
Ao entrar em um estádio, muitos torcedores não percebem a complexa estrutura que garante a segurança e o bom funcionamento de uma partida. Poucos conhecem o desafio dessa missão como o baiano Marcus Mascarenhas, engenheiro e militar reformado, que se tornou referência nacional na área. Com mais de 10 anos de atuação, o profissional, nascido e criado em Salvador, já coordenou operações em eventos como Copa das Confederações, Copa do Mundo e Copa América, além de ser consultor de segurança em arenas como a Fonte Nova.
Atualmente, ele integra as equipes de segurança da Conmebol e da CBF, sendo responsável até mesmo pela proteção da Seleção Brasileira. Para entender como funciona este sistema que evita incidentes e garante o espetáculo, o MASSA! conversou com Marcus Mascarenhas, cuja trajetória o coloca como uma das vozes mais qualificadas do país sobre o tema. Confira tudo abaixo:
Como é feito o planejamento da segurança de um jogo? Quais fatores são analisados, quem participa desse processo e com que antecedência ele começa?
Marcus Mascarenhas: O planejamento de segurança para uma partida de futebol envolve diversas etapas para garantir a integridade dos jogadores, torcedores, equipe técnica e demais envolvidos. Os principais pontos a serem analisados são: 1) Realizar Análise de Risco - Nesta etapa, iremos realizar a coleta de informações e variáveis que tenham impacto relevante na partida. Uma vez de posse desses dados, realizamos a análise utilizando a metodologia de regressão logística para obter, matematicamente, o grau de risco da partida; 2) Realizar o Planejamento Operacional - Após mensurar o risco encontrado, partimos para a definição do Planejamento Operacional robusto. Em resumo, nessa etapa, quantificamos a mobilização de recursos humanos necessários para realizar a operação, verificamos os fluxos dos acessos, respeitando a setorização do estádio, realizamos a inspeção das instalações para garantia da conformidade com as normas e revisamos os controles de acesso e monitoramento; 3) Atendimento de Emergência e Primeiros Socorros - Revisão do plano operacional de saúde; 4) Treinamento e Comunicação - Revisão do plano de comunicação do staff e ocorrência de treinamento, caso seja necessário; 5) Plano de Ingresso - Nessa etapa, revisa-se o plano operacional no que tange aos controles de acesso às zonas de revista, à quantidade de catracas abertas e aos cálculos necessários para indicar que a absorção corresponderá à quantidade de público indicada no planejamento, para evitar confrontos na saída do estádio; 6) Escolta de torcidas organizadas - Nessa etapa, confirmamos se estarão mantidas as informações contidas no plano em relação às saídas e chegadas das delegações; 7) Monitoramento dos arredores do estádio serviços públicos auxiliares - Nessa etapa, confirmamos com os pontos focais se os horários indicados no plano operacional para a fase preliminar e fase de ingresso estão mantidos. Entende-se por instituição auxiliar órgãos da prefeitura e outras instituições que não fazem parte do quadro de forças públicas.
No dia da partida, até que ponto no entorno do estádio a segurança deve atuar? E, em média, quantas pessoas estão envolvidas nesse trabalho e de quais frentes elas vêm?
MM: A Copa do Mundo, sem dúvida, foi um divisor de águas para os operadores de segurança, tendo em vista que trouxe atualizações importantíssimas, deixando um legado que até hoje praticamos. Talvez um dos mais importantes tenha sido a figura do steward ou segurança privada, realizando a preservação do ambiente no interior das arenas. Antigamente, tínhamos a Polícia Militar realizando a segurança e preservação nos dois ambientes: externo e interno. Atualmente, o modelo adotado pelas arenas que receberam jogos da Copa do Mundo é a utilização interna de segurança privada para preservação do ambiente, sendo a Polícia Militar força de combate ou força de 2º nível. Hoje, na Arena Casa de Apostas Fonte Nova, atuamos com base na doutrina dos níveis de atuação das forças de segurança, que são: 1º nível – Atua somente a segurança privada, realizando a preservação; 2º nível – A segurança privada continua realizando a preservação, porém temos a Polícia Militar realizando o primeiro embate; 3º nível – Somente atuam as forças especiais, pois estas são as forças capacitadas para atuar na situação apresentada. O perímetro externo é realizado somente pelas forças públicas de segurança do estado e prefeitura local, ou seja, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, agentes de trânsito etc. No perímetro interno, as forças públicas só agem sob demanda. Se tratando das forças de segurança, a análise de risco elaborada para cada partida determinará o efetivo que será empregado. As frentes de trabalho das forças de segurança vêm dos responsáveis pelo poder decisório. Eles são os gestores que realizam a mobilização de recursos humanos conforme estudo prévio realizado.
Há um planejamento especial para jogos que envolvem grandes estrelas, como uma partida da Seleção Brasileira com Neymar? Que tipo de cuidados extras são necessários nesses casos?
MM: Vale lembrar que, se tratando de seleção brasileira, todos são estrelas. Porém, obviamente, uns demandam maior cuidado pelo apelo que têm com o público, e, se tratando de Neymar, esse é um deles. O planejamento de segurança da seleção brasileira é um trabalho realizado a "quatro mãos", e é importante escutar todas as áreas que estarão envolvidas para que possamos construir um plano que realmente atenda não somente ao aspecto de segurança, como também às necessidades das áreas. Falando do "Ney", ele sempre é um motivo de atenção redobrada em qualquer lugar do mundo. Portanto, temos, sim, uma atenção nesse sentido e buscamos realizar o planejamento de um modo que todos que estejam incorporados tenham o menor impacto possível em sua rotina de trabalho. A CBF tem um slogan que diz que a seleção é de todos e para todos. É muito importante o carinho e a interação do público, pois isso faz com que os jogadores e a delegação por completo se sintam vivos, e é o que nos faz manter a cabeça erguida para os desafios dos jogos em cada competição. Desse modo, a segurança deve ser "invisível", ou seja, estaremos sempre ali presentes, buscando cumprir o que foi planejado, porém com a mínima interferência possível, agindo, em casos necessários, de forma eficiente e eficaz para estancar a situação. A Equipe que realiza a segurança da delegação é bastante qualificada, com agentes de vasta experiência e cursos especializados para esse tipo de tratativa.
