De Cipó, no interior da Bahia, para o mundo, a zagueira baiana Rafaelle Souza, chegou na Seleção Brasileira principal ainda uma menina, mas os anos se passaram e atualmente, após 13 anos vestindo a Amarelinha, é uma das líderes e referências da equipe.
Aos 33 anos, a defensora joga no Orlando Pride, dos Estados Unidos, e recentemente viveu um novo marco na sua carreira, no dia 4 de junho, ao defender a o Brasil pela primeira vez na Arena Fonte Nova, em Salvador, diante dos seus familiares, amigos e conterrâneos.
O momento caracterizado por Rafaelle como “surreal e difícil de escrever”, fez parte do último amistoso da Seleção antes do início das Olimpíadas de Paris 2024. “A gente que sonha representar o nosso país, você conseguir representar na sua cidade, com sua família, com os amigos próximos, acho que é o maior reconhecimento que você pode ter como atleta, né?! Eu estava muito feliz de estar conseguindo aquilo”, afirmou a zagueira em entrevista ao Portal MASSA!.
Liderança e experiência
Olhando para o passado em uma leve comparação e reflexão sobre a Rafaelle que vestiu a camisa da Seleção Brasileira em 2016 na Olimpíada do Rio de Janeiro para a jogadora que irá para Paris, a atleta pontuou que inúmeras coisas mudaram ao longo desse tempo. “Falando dentro de campo, eu sempre vou dar o meu melhor, eu sempre vou dar meu máximo, eu acho que é isso, a experiência conta muito, né, e a gente depois de viver tanto isso, eu sempre vou ter o friozinho na barriga ali, independente de ser Olimpíada ou de ser um jogo amistoso, acho que isso é o que move a gente”, iniciou.
Com o caminho trilhado, a baiana notou a grande experiência e responsabilidade adquirida ao longo do tempo. “Acho que essa experiência que eu tenho, hoje eu tenho muito mais responsabilidade na Seleção, antes eu era uma menininha que estava ali ajudando o grupo, hoje como uma das líderes eu tenho o papel muito mais importante às vezes não só dentro de campo, mas fora de campo para ajudar e incentivar as meninas mais jovens”, completou a atleta.
Toda experiência, citada por Rafaelle, faz dela um ponto de referência para as atletas mais novas da Seleção. Com um forte papel de líder, a capitã busca usar seu papel ao ajudar no mental das jogadoras.
“Acho que minha experiência mais é da gente saber lidar com as situações, acho que vai muito da parte, hoje futebol é um esporte muito mental, então, eu passo um pouquinho disso que a gente precisa estar preparado não só fisicamente, tecnicamente, taticamente, mas quando a gente entra ali em campo a gente tem muito do mental. [...] Então, eu sempre converso muito com as meninas mais jovens que a gente tem que estar pronto para todos os cenários. O meu papel de liderança é mais esse, é mais nessa parte mental, de incentivar as meninas, elas entenderem que a gente vai precisar de todo mundo”, destacou a defensora.
Preparação e convocação
Vivendo uma boa fase tanto no Orlando Pride, quanto na Seleção Brasileira, Rafaelle avaliou seu atual desempenho físico e mental como em “ótima forma”. Segundo a zagueira, existem pontos importantes para chegar bem mentalmente e fisicamente para disputar a Olimpíada.
“Eu acho que agora é mais a gente estar junto com o elenco, com o grupo. Acho que é mais a gente aproveitar agora esse tempo, treinar juntos, ter mais entrosamento, a gente conhecer melhor uma a outra, jogar junto, acho que isso é muito importante para a Olimpíada, a gente precisa estar 100% preparadas para todos os cenários”, completou a baiana.
A chegada de Arthur Elias e a Copa Ouro
No dia 30 de agosto de 2023, a técnica Pia Sundhage caiu do comando da Seleção Brasileira um mês após a eliminação da Canarinho ainda na fase de grupos da Copa do Mundo Feminina. Dias depois, em 1º de setembro de 2023, o treinador Arthur Elias foi anunciado como novo comandante das Guerreiras do Brasil.
Com a mudança técnica, Rafaelle analisou que a principal diferença dos treinadores é que Arthur Elias possui um modelo de jogo mais ofensivo de estar com a bola o tempo inteiro, enquanto Pia possuía um estilo mais conservador de duas linhas de quatro bem definidas.
“A mentalidade de trabalho com Arthur Elias é uma mentalidade bem ofensiva, né, acho que a gente quer estar com a bola o tempo todo, a gente faz uma marcação pressionando o adversário, então, é essa mentalidade de estar sempre com a bola, a gente quer sempre estar com a bola controlando o jogo. Mas, a Olimpíada, às vezes, a gente não vai conseguir fazer isso o tempo todo”, iniciou a zagueira.
