
No segundo domingo de maio, os lares se enchem de flores, abraços apertados e palavras carregadas de afeto, todas dedicadas às mães que tanto amamos e admiramos. É um momento de celebração, de reconhecimento do papel fundamental que cerca de 70 milhões de mães no Brasil, de acordo com uma pesquisa do Datafolha, revelada há um ano, desempenham todos os dias em nossas vidas.
No entanto, há um detalhe dessa maternidade que muitas vezes é esquecido ou invisibilizado: as mães de pessoas trans e as mães trans. Uma pesquisa inédita feita em 2021 pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB/Unesp) apontou que aproximadamente 20.700 mulheres no Brasil são mães de pessoas transgênero, um número que revela a diversidade da experiência materna em nossa sociedade. Durante a produção desta reportagem, não foram encontrados dados sobre o número de mães trans no país.

É neste contexto que a coluna Sabendo Com Vini, do Portal MASSA!, traz à tona histórias inspiradoras. Escutamos o relato de Dona Márcia Mascarenhas, de 50 anos, uma mãe que, com todo o seu amor, acompanha de perto a trajetória de sua filha trans, a cantora Tertuliana Lustosa, de 27 anos, sendo um porto seguro em meio ao preconceito e à transfobia. Também escutamos a corajosa voz de Yuna Vitória, uma mãe trans, que desafia estereótipos e preconceitos, demonstrando que a maternidade transcende rótulos e definições, ensinando que a maternidade para pessoas trans, por meio de sua vivência como mãe do pequeno Dionísio, de 4 anos, é real e potente.
Elas respondem o que é ser mãe
"É uma missão que a gente tem. E isso a gente vai aprendendo a cada dia, porque a gente não nasce mãe, a gente se transforma a partir do momento em que tem um filho. É um caminho de evolução, principalmente quando você tem que passar, como é o meu caso, com Tertuliana. Eu tive que passar por uma transição, porque não é só o filho que passa, a mãe também passa, porque você vai reaprender muitas coisas. É de uma grandiosidade, você passar por esse processo, e você perceber que se vivesse 200 anos sem passar por esse processo não teria evoluído tanto, porque eu tive que aprender a não discriminar, a ter um olhar diferente para o próximo, a entender o mundo de uma forma diferente. Eu acho que é esse o legado maior", afirmou Dona Márcia Mascarenhas ao falar sobre o que é ser mãe ao acompanhar a transição de gênero da filha.
Yuna Vitória também abriu o coração sobre o que é ser uma mãe: "Para mim, ser mãe é estar em um eterno estado de disputa pelo reconhecimento deste lugar. É um local de constante aprendizado, de experimentação. Enquanto mulher trans, nunca me foi oferecido como possibilidade a maternidade, então não tenho grandes exemplos que me inspirem a me tornar mãe e nem fui treinada para estar neste local, porque sabemos que em nossa sociedade determinados gêneros são treinados e preparados para isso. Mas ainda assim é um local onde é possível [vivenciar] alegrias e felicidades."
Maternidade e descobertas

Dona Márcia revelou que descobriu que era mãe de uma mulher trans no período em que a filha estava cursando o ensino superior. "Ela começou de uma forma suave ao dizer 'Sou Gay'. Eu já tinha em mente, porque a gente percebe desde cedo, e falei: 'Sua mãe já sabe mais ou menos sobre isso'. Quando ela veio com o processo de transição, ela não foi muito suave, porque eu acho que ela tinha medo de uma negativa minha, então ela já veio com muita força porque ela foi para a faculdade vestida de menina e perguntei: 'Você vai fazer alguma apresentação?' Ela disse: 'Não, mãe, a partir de hoje meu nome é Tertuliana, me sinto menina'", contou, ressaltando que vive com constante aprendizado com a filha trans.

