
Com o acesso à internet, a molecada tem deixado de viver a infância como deveriam. No lugar da brincadeira, do erro e do descanso, entram seguidores, vídeos, curtidas e, em alguns casos, até responsabilidades que caberiam a adultos. É o que especialistas chamam de adultização infantil, e, os efeitos disso podem ser mais pesados do que se imagina.
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Um exemplo que tem dado o que falar nas redes é o de Miguel Oliveira, de 15 anos. Chamado por muitos de “pastor mirim”, o jovem chama atenção com vídeos de pregação, supostas curas milagrosas e até 'tradução' de línguas espirituais durante cultos. Seu Instagram já bateu a marca de 1 milhão de seguidores, número que deixaria muito influencer veterano no chinelo.
Mas por trás do que é exibido na net surgem questionamentos sérios: até que ponto uma criança pode assumir o papel de líder espiritual? Miguel está tendo espaço pra viver a própria infância?
“A adultização infantil acontece quando a criança é colocada em um papel que não corresponde à sua fase de desenvolvimento”, explica a psicóloga Danny Santos. A profissional alerta que isso geralmente ocorre em contextos onde os limites entre gerações se confundem, o que leva a criança a carregar responsabilidades emocionais que não são próprias dela.
A partir do momento que a criança assume responsabilidades desta natureza, são ‘obrigadas’ a estar o tempo todo produzindo, agradando e sendo vistas, o que gera uma ansiedade que tira a leveza da infância.

Fama demais, infância de menos
Nessa onda, a internet funciona como uma vitrine cheia de filtros e aplausos, mas que nem sempre mostra a realidade:
“Tem menino que perde a espontaneidade, que não sabe mais brincar se não for pra mostrar no vídeo. E quando a aceitação passa a depender de curtida, o impacto psicológico é sério”.
Danny Silva
Ainda segundo a profissional, o que muitos não percebem é que o peso da exposição também interfere no comportamento de crianças e adolescentes. Eles começam a se preocupar excessivamente com a aparência ou a buscar reconhecimento de forma precoce.
Base emocional vem de casa
Dentro de casa, os reflexos da adultização também são visíveis. Crianças que passam a ocupar posições de conselheiros ou lideranças, como ocorre com Miguel, assumem papéis que pertencem a adultos: “Essa inversão pode desorganizar a dinâmica familiar, fazendo com que a criança deixe de ser cuidada para se tornar quem cuida”.
A fé, ainda que importante, também pode contribuir para essa sobrecarga emocional. Quando usada de forma exagerada, a espiritualidade pode se transformar em instrumento de pressão. No caso de Miguel, a especialista chama atenção para o tipo de autoridade espiritual que vem sendo atribuída a ele.
“A Bíblia apresenta os anciãos como conselheiros. Hoje, vemos crianças de 10, 12, 15 anos aconselhando adultos. Isso precisa ser observado com cautela. Uma criança ainda precisa ser cuidada, não o contrário”, ressalta.
Solução
Para situações como essa, a psicóloga recomenda a abordagem da terapia sistêmica, que considera não apenas o indivíduo, mas o contexto familiar e social em que está inserido. “O foco é compreender como o ambiente ao redor influencia a formação e o bem-estar da criança”, explica. Ela reforça que reconhecer talentos desde cedo é positivo, mas é fundamental garantir que a infância não seja atropelada por expectativas e responsabilidades que ainda não deveriam fazer parte dessa fase da vida.
*Sob a supervisão do editor Pedro Moraes