Moradores da Praia do Flamengo estão insatisfeitos com a requalificação realizada na orla do bairro por causa dos danos ao que resta da vegetação de restinga, comum na região. A obra da Prefeitura de Salvador no local, que contempla uma extensão de 2,2 km e 184 mil m² de área, incluindo uma faixa da orla marítima e as ruas de acesso às praias, se encontra na fase inicial.
Segundo a Prefeitura de Salvador, as intervenções envolvem a construção de quadras esportivas, pista de patins, espaços de convivência, parques infantis, quiosques de coco e de acarajé, além da construção do viveiro de restinga, para revitalização ecológica da orla marítima da cidade, dentre outros equipamentos públicos que objetivam atender a todos os perfis de usuários.
No entanto, os moradores alegam que a intervenção, que começou com os trechos I e III, respectivamente, Stella Mares e Ipitanga, traz problemas semelhantes ao trecho II da Praia do Flamengo. Morador do bairro e biólogo Gil Motta se preocupa com a obra fruto do convênio de R$ 58 milhões com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“Nós ficamos assustados com os erros grosseiros que aconteceram nos outros trechos. Áreas de restinga, ao invés de serem preservadas, estão degradadas, mas podem ser recuperadas. Eles tiraram a vegetação que poderia se recompor para fazer estruturas que utilizam cimento e concreto”, afirma.
Exigências
Para ele, as vias de acesso às praias deveriam ser intocadas e as decisões conversadas com os moradores. “Queremos que a Prefeitura recupere essa área e não termine de destruir com a desculpa que está antropizada (com interferência humana). Se proteger, vai se equilibrar em 5 a 10 anos no máximo. Porém, o que vemos vai na contramão do mundo inteiro. Salvador quase não tem mais restinga. Essa praia é um santuário relativamente intacto e denso”.
Sobre os impactos ambientais, ele explica que a restinga é uma vegetação costeira que evita a erosão do solo e segura a areia para não ir em direção ao continente. Ela também abriga uma grande quantidade de fauna, como iguanas, lagartos, serpentes, corujas-buraqueiras, tartarugas marinhas e muitas aves, e de flora.
Ele lembrou as tartarugas que eclodiram e não tinham para onde ir, perdendo o caminho do mar e indo em direção ao asfalto por causa da iluminação incorreta e da retirada da restinga nas praias de Ipitanga e de Stella Mares. Mesmo assim, os projetos tiveram a anuência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Projeto Tamar e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Isso intrigou outra moradora, que pediu para não ser identificada. Foi criado um abaixo-assinado em 18 de abril com mais de 3.600 assinaturas para solicitar o processo de licenciamento. “Nós sabemos que existe. Mas, essas licenças foram baseadas em estudos de impacto defasados, os quais não tivemos acesso. Não sabemos da existência de um estudo de médio impacto”.
De acordo com ela, o projeto foi construído em 2014 pela Fundação Mário Leal Ferreira (FML), quando fazia parte da Área de Preservação Ambiental (APA) das Áreas de Dunas e Lagoas do Abaeté, após três oficinas populares de consulta com pouca divulgação. Em 2016, com a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), o local foi retirado da APA e, antes disso, a gestão das praias foi transferida da União para a Prefeitura de Salvador. Ela critica a utilização, em 2023, de uma consulta popular feita quase dez anos antes.
“Essa obra está sendo justificada pela acessibilidade, turismo e preservação, com trilhas de piso intertravado de dois metros de largura da rua até chegar na orla. Isso não é verdade porque a impermeabilização deste solo causa o avanço da praia e do mar. Além disso, o manejo da fauna para o Parque das Dunas leva a relações de competição e predação”, afirma a moradora.
Ações jurídicas
O grupo já entrou com pedido de representação no Ministério Público nas esferas estadual e federal, que foram aceitos, mas ainda sem retorno. Também enviaram uma carta para a comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), foram na ouvidoria da Câmara Municipal de Salvador, na Prefeitura-Bairro de Itapuã e na Secretaria de Meio Ambiente (Sema).
Em relação ao Programa Nacional de Desenvolvimento do Turismo em Salvador (Prodetur), vinculado à Secretaria de Cultura e Turismo (Secult), promotora da obra do trecho II, os denunciantes criticam o projeto em relação ao pequeno espaço direcionado para o viveiro de restinga, que representa as propostas de preservação ambiental. Procurada, a assessoria de comunicação da Secult não retornou até o fechamento desta edição.
* Sob a supervisão da editora Meire Oliveira