
No dia 7 de outubro, às 20h, a icônica Cantina da Lua, restaurante de um dos personagens mais marcantes do Pelô, Clarindo Silva, vai trazer de volta à vida um dos capítulos mais importantes da história do Centro Histórico: a "Terça da Bênção".
E a retomada não poderia ser diferente: com música, com fé e com um chamado ao povo, que é a alma dessa festa. Subirá ao "Palco Riachão", dentro da Cantina da Lua, a consagrada banda Viola de Doze, grupo que há mais de duas décadas faz do samba de roda um hino de identidade e pertencimento.
Os ingressos podem ser adquiridos na portaria do famoso restaurante.
Como nasceu a "Terça da Bênção":
Em 28 de outubro de 1983, em meio ao esvaziamento do Centro Histórico, quando ruas inteiras estavam abandonadas e casarões ameaçavam ruir, Clarindo Silva ousou sonhar. Inspirado na bênção que, todas as terças-feiras, era dada pelo padre na Igreja de São Francisco, ele reuniu amigos, artistas e sonhadores — Batatinha, Jehová de Carvalho, Silvio Mendes, Pastore, Júlio César, Renato Almeida, entre tantos — e criou a Festa da Bênção.
A primeira edição, tímida, mal juntou cem pessoas. Mas, no ano seguinte, o brilho de Zezé Motta, estrela da novela Rosa Baiana, atraiu mais de 2 mil pessoas ao Terreiro de Jesus. A partir dali, nada mais seria igual: os tambores do Olodum ecoaram pelo mundo, os Filhos de Gandhy reinventaram sua tradição, Gerônimo fez das Escadarias do Paço palco para a mais pura baianidade, e teve o melhor do samba baiano com Nelson Rufino, Valmir Lima, Edil Pacheco e tantos outros.
“De 1983 a 1991, foram 800 shows”, lembra Clarindo. Mas não foram apenas números. Foram encontros, foram risos, foram passos de samba de roda, foram tambores que ecoaram contra o esquecimento. Foi o momento em que Salvador redescobriu a si mesma.
Quarenta e dois anos depois, o Centro Histórico enfrenta novamente o desafio do esvaziamento. Mas Clarindo não se rende. Aos 83 anos, continua o mesmo homem da Cantina da Lua que acreditou no impossível em 1983.
“Enquanto estava sendo gerida por mim, durante 30 anos, a festa sobreviveu. Agora, sem apoio oficial, ouso novamente. Estou clamando às autoridades, às empresas, à sociedade para se irmanarem conosco. O Pelourinho não pode viver só de Carnaval, Natal e São João. Precisamos devolver o hábito das pessoas frequentarem este lugar que é a alma de Salvador”, afirma, emocionado, o defensor ferrenho da região.
A Terça da Bênção sempre foi mais que um evento: foi um gesto de fé, de coragem e de reinvenção. Foi a festa que “inventou o Pelô”, que devolveu autoestima a um povo, que mostrou ao mundo que Salvador pulsa não apenas no Carnaval, mas em cada terça-feira, em cada batida de tambor.
No próximo 7 de outubro, quando as cordas da Viola de Doze se encontrarem com o batuque ancestral do Pelourinho, não será apenas um show. Será um reencontro com a memória coletiva, um convite para reocupar o Centro Histórico, um ato de resistência cultural.
Porque, como lembra Clarindo Silva, “essa bênção começou na frente da Cantina da Lua e depois ganhou o mundo. Agora é hora de trazê-la de volta para onde tudo começou”.