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Tá barril - 25/12/2022, 08:05 - Fábio Bittencourt

Restaurantes tradicionais do Centro não resistem à crise

Porto do Moreira anunciou que encerrará atividades deixando órfã a velha boemia da capital; Mini Cacique e Colon não resistiram

Restaurante Colon  não aguentou a pressão e fechou as portas
Restaurante Colon não aguentou a pressão e fechou as portas |  Foto: Olga Leiria / Ag A Tarde

Salvador possui mais de 12 mil bares, restaurantes e hotéis – sem contar os microempreendedores individuais –, e aproximadamente 30% dos estabelecimentos encerraram as atividades ou trocaram de mãos nos últimos dois anos, segundo dados da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (Febha). A crise financeira atinge sobretudo empreendimentos no entorno do Centro Histórico, ameaçando de vez a boemia e parte do patrimônio cultural do estado.

Desde o início da pandemia, cozinhas tradicionais da capital, como Mini Cacique (1974), na rua Ruy Barbosa, e Colon (1914), no Comércio, não resistiram à pressão e fecharam as portas. Após 84 anos, o restaurante Porto do Moreira (1938), na rua Carlos Gomes, anunciou o fim do expediente. Além de reconhecidas pela culinária, as casas serviram ao longo de décadas como fonte de inspiração e palco de encontro de intelectuais e artistas do quilate de Carybé e Jorge Amado, por exemplo.

Segundo os empresários ouvidos pela reportagem, culpa da Covid-19, da queda na renda, do endividamento – a maioria fez empréstimo para conseguir dispensar funcionários no início da emergência sanitária. Mas também o aumento dos casos de violência, a carga tributária (média na casa de 8%) e a falta de apoio.

Porto do Moreira funcionada desde 1938 na rua Carlos Gomes
Porto do Moreira funcionada desde 1938 na rua Carlos Gomes | Foto: Olga Leiria / Ag A Tarde

A despeito da campanha criada por clientes e admiradores a favor da manutenção do Porto do Moreira funcionando, Francisco Moreira, 75, filho do português e fundador José Moreira (1909 a 2009), confessou à reportagem o interesse em ver mesmo é a venda do imóvel de dois pavimentos e 240 metros quadrados, na esquina com o Largo Dois de Julho, concretizada. O preço, de R$ 1,2 milhão, “tem conversa”, diz. A placa de “vende-se” na fachada ele retirou, após o assunto viralizar nas redes sociais.

Cansado de guerra

Cansado da batalha, Moreira fala que prefere o dinheiro, e poder dividi-lo com as duas sobrinhas (filhas de Antônio, irmão e sócio falecido em 2018), e pagar o que deve, em especial os funcionários, frisa. Chico fala da dificuldade em dormir, da vitória contra dois tumores, e que quer curtir os dois netos pequenos, filhos de Maria Cristina, seu braço direito no restaurante. Segundo Chico, Cristina “herdou do avô o amor pelo negócio”, e que a chance de, “lá na frente”, ela empreender na área é grande.

“Criaram a campanha com três pratos do cardápio a R$ 100, mas as pessoas passaram a ligar para perguntar quanto custa normalmente, e eu digo que é R$ 60, aí falam que não vão pagar a mais. Uma cliente do Rio de Janeiro fotografou a placa de vende-se, e espalhou na rede social. A gente entende a tentativa em querer ajudar, mas as dificuldades vão voltar depois. O centro da cidade está caidíssimo, não tem estacionamento, dá 18h o pessoal aparece de faca em punho (para cometer assaltos)”.

O custo só com folha salarial lá gira em torno de R$ 10 mil, o faturamento diário varia de R$ 800 a R$ 1,5 mil. O local já chegou a funcionar diariamente até 20h (com exceção do domingo, até 15h). “A pandemia levou o que restava, agora é pepino puro”, fala Chico.

Poeta e jornalista, James Martins é um dos entusiastas à frente do movimento pelo não fechamento do Porto do Moreira. Ele conta que a ação visa angariar fundos e “levar mais movimento” ao lugar. Uma conta corrente foi aberta no Banco do Brasil para receber doações (Ag: 2957-2 Cc: 982.191-0; Pix: [email protected]).

As queixas até aqui são as mesmas da empresária Mara Orge, 53, que ainda hoje se recupera do baque pelo fechamento do Colon. Mara conta que pagou o preço com a saúde, enfrentando uma forte depressão. Ela segue arcando com a dívida trabalhista, além de empréstimos bancários. Mas fala que parte da “família” de funcionários segue com ela na empreitada atual, uma cozinha gourmet instalada no terraço do apartamento onde mora, na qual produz pratos sob encomenda, via WhatsApp.

Integrante do conselho de segurança comunitária do Comércio, ela lamenta a falta de apoio e diálogo com o poder público, do acúmulo de multas por estacionamento, um conjunto de fatores de desestímulo, afirma. “O poder público fecha os olhos, na Espanha teríamos apoio”. Mara é nora de José Maria Orge, que saiu da Galícia fugindo da Primeira Guerra Mundial na Europa e, em 1914, inaugurou o estabelecimento citado na obra O Sumiço da Santa, de Jorge Amado.

“Uma Bahia tão rica, de tradição tão grande. Eu sei o que Moreira está passando, querendo pagar os funcionários. No Comércio, estão roubando as condensadoras dos aparelhos de ar condicionado dos imóveis, até os com grades. É uma máfia. Foram muitas ameaças sofridas ao longo de anos ali na região. Nem tudo é só a polícia, que tem de cobrir dali até o Largo de Roma (Praça Irmã Dulce), e não há efetivo suficiente para dar conta de toda essa área”.

Operação Acauã

Procurada para comentar o assunto, a Polícia Militar informa que “com o intuito de intensificar as ações de patrulhamento, atuando mais especificamente na prevenção a crimes contra pessoas e estabelecimentos comerciais, instituiu a Operação “Acauã” que, entre 17 de maio e 11 de agosto deste ano, realizou visitas a mais de 18 mil estabelecimentos comerciais, tendo prendido em flagrante 22 pessoas e apreendido 12 armas de fogo”.

Diz ainda que “atua preventivamente no patrulhamento em vias públicas ou através de acionamento”. “O policiamento é realizado pela corporação, mediante o emprego de motocicletas, policiamento a pé e de viaturas que realizam rondas diuturnamente, com o apoio de equipes das Companhias Independentes de Policiamentos Táticos”, diz em nota.

A reportagem foi até o Filé do Juarez (na internet não há contato de telefone), outro restaurante tradicional também no Comércio, na avenida Estados Unidos (Mercado do Ouro), mas um aviso diz que o local está fechado para reforma.

Presidente da Febha e proprietário de bar e restaurante no Largo de Santana, Silvio Pessoa elenca uma série de episódios recentes de ataques no Rio Vermelho. “Aqui no Rio Vermelho, usuários de drogas em situação de rua resolveram aparecer; todo final de noite agora é briga entre eles, até morte já houve (em maio). São muitas variáveis, há movimento, a cidade agora em dezembro está cheia de visitante, mas a gente precisa de segurança mais integrada à sociedade”, afirma o empresário.

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