
Em uma rua de terra na Vila Santa Catarina, no bairro Caseb, em Feira de Santana, os portões da casa 2033 se abrem e as escadas em um corredor estreito levam meninas a um espaço onde sonhos e dança se unem como um par perfeito que mira os grandes palcos da vida. No Stúdio Cleide Santos, cores, sons, concentração, disciplina e sorrisos compõem o roteiro do projeto “A Dança Salva Vidas”, uma iniciativa que oferece aulas gratuitas de balé e dança contemporânea para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Na pequena sala tomada de sons e desafios, de frente para os espelhos que refletem tantos talentos, a professora Cleide Santos conduz com maestria dezenas de bailarinas calçadas com as sapatilhas gastas, mas com a esperança sempre renovada, em um caminho rumo a novos horizontes. E quando as meninas começam a dançar, o espaço se enche de brilho.
“A dança realmente salva vidas, temos relatos de ex-alunos que superaram dificuldades, venceram desafios e que hoje têm belas histórias de vida. A dança, para mim, está em todos os espaços de nossas vidas e vai muito mais além dessa grandeza que vemos aqui nesta sala de aula”, afirma.
Com o coração repleto de gratidão, Cleide lembra de jovens que abandonaram o mundo das drogas através de intervenções do projeto. “A dança tem um forte poder transformador. Já tive durante essa minha caminhada alunos me entregando drogas, numa prova de que a dança, depois de Deus, tem esse poder de conseguir tirá-los desse mundo das drogas. Meninas que se mutilavam conseguiram com a dança acalentar a alma, se livrarem da depressão. Quando a gente dança, a gente bota pra fora o que a gente está sentindo”, relata.
Hoje pedagogo Nilton Cruz, 24 anos, é um bom exemplo de transformação através da dança. Ele conheceu a professora Cleide ainda na escola, de forma “despretensiosa”, aos 16 anos de idade. “Comecei a dançar na escola, no projeto Mais Educação. Só queria mesmo praticar um hobby. E lá fui convidado pela professora para entrar no estúdio e participar de danças, testes e espetáculos. A dança me proporcionou muitas coisas, como a disciplina, por exemplo, que se tornou um recurso essencial para me desenvolver na pedagogia. A dança me trouxe mais cultura e valores para que seja hoje uma pessoa melhor”, afirma.
E, com o intuito de levar esperança de dias melhores para outras famílias, A Dança salva Vidas também atua em outros bairros e em algumas cidades vizinhas. “A sede fixa do projeto funciona no bairro caseb, mas ele abraçou Feira e os interiores”.

“FARDO PESADO PARA CARREGAR SOZINHA”
Mas, entre ritmos e coreografias, as dificuldades se apresentam como pedras nos sapatos. Numa luta diária para manter-se de pé, a idealizadora do projeto se apega à fé e não descansa em uma rotina diária de apelos e torcida por apoios e patrocínios por parte de empresários e poder público.
“Temos vários talentos em nosso projeto, e a nossa maior dificuldade hoje é não temos condições de arcar com as despesas para essas meninas irem em busca de seus sonhos. Muitas delas recebem convites para dançar fora, fazer intercâmbio, cursos, oficinas e a gente não tem recurso para esse fim”, lamenta Cleide.
Mesmo diante das dificuldades, a solidariedade e a perseverança estão sempre presentes. Como explica a idealizadora, cada pequena ajuda é um passo de dança a mais que conseguem dar. “Esse projeto também ajuda famílias carentes com cestas básicas, remédios. Também existem pessoas que apadrinham o projeto pagando um recibo de luz, de água. Recentemente chegou para mim um pedido de cadeira de rodas, e nós conseguimos com a nossa professora de dança do ventre essa doação. Posso dizer que por trás desse projeto existem muitas pessoas com coração de Deus”, celebra.
O risco de encerramento das atividades é real. Cleide sabe que o caminho é difícil, mas não pensa em desistir. “O fardo está ficando pesado, pesado para carregar sozinha. precisamos da ajuda de todos. Mas, enquanto houver uma menina acreditando que pode mudar a própria história por meio da dança, eu estarei aqui”, afirma. E assim, entre piruetas e sorrisos, A Dança Salva Vidas segue honrando a missão a que se propõe: salvando sonhos, resgatando autoestima e plantando esperança.

SONHO E INSPIRAÇÃO
Entre as alunas, uma das mais dedicadas é Manuela Sampaio, de 11 anos, moradora do bairro Pedra do Descanso. Há um ano participando das aulas do projeto, a garotinha se prepara para decolar rumo ao rio de Janeiro para participar de um teste para a Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica. De acordo com Cleide, Manuela deverá permanecer durante 15 dias no Rio de Janeiro.
Os custos da viagem são a maior barreira para a realização deste sonho. Mas não desanima a atleta, que, com os olhos brilhando, fala sobre o desejo de se tornar uma ginasta profissional e cita Rebeca Andrade, bicampeã olímpica e considerada a maior atleta da modalidade no Brasil, como sua maior inspiração.
“A minha paixão é realmente a ginástica. Quero ser como a Rebeca. Ela veio de baixo, superou dificuldades e venceu, é hoje uma grande referência para todas nós meninas que também sonhamos em crescer na modalidade.. Eu também quero vencer!”, diz, antes de voltar para o ensaio, girando com leveza e firmeza.
Manuela não economiza nos sonhos e já projeta um futuro promissor através da dança. “Eu pretendo viajar para longe, competir, dançar, viver da dança, que é a minha maior paixão”, declara, reconhecendo as transformações positivas promovidas pelo projeto em sua vida. “Desde que cheguei aqui no projeto, no ano passado, muita coisa mudou em minha vida, em minha rotina; Eu tenho hoje hábitos melhores, melhor condição física, coordenação motora melhorou bastante, assim como a minha flexibilidade”, relata.
Consciente do que deseja para o futuro, Manuela não vacila com os estudos, na certeza de que dança e educação formam um verdadeiro par de sucesso. “Às vezes fica bem puxado vir para o projeto ensaiar e estudar, mas isso não me atrapalha, eu consigo hoje ser uma menina mais organizada e dar conta das atividades da escola e das aulas de dança”, garante.

RESILIÊNCIA NOS PALCOS
Os resultados de tanta dedicação poderão ser vistos por toda a sociedade nos dias 19 e 20 de dezembro, às 19h30, no Centro de Cultura Amélio Amorim. Os ingressos custam R$ 20. Com roteiro e direção artística da professora Cleide Santos, o espetáculo vai reunir diversas modalidades artísticas, como ballet, jazz, dança moderna, dança contemporânea, dança do ventre, neo clássico e ginástica rítmica.
A escolha do nome do espetáculo reflete toda a trajetória de conquistas, desafios, medos aprendizados e ensinamentos do projeto. “Esse espetáculo é o reflexo de toda a nossa caminhada. Ele é feito para cada uma das alunas que já passaram por aqui. Sabemos que tudo na vida tem começo, meio e fim. E que sempre renascemos com mais força e acreditando que tudo valeu a pena”, conclui.
Informações sobre como ajudar o projeto “A Dança Salva Vidas” a manter as portas abertas estão disponíveis no perfil do Instagram @stcleidesantos e através do WhatsApp (75) 98332-3848.