Já Yuna Vitória revelou que descobriu como mulher trans que queria ser mãe quando recebeu um diagnóstico que apontava para a infertilidade. "No decorrer do processo transexualizador, fazendo os exames hormonais, recebi a notícia da minha médica de que meus gametas sexuais estavam praticamente suspensos. Foi nesse momento que falei: 'Quero ser mãe', pois já sabia desde muito nova que queria transmitir o amor e a educação para uma criança, assim como minha mãe fazia comigo", afirmou, pontuando que Dona Lene, sua mãe, sempre foi a sua maior referência e exemplo enquanto mulher cis, do que é ser mãe.
Quando Yuna Vitória recebeu o diagnóstico indicando uma possível infertilidade, já estava em um relacionamento de dois anos com Theo Brandon, um homem trans. Decidiram então planejar a concepção de Dionísio de forma natural. Depois de um ano de tentativas, conseguiram conceber a criança, que foi gestada pelo pai. Após o nascimento, Yuna Vitória moveu uma ação judicial para ser reconhecida no registro de nascimento como a mãe de Dionísio e Theo Brandon como o pai.
Celebração do Dia das Mães

Em seguida, Dona Márcia fez uma reflexão sobre como celebra a data comemorativa do Dia das Mães. "Com gratidão, porque Tertuliana para mim é um instrumento da minha evolução. Porque tudo o que acontece, eu sempre levo para esse lado. Às vezes tenho dificuldade em entender, mas sempre acho que Tertuliana é o meu instrumento para evolução na Terra. Não existe Márcia sem Tertuliana, até porque somos super unidas e ela sempre me coloca na vida dela de forma muito forte, e eu sempre abraço essa causa. É um fruto dividido da forma que vier", declarou.

Já Yuna Vitória afirmou que celebra o 12 de maio analisando os avanços na sociedade que possibilitam às mulheres trans serem mães. "Celebro... Hoje sou convidada a falar sobre parentalidade trans em maternidades, em congressos acadêmicos, e não escuto mais barbaridades como as que escutava no nascimento de Dionísio. Então, hoje a sociedade avançou. Celebro esse avanço, que me atinge e me traz não uma sensação de dever cumprido, mas de desagravo, sabe? Eu mereço ocupar esse lugar, que na minha época foi negado e disseram que nunca chegaria. Então, em uma sociedade em que muitos ainda tentam dizer 'não, você não pode ser mãe', é entre pares que celebro e observo os avanços. Isso me faz sentir prestigiada e é uma forma do mundo me pedir desculpas por tudo o que foi feito."
De mães para mães

Por fim, Dona Márcia transmitiu uma mensagem para outras mulheres que têm filhos LGBTQIAPN+. "Coloquem sempre o amor na frente. A gente costuma dizer que o amor é algo clichê, mas não é. O amor é um mandamento e devemos amar nossos filhos independentemente de qualquer situação. É esse amor, essa força... tanto para o seu filho quanto para sua filha. Quando os outros veem que você é uma mãe que ama seu filho de forma grandiosa e tenta entender a situação, isso transmite uma positividade [e diz] 'Eu também vou seguir por esse caminho, tentar aceitar e entender'. Essa é a mensagem que quero transmitir, de amor", afirmou a mãe de Tertuliana Lustosa.

Yuna Vitória também deixou um recado do Dia das Mães para mulheres trans que sonham com a maternidade. "A todo momento, o reforço será negativo, pois ainda vivemos em um país estruturalmente transfóbico, mas vocês podem, porque onde há poder, há contrapoder. Hoje, muitas coisas avançaram. Além da rede de afeto que muitas pessoas trans criam, nós temos dispositivos legais suficientes para amparar projetos de planejamento sexual e reprodutivo. Já temos maternidades que atendem mulheres cis e trans. Então, não desistam. A maternidade será um local de disputa, mas também de fortalecimento e amparo. Qualquer dúvida, procure a Defensoria Pública", finalizou a mãe do pequeno Dionísio com o sorriso no rosto.