O Dia da Mulher pertence a todas, incluindo as mulheres trans. O 8 de março é uma oportunidade não apenas para celebrar a luta por igualdade e espaço na sociedade, mas também para lembrar e exaltar nomes que estão fazendo história, trazendo visibilidade e inspirando pessoas. Na Bahia, entre essas personalidades, destacam-se a cantora trans de pagode baiano Tertuliana Lustosa, e Lunna Montty, coreógrafa, modelo e DJ trans.
Ambas desafiam estereótipos, contribuindo para a diversidade, não apenas no Dia Internacional da Mulher, mas todos os dias. Ao MASSA!, elas compartilharam suas experiências de vida, refletiram sobre o poder transformador de seus trabalhos e o impacto significativo que têm na vida das pessoas, sobretudo na história de outras mulheres cis e trans.
"Lugar de transbordação/transbordamento"
Lunna Ramos, de 23 anos, conhecida como Lunna Montty, cria dos bairros Sussuarana e Novo Horizonte, em Salvador, descobriu sua paixão pela dança na adolescência, em 2012. Naquela época, não imaginava que a arte da dança se tornaria sua profissão no futuro, levando-a a ocupar espaços de destaque como mulher trans, ao desfilar no São Paulo Fashion Week, estampar uma campanha de um grande shopping center de Salvador e ser convidada e chamada por Beyoncé para performar no palco durante passagem da astro pela capital baiana. Logo no início da entrevista, Lunna Montty falou sobre a importância da representatividade para que outras meninas trans possam existir e sonhar.
"Eu acho que, sendo essa pessoa de grande referência, acredito que a referência não vem apenas de mim, mas também de outras pessoas. Acho que é uma referenciando a outra, e a gente vai dando continuidade nisso. Mas, falando sobre mim, especificamente, acredito que é um lugar de transbordação/transbordamento para uma continuidade de história, para que meninas trans, principalmente pretas, e meninas trans em geral, consigam exalar esse lugar de direito, porque acredito que sim, um direito nosso está nesses lugares, principalmente trazendo nesse dia tão específico que é o Dia da Mulher", destacou Lunna Montty.
Diante das conquistas pessoais, ela avaliou que barreiras estão sendo superadas e espaços, que antes pareciam inacessíveis, estão sendo ocupados pela comunidade.
"Quando falo no Dia da Mulher, falo no contexto mesmo em geral, porque sei que ainda existe um lugar que nos coloca como não mulher, de não aceitação da feminilidade. Então, acho importante frisar a relevância da nossa presença nesse momento, nesse dia também. Acredito que estamos quebrando barreiras, conquistando, reconstruindo e isso está muito ligado ao que temos de concepção, enquanto arte, trabalho e identidade", acrescentou.
Lunna Montty fez questão de falar palavras de encorajamento para outras mulheres trans e travestis, afirmando que elas têm a capacidade de realizar seus desejos e podem alcançar seus objetivos.
"Diante das minhas barreiras e dos enfrentamentos que ainda estou passando, é sempre bom frisar, acredito que, aos poucos, vamos tentando quebrar pedacinho por pedacinho, mas ainda assim, espero que as que vêm depois de mim possam chegar a um lugar mais tranquilo, sem precisar quebrar tantas barreiras, né?", projetou.
"Costumo falar muito para as pessoas que estão buscando encorajamento, que desejam realizar seus sonhos. É sobre acreditar e não perder, principalmente, a sua própria razão, que é a razão do crescimento, a razão de acreditar em uma possibilidade grande. Tudo que tenho hoje, acreditei muito, sempre frisei, pisava no chão assim, tipo, vou realizar isso. Então acho que é isso que trago também para as pessoas que estão nesse lugar também do corre", finalizou Luna.
"Exercício de resistência"
Tertuliana Lustosa, de 27 anos, vocalista da banda de pagode A Travestis, cria do bairro da Graça, também em Salvador, descobriu sua paixão pela música na adolescência, quando percebeu que ela era uma terapia. A conexão com a música a levou aos palcos do pagode baiano, dando visibilidade vida para mulheres trans, revolucionando o pagode baiano ao abordar a temática e por lutar contra a transfobia. Para além da música, Tertuliana é escritora e mestranda na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
A cantora, que lutou para ter o direito de realizar a cirurgia de redesignação sexual, falou sobre o que o procedimento representa para ela e revelou quais impactos deseja causar com a exposição nas redes sociais sobre a busca para ser submetida ao procedimento.
"A minha identidade trans na indústria do pagode baiano é expressa também na minha pesquisa, na minha literatura. Quer dizer, eu expresso, através da minha arte, sensações, militâncias, reflexões, e os prazeres também, sabe, da população trans. Então, é esse o lugar do discurso de uma mulher trans falando sobre sua sexualidade, falando sobre os seus pensamentos, porque eu acho que música também é pensar, né? É criar e imaginar novos mundos através da arte", afirmou a artista.
Em seguida, Tertuliana afirmou que a decisão da redesignação sexual vai muito além da estética para uma mulher trans, pois é um procedimento de afirmação de gênero.
"Eu quero, através da minha história, também mostrar para a sociedade que isso é um direito, né? Diferente do que muita gente imagina, a cirurgia de redesignação não é estética; é uma cirurgia de afirmação de gênero. Portanto, ela é essencial para diversas pessoas trans que têm interesse. Agora, sempre ressaltando que nem todas as pessoas trans têm essa vontade, né? Isso seria para aquela parcela que tem esse desejo".
Por fim, Tertuliana deixou uma mensagem positiva para as mulheres cis e trans, afirmando que a presença delas em diversos espaços, como no pagode, fala sobre resistência, mas alerta que ainda há muitas batalhas a serem vencidas.
"Acredito que no mercado de trabalho, de modo geral, nós nos sentimos apagadas, excluídas e inferiorizadas, mal pagas em relação aos homens. Então, é um exercício de resistência, né? Ser mulher no pagode. A mensagem que eu diria é que o que a gente está conquistando é muito importante, não só para nós, mas também para que outras se inspirem", completou a pagodeira.