Você já trabalhou em eventos organizados pela CBF e pela Conmebol. Quais são as principais diferenças no planejamento de segurança em partidas dessas duas entidades?
MM: A grande diferença reside justamente no cumprimento de regulamentos e normas específicas das competições da Conmebol e da CBF. Para competições de responsabilidade da Conmebol, existe um regulamento da própria instituição aplicado às suas competições. Esses regulamentos devem ser seguidos e aplicados à competição que é de propriedade da Conmebol, tornando sem validade de aplicação o regulamento da CBF. Vale destacar que a Conmebol é subsidiária da FIFA em competições e torneios internacionais, tendo o poder fiscalizatório sobre a instituição membro do país onde está sendo sediado o torneio. Cumpre à instituição membro oferecer tudo o que for necessário para que a competição ocorra.

A segurança de jogos de clubes e de seleções exige abordagens muito diferentes? Quais são os principais pontos que mudam nesse tipo de evento?
MM: O planejamento é bem diferente quando se trata de seleções e clubes. Existem inúmeros aspectos que levamos em consideração. Talvez o que considero mais importante seja que, em um jogo, por exemplo, fora do país, costumo dizer que é semelhante a uma missão diplomática. É muito importante analisar que não é somente um time de futebol que se desloca para jogar em outro local, mas sim uma representação do país, que está em função oficial, realizando serviço à pátria, e, portanto, o planejamento obrigatoriamente é mais robusto. Outro ponto de grande diferença é o patrimônio ativo que estamos gerindo, e um impacto nesse "patrimônio" pode causar danos significativos, de impactos imensuráveis. Não querendo ofuscar a importância dos clubes de futebol, pois, do mesmo modo, requerem atenção, porém em um nível mais inferior.
Você já atuou em partidas realizadas em diferentes estados e até fora do país. Além da questão geográfica, como o local do evento impacta o planejamento da segurança? A cultura e o comportamento das torcidas do local influenciam nesse processo?
MM: Sem dúvida, quando se trata de jogos de futebol, dois fatores têm um impacto significativo na análise de risco. O primeiro é a rivalidade entre as equipes e o histórico de confrontos entre suas torcidas. Essa variável influencia diretamente o planejamento da segurança, servindo como base para definir as medidas preventivas mais adequadas para a partida. A segunda variável essencial é a quantidade de público presente no estádio. A estimativa de espectadores é fundamental para a organização do evento, garantindo que a estrutura do estádio esteja preparada para recebê-los de forma segura. Esse dado deve ser considerado em conjunto com a análise de risco, permitindo que o planejamento contemple estratégias de controle de acesso, posicionamento da segurança e ações de emergência.
Em mais de 10 anos de experiência na área, qual foi o evento mais desafiador e que mais exigiu atenção no planejamento da segurança?
MM: Cada evento tem sua importância e seus desafios, mas, sem dúvida, o jogo mais complexo que já gerenciamos foi Brasil x Argentina no Maracanã, pelas Eliminatórias de 2024. Organizar uma partida entre duas das seleções mais lendárias do futebol mundial sempre será um grande desafio, pois a rivalidade entre jogadores e torcedores é praticamente "umbilical". Especificamente nessa partida, enfrentamos uma briga generalizada entre torcedores argentinos e brasileiros, o que nos obrigou a acionar o nível 3 das forças de segurança. A confusão resultou na paralisação do jogo por 30 minutos. Nossa equipe conseguiu garantir a segurança da comissão técnica e dos jogadores, retirando-os do campo de forma segura para os vestiários, enquanto trabalhávamos para conter os tumultos nas arquibancadas. Seguimos rigorosamente o plano de segurança elaborado para a partida, ativando cada nível de resposta conforme a evolução do cenário. Além disso, realizamos um gerenciamento interno eficaz para que as equipes pudessem retornar ao campo de jogo com segurança.
Como você avalia a decisão de manter o clássico Ba-Vi com torcida única desde 2018? Acredita que é possível retomar a presença das duas torcidas com segurança? Quais medidas seriam necessárias para viabilizar isso?
MM: A atuação de todos os envolvidos foi extremamente assertiva. Vale ressaltar que, desde 2018, com o cumprimento da recomendação do Ministério Público, os índices de ocorrências envolvendo brigas entre torcedores na Arena Fonte Nova reduziram drasticamente. Atualmente, quase não há registros desse tipo de incidente na delegacia instalada dentro do estádio. Esse resultado positivo foi alcançado graças a diversas reuniões realizadas com as instituições interessadas e, principalmente, ao posicionamento firme do Esporte Clube Bahia e do Esporte Clube Vitória. Ambos os clubes se manifestaram contrários ao retorno da torcida mista, justamente por conta do histórico de confrontos entre torcedores. Além disso, muitas das ocorrências registradas no passado, apesar da identificação dos envolvidos, não resultaram em punições efetivas por parte do poder público.
*Sob a supervisão do editor Léo Santana