Falar da música da Bahia é o mesmo que abraçar uma imensidão de ritmos e possibilidades. Em meio aos batuques percussivos do axé, ao teclado sofredor do arrocha e até ao groove do pagoão, o rock existe e resiste. Nesta semana foi comemorado o Dia Mundial do Rock e o Portal MASSA! conversou com roqueiros baianos que transformaram o amor por este gênero musical em um estilo de vida.
Quem pensa que o rock não tem nada a ver com a Bahia, não entende muito de história. Com grandes referências do estilo para o cenário nacional e internacional, o estado se mostrou um verdadeiro berço de estrelas, como o eterno “Maluco Beleza”, Raul Seixas, as bandas ‘Cascadura’ e ‘Maglore’ e até uma das vozes femininas mais potentes do Brasil, Pitty.
Cantor faz tributo às lendas do rock
É através dessas e tantas outras referências que Renato, do Renato Coelho Rock Club, celebra a potência do rock baiano com um projeto em tributos aos grandes nomes do rock. Diferente de bandas que fazem cover, o intuito do tributo é homenagear seus ídolos com o seu próprio estilo. “A gente toca as músicas que nos formaram, resgata a sonoridade do rock nacional, do ápice do rock nacional, mas de uma forma mais moderna, do nosso jeito”, explicou ele.
Renato Coelho leva para os palcos o mesmo encanto que tinha quando era criança e escutava ‘Engenheiros do Havaí’ e ‘Paralamas do Sucesso’ no rádio do carro do pai na hora de buscar a mãe no trabalho. Estar na cena musical baiana é reacender aquela paixão que surgiu quando ele era menino todos os dias. “É um sentimento de prazer e satisfação mesmo da gente poder reproduzir músicas que fizeram parte da nossa vida, que formaram a gente como músicos. Esse foi o gatilho para a gente começar a fazer esses tributos”, disse o cantor.
O artista reconhece a “falta de espaço para o rock”, mas comemora a retomada da busca pelo rock nacional na Bahia. Para ele, as coisas mudaram depois da pandemia da Covid-19. “Isso tem mudado, as casas estão se propondo dar espaço para o rock'n roll”, opinou.
Guitarrista cria boteco que só toca rock em Salvador
A visibilidade que Renato Coelho deseja é a mesma que Favila Xavier sonha. O guitarrista da banda ‘Via Local 2’ é proprietário de um boteco que só toca rock. A ideia de criar um lugar assim surgiu pela sua paixão pela música, mas também pela necessidade de ter mais espaços para o ritmo na capital baiana. Para ele, bares e casas de show estão tocando cada vez mais “músicas populares” e isso tem afetado diretamente o acesso das novas gerações ao rock. “Sou um roqueiro das antigas que faz questão de ouvir tudo que faça bem aos ouvidos e a alma. O rock é uma dessas músicas”, disse ele.
Localizado no bairro de Pirajá, em Salvador, o estabelecimento do músico reúne canções nacionais e internacionais, tem apresentações ao vivo e até karaokê para os clientes uma vez por semana. Segundo Xavier, o boteco dele também é uma forma de fazer com que os fãs de rock tenham um lugar onde se identifiquem e que os artistas possam manter as tradições roqueiras vivas. “A chama do rock sempre foi mantida pela a galera do underground baiano que nunca esteve nos holofotes, mas está nos bares como o meu, pequenos e quase sem recursos pra poder pagar um cachê decente para as bandas que aqui vêm tocar e encher a casa”, falou.
O músico e empresário também fez uma crítica a falta de investimentos públicos para fomentar ainda mais o rock baiano: “Gostaria que as políticas públicas e culturais da nossa cidade incluíssem o rock underground nas pautas e que não só no Carnaval tivéssemos uma oportunidade e sim que fosse o ano todo”.
Rock no Carnaval de Salvador
A produtora cultural e presidente da Associação Cultural Clube do Rock da Bahia (ACCRBA), Sandra de Cássia, é uma das maiores representantes da luta pela valorização do rock baiano. Ela organiza o ‘Palco do Rock’, evento que acontece desde 1994, em pleno Carnaval de Salvador.
O Palco do Rock traz oportunidade para artistas fazerem o seu trabalho em um dos períodos mais movimentados do ano e fãs do gênero aproveitarem o auge do verão soteropolitano ao som do ritmo que tanto gostam. Algumas pessoas acham que Carnaval e Rock não combinam, mas Sandra defende que há lugar para todos. “Carnaval é uma festa popular, democrática, acreditei que nos cabia”, disse ela.
Como organizadora do evento, a produtora enfrenta alguns desafios. Sandra relatou que “todas as demandas são muito difíceis”, especialmente porque o Palco do Rock é destinado a bandas independentes, Mas isso não paralisa o trabalho, que já ocorre há quase 30 anos.
É preciso celebrar o rock baiano
O baterista Dieguito Reis, que já tocou em bandas como a ‘Vivendo do Ócio’, mergulhou no mundo do rock no início dos anos 2000, época em que ainda estava na escola. Um grande amigo dele, Galf, apresentou a ‘Pastel de Miolos’ e desde então ele soube que esse era o caminho que queria seguir. “Eu tinha uns 12 anos mais ou menos, a partir desse dia tudo mudou. Nessa época a gente ouvia de tudo, hard core, metal, rap, toda essa atmosfera acabou me jogando cada vez mais no universo da música, até que comecei a tocar bateria”, contou ele ao Portal MASSA!.
Para Dieguito, o gênero musical tem um grande poder de “salvar vidas” e deve ser preservado: “O Rock pra mim significa existir. Conheci o Rock na periferia em um momento da juventude que tudo o que queríamos era existir. Muito dos lugares que ocupei até então foi pelo acesso que o rock me deu, como diz meu grande amigo ‘Galo de luta’, o acesso muda tudo. A gente precisa de acesso pra nos sentir vivos e o Rock pode ser uma ferramenta importante pra isso”.
Dieguito Reis ainda refletiu sobre como o rock baiano tem potencial a ser explorado e relembrou as grandes conquistas profissionais, como o dia em que dividiu o palco com ‘Lou Reed’ no ‘Italia Wave Love Festival’ e nas ocasiões em que participou dos maiores eventos do país. “Tudo isso só foi possível porque a ‘Vivendo do ócio’ sempre foi e sempre será uma banda de Rock Baiano. A gente era muito bem tratado em todos os lugares, muito pelo legado do rock baiano que ecoa nos quatro cantos desse Brasil”, falou ele.