
O Subúrbio Ferroviário de Salvador tem dessas coisas: o cheiro doce de massa frita anuncia que o lanche vem quente, e mal dá tempo de esfriar com a fila que se forma. É de uma rua simples do bairro de Periperi que uma delícia sai do forno direto para os diversos cantos da cidade. O famoso sonho da Rua da Glória é mais um dos elementos que coloca esse bairro na boca do povo no dia a dia da soterópolis.
Márcio da Silva não é morador do bairro, mas foi lá que ele encontrou uma oportunidade de emprego. “Eu moro no Alto de Coutos, mas vim aqui atrás de trabalho. Estava em casa sem fazer nada, e mente vazia você sabe, né? Oficina do que é ruim. Mas comigo não. Vim aqui e estou conseguindo trabalhar, o sonho de dona Cida mudou minha vida”, contou.

Mas antes de se tornar reduto de sabores e histórias como a de Márcio, Periperi já guardava o ponto de partida para muitas outras trajetórias. O bairro nasceu com raízes fundadas sobre os trilhos da ferrovia. Sua formação começou na década de 1920, com a instalação de uma oficina de conserto de vagões e locomotivas, que atraiu operários de várias regiões.
As primeiras casas foram sendo erguidas acompanhando a linha férrea, formando um núcleo urbano moldado pela lógica do trabalho ferroviário. A Estação de Periperi, construída em 1860 e reformada em 1938, foi um dos marcos da fase de desenvolvimento.
Periperi em números
Hoje, de acordo com dados do último Censo Demográfico do Instituto Brasuleiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, vivem no bairro quase 38 mil pessoas, distribuídas em cerca de 14 mil domicílios.
Quase todos os imóveis da comunidade possuem acesso à rede de água (99%) e à rede de esgoto (96,4%). A taxa de analfabetismo da população do bairro é de 4,3%, e a renda média domiciliar por pessoa é de R$ 1.570,99, o que coloca o bairro como 116º entre os 170 de Salvador.
A presença de 232 pessoas quilombolas em Periperi reafirma a diversidade étnico-cultural do bairro, que ainda guarda traços da ancestralidade africana que molda a identidade do Subúrbio Ferroviário. Morador de Periperi há 70 anos, Djalma Oliveira, o famoso “Lelê do Araketu”, conta que muita coisa mudou por lá, e que não se vê morando em outro lugar.

“É maravilhoso morar aqui, tem coisa melhor que isso [aponta para a praia]? Aqui eu esqueço do mundo, agradeço à minha mãe que vem de lá e aos meus orixás. O resto é resto. Periperi é um lugar massa. É uma terra de se viver. É um lugar que você não vê nada que lhe desfavoreça. Daqui eu não saio pra mais lugar nenhum, essa é a minha senzala”, garante Seu Lelê.
A revolução em uma praça
Essa visão feliz sobre Periperi é compartilhada por muitos dos que vivem por lá. Característico do Subúrbio, é um lugar que pulsa cultura, senso de comunidade e sorriso no rosto. Quem esteve na Praça da Revolução na última semana pôde ver isso de perto. Esse lugar, aliás, é mesmo uma revolução: é o palco dos grandes eventos do bairro, que recebeu o XVI Campeonato Estadual de Quadrilhas Juninas entre os dias 11 e 15 de junho.
A garantia de que esse espaço é dos bons é de quem vive por lá há muitos anos. Ambrósio Conceição e a esposa, Abigail Souza, estavam na plateia curtindo a apresentação de quadrilhas.
Eu moro aqui há mais de 50 anos e não tenho o que reclamar. Tem mercado grande, tem banco, tem loja, tem até quadrilha. [...] Eu não tenho vontade de ir para outro lugar não, tem coisa que só a gente aqui tem.
Ambrósio Conceição

O casal de noivos Washington Santana e Juliana Araújo concorda. "Eu moro aqui há seis anos e vejo como um bairro bem desenvolvido, que tem tudo perto para nós, e também que tem cultura. É uma oportunidade e tanto receber esses eventos aqui. Imagine, eu estou de férias, dentro de casa, e posso vir aqui assistir ao espetáculo das quadrilhas", disse Washington.
Perto de casa e de graça, tem coisa melhor?
Washington Santana

Um doce que tanto sustenta
É na Rua da Glória que Dona Cida acorda cedo para transformar ingredientes simples e uma parte da casa dela em algo que sustenta a vida. De lá saem cerca de 5 mil sonhos por dia, para todos os cantos da cidade, com vendedores que encontraram ali uma oportunidade de trabalho. A

Fábrica de Sonhos se tornou um grande ponto de referência do bairro, o que é motivo de orgulho para Dona Cida, fundadora do negócio que já tem 15 anos. “Eu me sinto orgulhosa e realizada. Pelo meu trabalho que deu certo e por ajudar tantas pessoas também oferencendo trabalho. Os vendedores tem de todo lugar, mas a equipe aqui dentro é toda de Periperi. Eu só emprego quem mora aqui”, conta dona Cida.
"Eu tenho muito orgulho de morar aqui, e é por isso que nunca saí do bairro. Não vejo minha fábrica em outro lugar, mesmo tanta gente perguntando porque ainda não abri uma filial", completou a empresária.
Mas a verdade é que Periperi acolhe todo mundo, é um bairro acolhedor, e por isso que é um bairro massa!
Cida Araújo
Formação musical e cultural
Fundado por Vera Lacerda em 1990, no coração de Periperi, o Instituto Araketu surgiu com a missão de transformar realidades. Educadora, historiadora e com mestrado em Filosofia, Vera já conhecia de perto os desafios enfrentados pela juventude da região enquanto atuava como diretora do Colégio Castelo Branco.
Preocupada com o avanço do tráfico de drogas e a falta de perspectivas para adolescentes, decidiu criar um espaço que oferecesse educação, arte e profissionalização. O instituto, que nasceu antes mesmo da banda Araketu, foi responsável por capacitar centenas de jovens em cursos como recepção, serviços de bar e cozinha, além de formar músicos que depois integraram o próprio Araketu ou outras bandas da cidade. Fechado há cerca de cinco anos, Vera e sua filha, Alessandra Lacerda, buscam apoio para retomar as atividades, já que elas sabem a importância do espaço para o bairro.

"Muitos músicos da banda Araketu foram formados no Instituto. Tiramos muitas crianças da rua”, conta Vera. “Então vai ser muito importante para Periperi e para todo o Subúrbio a retomada”, concluiu. “Os meninos formados aqui hoje têm filhos adolescentes e querem que eles tenham a mesma chance", diz Alessandra.