uma grande salada de frutas" na política brasileira.
“Isso porque, o político que começar, ele já sabe que não vai demorar muito no poder. Então, ele vai ter que operacionalizar ações, buscar aliados dentro de uma velocidade muito maior e a população não vai ter escolha. [...]”, explicou o analista.
Cláudio André, que também é professor Adjunto de Ciência Política da UNILAB, considera a PEC como “problemática”, em virtude do desconhecimento sobre a política municipal.
“Ela pensa a política de modo geral, mas não casa com o que acontece lá na ponta. Eu vejo que essa discussão, ela tem um caráter, de alguma maneira, ‘politivista’, porque ela entende que não é o melhor para a democracia um político ficar por dois mandatos e várias democracias funcionam de forma consolidada com reeleição”, observou.
Mudança no Código Eleitoral
O fim da reeleição é subdividido em três PECs, sendo a primeira que trata sobre o tema, e as demais sobre o fim da coincidência eleitoral. O relator da proposta, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), esclarece como funcionará a medida.
“Então, os prefeitos eleitos pela primeira vez em 2024 teriam direito à reeleição em 2028, e a reeleição já seria por cinco anos. A partir daí, ele não teria mais direito à reeleição. O mandato dele terminaria em 2033. O governador eleito em 2026 teria mandato de quatro anos e teria direito a uma reeleição por cinco anos. O mandato dele terminaria em 2035”, iniciou as explicações.
E completou: “E como ficariam as eleições no Brasil? Em 2030, eleições gerais para governador, presidente, senador, deputado estadual e deputado federal. Em 2033, eleições municipais de prefeito e vereador. Em 2035, eleições gerais. Em 2038, eleições municipais. Sinto que há um consenso maior sobre o fim da reeleição e o mandato de cinco anos, mas um consenso menor sobre a coincidência de eleições."
Já a coincidência eleitoral trata sobre a unificação de todas as eleições de presidente a vereador. O texto da proposta ainda não foi protocolado no Senado.