Se Salvador é a capital da energia e da diversidade, a Liberdade é um de seus espaços mais pulsantes. Com um passado que remonta à luta pela Independência da Bahia, o bairro é um marco histórico e cultural na cidade.
Foi pela então Estrada das Boiadas que as tropas baianas entraram vitoriosas no 2 de Julho de 1823, consolidando a liberdade da Bahia e inspirando o nome do bairro. Mas a Liberdade é muito mais que seu passado heroico. Conhecido como um dos bairros mais negros de Salvador, o local é um epicentro da cultura afro-brasileira.
Foi ali que, em 1974, nasceu o Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil, um movimento que segue até hoje representando a história e a força do povo negro. Espaços como a Senzala do Barro Preto e o Terreiro de Mãe Hilda de Jitolu são testemunhas vivas da relevância cultural e espiritual da Liberdade.
Apesar de ser um único bairro, a Liberdade compreende vários outros espaços como a Soledade, Lapinha, Sieiro, Duque de Caxias e Curuzu. Cada um desses lugares tem suas nuances e particularidades, mas todos convergem para a mesma riqueza e orgulho que formam o grande bairro da Liberdade em Salvador.
A potência cultural também se reflete no cotidiano dos moradores. Além das manifestações artísticas, o bairro é um reduto do empreendedorismo, com uma feira popular que é o coração comercial da região.
Comerciantes informais oferecem desde alimentos até artesanato, criando uma rede econômica baseada na confiança e na proximidade. Esse dinamismo comercial garante que os moradores não precisem sair do bairro para encontrar o que precisam.
Edmilson Lima, membro da Associação Beneficente de Moradores da Rua Agra, no Curuzu, destaca essa característica . “Aqui na Liberdade a gente encontra tudo que a gente precisa: loja de departamento, mercados, lojas de tecidos, móveis, eletrodomésticos, bares e restaurantes”, disse. “Quem vive aqui não precisa sair para comprar nada, tudo está aqui perto de nós”, disse.
Além do comércio, o bairro é um ponto de encontro para lazer e gastronomia. A Liberdade oferece uma diversidade de bares e restaurantes que atendem a todos os gostos e bolsos, tornando-se uma parada obrigatória para quem deseja aproveitar uma refeição de qualidade.
Helder Renê, presidente da Associação, reforça como a gastronomia na Liberdade é rica. “Aqui tem todo tipo de restaurante, tem comida marroquina, jamaicana... onde você encontra isso em Salvador? Tem o famoso Acarajé da Binha, de 1kg, tem ‘tira-gosto’ de todo tipo, de qualidade, e eu não preciso ir pra orla atrás disso”, garante.
E por falar em orla, não tem como não mencionar a grandiosidade que é a praia do Canta Galo. “É linda, é limpa, é uma praia que não deve nada ao Porta da Barra, ao Rio Vermelho, e tá aqui, do lado da gente”, pontuou Edmilson. “Infelizmente é uma praia pouco lembrada quando se fala de turismo, mas é um lugar sensacional”, concluiu.
Apesar de enfrentar desafios, como o estigma associado à violência, o bairro continua a ser uma referência de representatividade étnico-racial e um lugar onde a luta por igualdade e respeito se faz presente diariamente. Cada canto do bairro carrega histórias e memórias que reafirmam o orgulho de seus moradores e a importância de sua contribuição para Salvador.
“O que a gente quer é ver a Liberdade, o povo da Liberdade, aparecendo por aí por sua cultura, por seu talento, fora das páginas policiais”, disse Helder. “É um lugar de muita gente de bem, de um povo trabalhador, de muita cultura, felicidade e simplicidade”, completou Edmilson. Não é exagero dizer que a Liberdade não é apenas um bairro, mas um manifesto de identidade e história, que segue vivo, pulsante, e que abre as asas sobre nós.
União faz a força entre moradores
Em Salvador é comum que os bairros tenham associações de moradores engajadas e articuladas em promover o bem da comunidade. Não é diferente na Liberdade, especialmente no Curuzu, coração daquele lugar.
Helder explica que a associação da Rua da Agra tem um papel muito importante. “Nós estamos tirando muitas crianças da rua, oferecendo cursos, dando lanche, trazendo eles para o bem”, disse o presidente, que é percussionista e também encabeça o projeto social Meninos do Curuzu, com aulas de música. “A gente ajuda quem precisa com comida, com remédio, com tudo que está ao nosso alcance”, disse. “A gente ouve o problema e encaminha para o órgão público que poderá ajudar”, completou Edmilson.
Esse senso de comunidade é uma característica forte da comunidade. “Aqui você vai passar e ver as janelas abertas, as crianças brincando na rua, uma vizinha cuidando do filho da outra... são pessoas de bem, que se ajudam, e assim vamos levando, fazendo do jeito que dá”, explicou Edmilson. A Associação, inclusive, reforça um pedido: “precisamos de uma creche pública aqui no bairro, ajudaria muitas mães”, pediu Helder.
O bairro é um berço de cultura
Não tem como falar de Liberdade e não falar de Ilê Aiyê. O bairro, que é a casa da Senzala do Barro Preto, tem muito do bloco afro em sua constituição; é difícil conhecer alguém dali que não passou pelas aulas do Ilê. O Ilê Aiyê é um símbolo de orgulho e resistência para a comunidade da Liberdade e além. Fundado em 1974, o primeiro bloco afro do Brasil se tornou uma referência mundial na valorização da cultura afro-brasileira, promovendo a ancestralidade e a identidade negra.
Contudo, a força cultural do bairro não se limita ao Ilê. Na Liberdade também está a sede da premiada quadrilha junina Forró do ABC, grande campeã baiana e representante do estado em competições nacionais. Essas iniciativas reforçam o bairro como um epicentro de diversidade e expressão artística, celebrando tanto as raízes africanas quanto as tradições nordestinas que fazem parte de sua rica identidade.
“Essas iniciativas contribuem muito para a população se sentir cada vez mais capaz. Daqui saem artistas, saem atletas”, disse Helder. São muitas instituições trabalhando juntas para que as coisas boas aconteçam aqui, nesse bairro de maioria negra, em que as pessoas sentem cada vez mais orgulho da cor de sua pele e, além disso, conseguem acessar espaços antes inimagináveis graças a trabalhos de cunho social e cultural”, concluiu Edmilson.
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