“Eu acho que a diferença da Pia é que ela tinha esse modelo europeu, dos bloquinhos bem definidos, então a gente tinha uma defesa muito boa, porque o time todo defendia, a gente às vezes jogava mais recuado, a gente tinha essa estratégia mais defensiva, eu acho que a principal diferença do trabalho da Pia para o Arthur é essa”, completou Rafaelle.
Com a mudança tática e de mentalidade, a Seleção Brasileira Feminina conseguiu surpreender na disputa da Copa Ouro, em maio de 2024, sob comando de Arthur Elias. Na competição, a Canarinho conquistou o segundo lugar, ao perder a final para os Estados Unidos por 1 a 0.
“A gente tinha um elenco que não vinha sendo convocado, acho que o Arthur nessa convocação da Copa Ouro, ele misturou bastante as jogadoras, teve jogadoras novas, então, a gente está em um ano Olímpico, e a gente vê que ainda está buscando o time ideal, né?!”, comentou Rafaelle.
Sobre os pontos que ainda precisam ser ajustados até a disputa da Olimpíada, a zagueira citou que o maior desafio, no momento, é trabalhar a formação do grupo. “Eu acho que o que a gente está trabalhando ainda é formar esse grupo, acho que esse é o maior desafio da Seleção, formar esse grupo. Aí depois desse grupo formado, a gente vai pensar melhor de acordo com os adversários, o que a gente vai fazer na marcação, acho que treinar bola parada vai ser bem importante. Definindo o grupo, a gente vai estudar os adversários, a gente vai ver qual a melhor estratégia, mas a princípio agora é definir as 18 jogadores”, disparou a capitã.
Adversários
O Brasil caiu no Grupo C da Olimpíada de Paris, ao lado da Nigéria, Japão e Espanha, atual campeã da Copa do Mundo, e Rafaelle prevê muitas dificuldades na competição. “São confrontos bem difíceis, sempre difícil enfrentar uma Seleção que acabou de ganhar uma Copa do Mundo, a Espanha têm um estilo de jogo um pouco parecido com o nosso, mas elas vem de uma crescente muito grande nos últimos anos. A gente vai também pegar um Japão que tem um estilo de jogo diferente, um jogo mais técnico, um jogo mais tático ali, com passes curtos, um pouco parecido com a Espanha. A Nigéria, que é uma Seleção de mais força, de mais velocidade, difere um pouco das outras duas”, pontuou.
Para a zagueira, as seleções classificadas serão decididas nos detalhes de cada partida, já que tudo pode ocorrer em uma competição rápida. “É um grupo bem difícil, eu não digo que tem favorito, eu não coloco a Espanha como favorita, porque eu vi um Japão, que eu acho que na última Olimpíada que ganhou da Espanha também e a Espanha depois foi campeã mundial. Tudo pode acontecer, eu acho que será definido os detalhes. A Espanha é uma das favoritas, porque ganhou as últimas competições, mas a Olimpíada é uma edição tão curta, tão rápida, com grandes Seleções que é difícil você acertar quem será campeã”, indicou.
Fonte de inspiração
Seguir a carreira de ser jogadora de futebol não é e nunca fui um sonho fácil. O caminho trilhado pela zagueira ao sair do interior da Bahia até chegar na Seleção Brasileira Feminina não foi algo fácil, mas hoje ela é vista como fonte de inspiração para as jovens atletas que possuem o mesmo sonho da pequena Rafaelle: ser feliz com a bola no pé.
“É uma responsabilidade muito grande levar isso, porque eu acho que acaba sendo marcada por isso, eu sou a única baiana então eu quero dar sempre o meu melhor, não só pelo meu país, mas também pelo meu estado. Acho que hoje meu papel principal como jogadora é justamente inspirar outras meninas, que assim como eu saíram de cidades do interior da Bahia, consegui chegar na Seleção, consegui ter uma carreira internacional”, relatou ela.
Sem querer ser somente motivo de inspiração, Rafaelle declarou o seu desejo de deixar seu legado como jogadora para que novas atletas acreditem na força do futebol feminino. “E você poder fazer isso, saindo de onde eu saí, com as dificuldades que eu tive lá atrás, eu acho que acaba inspirando e mostrando para as próximas meninas que é possível, então hoje, meu papel é isso, eu quero deixar um legado que as pessoas acreditem mais no futebol feminino, não somente como uma brincadeira, que é o que eu achava que seria uma brincadeira para mim, mas também como uma profissão, como um esporte que vai ajudar não só a atleta a ser uma pessoa melhor, mas também pode ajudar a família”, finalizou.