Todo ser é digno de respeito e oportunidades. Graças a este pensamento, um grupo de pessoas que talvez nunca tivesse acesso à arte e a cultura teve nesta terça-feira (19), a chance de realizar o sonho de ir ao cinema.
Durante o penúltimo dia do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema, assistidos pelos projetos 'Corra pro abraço - Juventude' e 'Consultório na rua' tiveram a oportunidade de assistir ao longa baiano 'Café, Pépi e Limão'.
O filme conta a história das adversidades vividas pelos jovens. Café, aos 16 anos, foge de sua cidade por conta de uma vingança familiar e vai para a capital em busca do pai na prisão. Pépi, também com 16 anos, vive na periferia e é expulsa de casa pela mãe após ser violentada pelo padrasto. Limão, com 14 anos, mora em condições precárias sob um viaduto com uma mulher debilitada pelo vício. Eles se unem para sobreviver, desenvolvendo uma amizade, mas as dificuldades diárias os levam por caminhos distintos.
Pela primeira vez em um cinema, Jeferson, de 23 anos, contou ao Portal A Tarde estar realizando um sonho. "É algo novo para mim, eu nunca tinha visto cinema nenhum. Isso aqui é diferente. Para mim está sendo bom. É meu sonho vir pro cinema", contou o jovem, que afirmou estar ansioso para aprender com o filme, principalmente por retratar situação similar à que vive.
"Quero poder aprender alguma coisa, o tema do filme é sobre jovens que estão na rua e como eu me encontro também na situação de rua, eu queria ver como seria, o que é que eles vivem, eu quero saber", disse ele, que frisou a importância da ação.
"A gente mora na rua, não tem outra diversão e quando a gente às vezes pega num dinheiro, é para resolver algumas necessidades que a gente precisa, então, não tem aquele espaço de vir no cinema, de curtir outras coisas. Então, está sendo maravilhoso vir para cá. Isso ajuda a gente a querer objetivos maiores, sair disso aqui que a gente tá vivendo. É um incentivo para melhorar".
Antes de entrar na sala e ver o filme, a jovem Débora, de 16 anos, já estava encantada com o clima do cinema. "Vai ser bom para a gente guardar alguma coisa na memória e aprender alguma coisa. Está sendo a minha primeira vez e está sendo ótimo para mim, eu estou gostando de tudo isso".
Jeferson e Débora foram dois dos mais de 160 espectadores, que superlotaram a sala 4 do Cine Glauber Rocha, que tem capacidade para 143 espectadores.
Sarah Moura, gerente de operações da S3 Saúde, empresa que tem contrato de gestão com a secretaria de saúde de Salvador, conta que o acesso a pessoas em situação de rua a espaços como o cinema ou outros dispositivos de arte e cultura fazem parte do projeto.
"É uma garantia de direitos que o projeto vem conduzindo junto com os usuários e os profissionais que compõem. Quando a gente teve a informação do Panorama, as equipes se articularam para esse acesso e a gente mobilizou todas as oito equipes", contou ela, que relembrou a reação dos assistidos ao saberem da ida ao cinema.
"As pessoas, esses usuários que compõem o serviço, ficaram extremamente felizes de acessar um dispositivo que há uma barreira, normalmente, para que elas consigam ter acesso a um cinema. É uma garantia de direitos, é um espaço de cultura e que a gente vem potencializando essas ações junto com as equipes e junto com a população assistida".
Claudio Marques, coordenador do Festival e sócio do Cine, conta que, mesmo com matinês e promoções, ainda há uma grande parcela da sociedade que não consegue acessar o dispositivo.
"Esse cinema é um cinema muito inclusivo. Ele é o mais democrático possível em suas ações. Mas a gente sabe que mesmo assim ainda fica uma parcela da população de fora. Então a gente também fala assim, como que a gente consegue também abarcar, claro que uma quantidade pequena, mas pelo menos começa a atingir uma população que mesmo se você botar um valor muito baixo, você não consegue atrair essas pessoas. Então é conseguir fazer com que essa experiência cultural, cinematográfica, artística, consiga ir além, verdadeiramente, do que nos parece ser possível alcançar".
A atriz Inaiara Aquino estava no Cine e foi uma das pessoas que ficou de fora da exibição da própria produção que participou. Ela, que vem do teatro, contou que esta foi sua primeira experiência com o audiovisual. Ela enaltece a experiência inédita que as pessoas vulneráveis tiveram com o cinema.
"Foi uma experiência incrível de passar a noite em claro, acordada, esperando para gravar, gravar várias vezes... E esta ação é extremamente importante, até porque o filme retrata pessoas que estão em situação de rua. Trazer essas pessoas para cá pela primeira vez é muito importante".