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à procura de respostas - 02/03/2025, 10:00 - Yan Inácio* - Atualizado em 02/03/2025, 19:56

Baiana que perdeu irmã na ditadura busca justiça, assim como ativista vivida por Fernanda Torres

Diva Santana refaz trajetória de Eunice Paiva na luta por memória e justiça pela irmã

Diva é conselheira da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
Diva é conselheira da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos |  Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Não é novidade que o premiado 'Ainda Estou Aqui', longa brasileiro que concorre em três categorias no Oscar 2025, retrata um período sombrio da história recente do Brasil: a ditadura militar, que ocorreu entre 1964 e 1985.

O roteiro é adaptado do livro de mesmo nome, escrito por Marcelo Rubens Paiva e revive a época do desaparecimento do pai do autor, o ex-deputado federal Rubens Paiva, levado pelas forças policiais sem justificativas de retorno aparentes.

Imagem ilustrativa da imagem Baiana que perdeu irmã na ditadura busca justiça, assim como ativista vivida por Fernanda Torres
Foto: Divulgação

O pano de fundo da trama é a Zona Sul do Rio de Janeiro da década de 1970, mas o regime militar resultou em perseguições, assassinatos e desaparecimentos em diversas partes do Brasil.

Militantes baianos e residentes do estado também foram vítimas, especialmente após a promulgação do AI-5, decreto de 1968 que inaugurou um dos momentos mais sombrios da ditadura militar

A guerrilha do Araguaia e a dor do desaparecimento

"Isso é uma coisa que dói na alma da gente. Em qualquer guerra, o inimigo entrega o corpo e diz onde foi sepultado, mas aqui no Brasil, não. Até hoje, as Forças Armadas não tiveram a dignidade de dizer como eles morreram e onde foram sepultados", desabafa a ativista Diva Santana ao MASSA!

A baiana é conselheira da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e assim como Eunice Paiva, é umas centenas de familiares de desaparecidos do regime militar que lutam por respostas sobre o desaparecimento de um ente querido

Sua irmã, Dinaelza Coqueiro, nascida em Vitória da Conquista e o cunhado Vandick Coqueiro, natural de Boa Nova, foram dois dos aproximadamente 70 jovens guerrilheiros dados como desaparecidos pelo Exército Brasileiro na região hoje conhecida como Bico do Papagaio, localizada no norte do estado do Tocantins.

Retrato de Dinaelza Coqueiro
Retrato de Dinaelza Coqueiro | Foto: Reprodução

O movimento de militantes contrário ao regime e vinculados ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de que Dinaelza fazia parte, foi batizado posteriormente como Guerrilha do Araguaia. Os combatentes eram em sua maioria estudantes universitários e profissionais liberais que se instalaram na região a partir de 1966.

Essa concepção do PCdoB pressupunha que a revolução vinha do campo para cidade e não através de uma guerra de guerrilha urbana como a usada pelos guevaristas durante Revolução Cubana, concluída em 1959.

Na verdade, esses militantes brasileiros imaginavam que uma guerra popular prolongada nos moldes da filosofia de Mao Tse-Tsung, líder da Revolução Chinesa em 1949, seria a resposta correta para o regime ditatorial no Brasil.

Poucas respostas dadas

"Esse evento ficou envolto em silêncio porque é uma mácula para as Forças Armadas Brasileiras, o que se sabe é que eles executaram [os militantes]. Eles não foram todos mortos em combate, mas alguns foram aprisionados e mortos conforme se apurou depois na Comissão Nacional da Verdade", explica o professor do Departamento de História da UFBA Carlos Zacarias

Aproximadamente 60 militantes foram considerados desaparecidos políticos, como no caso de Dinaelza e do marido. A última informação que Diva e sua família tiveram dos dois foi em 1971, quando receberam uma carta escrita que acreditaram ser dela por conta da caligrafia.

