Nos fundos de um centro evangélico, num galpão escuro e ainda vazio, Ana Clara, de 15 anos, e sua mãe Maria Cláudia, 54, fazem o saco de pancadas querer gritar, caso pudesse. Há um ano e meio, elas saem juntas de São Rafael para treinar karatê no projeto social “Tigres e Dragões”, no bairro de Pernambués com o sensei Matheus Malta. Enquanto ele não chega, descontam a ansiedade com chutes e socos no inimigo inanimado.
Mas logo o professor se apresenta e, aos poucos, o dojo vai ficando lotado. Quem entra, cumprimenta o sensei com “Osss!”, saudação japonesa comum na prática das artes marciais que vêm do país.
Um dos primeiros aprendizes a entrar no local é o garoto João Guilherme Lima, de 11 anos, acompanhado de sua avó, Nalva. João treina com Matheus desde que tinha quatro anos, e os elogios a ele não são poucos. “Ah, é a melhor pessoa do mundo. É um professor que ensinou tudo para a gente, eu acho que sem ele a gente não saberia nada do que a gente sabe hoje”, destaca o pequeno karateca ao MASSA!, sendo completado pelo adolescente Rafael Santos, de 16 anos. “É muito dedicado, ele é bastante resiliente, se esforça no que trabalha, no que ele ama e trabalha com muito amor. Isso para mim é um grande exemplo”, acrescentou.
Querido pelos alunos e muito dedicado ao que faz, o sensei revela que seu amor pelo esporte vem desde o berço. “É uma paixão de família. Fui crescendo, me graduando, participando de campeonatos. Em 2016, quando realizei meu sonho de me tornar faixa preta, comecei a dar aulas com o aval do meu tio. Como ele estava no interior, reativamos o clube aqui em Salvador e eu tomei a frente do dojo”, contou Matheus.
O grupo ‘Tigres e Dragões’ existe desde 2008 em São Félix do Coribe, mas só veio à capital oito anos depois. Em 2018, porém, passou a assumir caráter de projeto social. Pessoas de todas as idades podem praticar karatê de graça no dojo.
“Dizem que não é pauta essencial. Como não? O esporte melhora a saúde do atleta; tira pessoas da rua e da criminalidade, melhorando a segurança. Educa, com valores como respeito e disciplina. Sempre cobro boletim dos alunos no fim do ano e digo a eles: ‘não adianta ser o melhor karateca do mundo se não respeitar seu pai, sua mãe e não tirar boas notas’”, lembra Malta.
Arte marcial não é briga
É comum que alguém que pratica artes marciais seja visto como violento, brigão ou perigoso. No entanto, o sensei explica que o karatê vai de encontro a esses estereótipos. “Às vezes escuto: ‘meu filho já é muito agitado, imagine com o karatê’, mas é justamente o contrário. O atleta não aprende a brigar, mas a se defender. Ensinamos o atleta a ter consciência das suas capacidades e, ao mesmo tempo, se controlar e não aplicar golpes em situações desnecessárias”, esclareceu Matheus. “Um karateca nunca vai dar o primeiro passo numa briga”, completa o professor.
Conquista além das medalhas
João Guilherme e Rafael estão disputando o Campeonato Mundial de karatê em Tóquio, no Japão. É claro que o objetivo são as medalhas, mas há muito mais coisas para trazerem na bagagem de volta a Salvador. “Vai ser massa porque a gente vai ganhar muita experiência, o importante não é a gente disputar para ganhar medalha, e sim para trazer alegria para o nosso povo e voltar alegre”, opina João. “Não nos preparamos só nos treinos, mas no nosso interior também. Lidar com o nervosismo vai trazer muita experiência para a gente”, acrescenta o jovem karateca Rafael Santos.
*Sob a supervisão do editor Léo Santana