"Ela falava de todos nós, dos irmãos, deles, dos pais, principalmente. E pediu para não se preocupar, porque eles estavam vivendo com pessoas boas, e que eles se alimentavam do que plantavam e colhiam. A gente deduziu que eles estavam num lugar na clandestinidade", relembra.

A família de Diva precisou suprimir a dor do luto logo após o desaparecimento de Dinaelza, já que eles poderiam ser perseguidos pelos militares, como aconteceu com Eunice e seus filhos e retratado em 'Ainda Estou Aqui'.

Aspas

Assistindo àquele filme, outro passava na minha cabeça, porque eu me lembrei da minha casa, quando todos os amigos de minha mãe, de meus pais e parentes se afastaram da gente. E a gente não podia nem falar o nome dela dentro de casa

Diva Santana

Depois do sumiço da irmã, Diva adentrou em uma luta que já dura mais de 50 anos: a busca pelo esclarecimento por parte do Estado sobre as circunstâncias da morte e o local de sepultamento de Dinaelza.

Duas ações movidas pelos familiares dos desaparecidos do Araguaia geraram sentenças à União nos anos de 2003 e 2010, a primeira pela própria Justiça brasileira e a segunda pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas os vereditos não chegaram a ser cumpridos.

A luta na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Hoje em dia, Diva Santana atua ao lado de Vera Paiva, uma das filhas de Eunice e Rubens, na CEMDP. O órgão do Estado foi criado pela lei n. 9.140, de 4 de dezembro de 1995 durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, mas a ativista reitera que a pressão para promulgação veio de quem sofreu com a perda de entes queridos: "Isso é fruto da luta dos familiares, basicamente das mães."

Algumas das funções da Comissão são reconhecer que pessoas foram mortas ou desaparecidas em razão de suas atividades políticas, fazer esforços para a localização dos corpos de tais indivíduos e avaliar pedidos de indenização de familiares, seguindo as leis específicas sobre o tema.

Imagem ilustrativa da imagem Baiana que perdeu irmã na ditadura busca justiça, assim como ativista vivida por Fernanda Torres
Foto: Globoplay

Uma das cenas marcantes do longa de Walter Salles revive o momento em que Eunice Paiva recebe a certidão de óbito do marido, em 1996. No documento, um dos resultados dos trabalhos da CEMDP, consta a declaração de que Rubens Paiva foi perseguido e morto pelo regime ditatorial.

Diva e sua família também conseguiram o atestado de óbito de Dinaelza através do órgão. Mas ela ressalta que no documento não constam informações como local de nascimento e nomes dos pais. Portanto, atualmente, uma das missões da Comissão é retificar certidões de óbito com dados incompletos.

Aspas

[Eu e Vera] somos companheiras há muito tempo na luta em defesa da memória, verdade e justiça. Temos uma relação afetiva e de camaradagem, a dor de uma é de todas. A luta nos une cada vez mais

Diva Santana

O trabalho da CEMDP foi prejudicado ao fim do Governo Bolsonaro, em 2022, quando o ex-mandatário exonerou a procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da pasta à época, e nomeou assessores da ex-ministra Damares Alves para compor a Comissão, com o intuito de extinguir a pasta.

Os aliados de Bolsonaro, que estavam em maioria, votaram pelo fim da Comissão, enquanto Diva Santana, Vera Paiva e Ivan Marx foram contra, mas a oposição não foi o suficiente para impedir a extinção. O órgão foi recriado em junho de 2024 no terceiro mandato de Lula, novamente por demanda dos familiares de vítimas da ditadura.

'Ainda Estou Aqui' no Oscar 2025

Com data marcada para o dia 3 de março, a cerimônia do Oscar 2025 está chegando e o filme brasileiro 'Ainda Estou Aqui', dirigido por Walter Salles, concorre nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz, com a atuação de Fernanda Torres como a ativista dos direitos humanos Eunice Paiva.

*Com consultoria histórica de Carlos Zacarias, professor do departamento de História da UFBA

*Sob a supervisão dos editores Bianca Carneiro e Jefferson Domingos

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