A realidade de quem depende de serviços de saúde, especialmente os públicos, no Brasil, não é das melhores. E, em um cenário onde pessoas que vivem com os vírus HIV e HTLV precisam de atendimento especializado, é ainda pior. Além do preconceito social que já sofrem, falta, na rede municipal de saúde de Salvador, estrutura, acompanhamento para estes grupos e o principal: profissionais.
É o que denunciam pacientes soteropolitanos que vivem com os vírus e dependem dos Serviços de Atendimento Especializado (SAEs), que mantêm três unidades em Salvador, mas nenhuma delas conta com um quadro completo de infectologistas. Segundo os ativistas que atuam no campo, esta já é uma pauta antiga e de muita luta ao longo de, pelo menos, dois anos.
Em Salvador, as unidades são: Marymar Novais, na avenida Dendezeiros; o São Francisco, em Nazaré; e o Serviço Municipal de Assistência Especializada (Semae), na Liberdade.
De acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, 40,8 mil casos de HIV e outros 35,2 mil casos de aids foram notificados no Brasil em 2021, por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), conforme o Boletim Epidemiológico de HIV/aids do ano passado.
Em relação ao HTLV, entre 800 mil e 2,5 milhões de pessoas vivem com o vírus, mas é possível que esse quantitativo seja subestimado, já que muitas vezes o diagnóstico só ocorre na doação de sangue. Isso porque a maioria das pessoas não apresenta sintomas no primeiro momento.
Em entrevista ao Portal A TARDE, o ativista Ton Shüber, representante da Comissão Especial de Crise HIV/AIDS e HLTV, relatou que um sinal de esperança apareceu após uma manifestação em 2020, durante a gestão do então secretário municipal da Saúde, Décio Martins. “Ele nos recebeu, conseguiu levar a infectologista, mas não supre as 80 horas que a gente precisa [que o profissional esteja na unidade]. Depois das denúncias, ele conseguiu realocar dois infectologistas, mas ainda não é suficiente. Precisamos que sejam contratados médicos fixos”.
Shüber, que também é paciente do SAE Marymar Novaes, explicou que, somente nesta unidade, existe uma média de três mil pessoas que dependem de profissionais capacitados. E, com isso, existe outra problemática a ser enfrentada: a da vergonha e dos estigmas.
“Ficar mudando de médico, com problemas de estigma e sem profissional fixo para acompanhar faz com que o paciente não gere valor, não se sinta confortável. Um paciente como eu, que lida bem com o diagnóstico, que já está indetectável, pode fazer acompanhamento só com o clínico. Mas a pessoa que não aceita, tem vergonha, precisa de um acompanhamento. Além disso, em outros casos de quem tem, por exemplo, uma crise metabólica, ou volte a ter uma carga viral, é necessário o infectologista. Por isso também tem que ter essa atenção, alguém que o paciente conheça, se familiarize. O HIV é uma bomba desarmada”, explicou.
Segundo o representante da Comissão Especial de Crise HIV/AIDS e HLTV, além de ser um problema antigo, há ainda muita burocracia. “Protocolamos um pedido de reunião [na prefeitura de Salvador], não foi atendido, fiz denúncia na Tribuna Popular [na Câmara Municipal de Salvador], não falaram nada. E tem corpo que não espera burocracia. Quando acontecer uma morte, a gente cobra a quem?”, questiona Ton Shüber.
O QUE É HIV E HTLV?
O que estes vírus têm em comum: nomes, forma de transmissão, diagnóstico (pelo sangue através de sorológicos que detectam anticorpos ou detecção direta do vírus por métodos moleculares).
Enquanto o HIV se relaciona com o sistema imune do indivíduo destruindo os linfócitos CD4, o HTLV se relaciona com o desenvolvimento de cânceres hematológicos (leucemias, linfomas) e uma mielopatia (leva à perda de força muscular, podendo deixar a pessoa definitivamente na cadeira de rodas).
O HIV tem tratamento muito desenvolvido e o HTLV ainda não tem nenhum tratamento específico, apenas o uso de corticoides que desinflamam a coluna e reduzem os sintomas neurológicos, podendo retardar um pouco a evolução da doença.
De acordo com boletim epidemiológico de HIV/Aids, divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (Sesab) em dezembro de 2022, foram notificados no estado 20.253 casos de HIV e 12.282 casos de Aids em pessoas maiores de 13 anos. O documento também mostra que de 2014 a 2019, observa-se um aumento exponencial na taxa de detecção dos casos de HIV e queda na taxa de detecção da Aids.
Com relação ao HTLV, uma pesquisa da Fiocruz Bahia estima que cerca de 130 mil pessoas estão infectadas por este vírus na Bahia. Vale ressaltar que o vírus está presente em quase todas as cidades do estado.
Adijeane Oliveira, representante da Associação HTLVida, grupo de apoio às pessoas que vivem com o vírus HTLV-l e Il do Estado da Bahia, também é paciente do SUS e reforça a discussão sobre a falta de profissionais.
“Infelizmente, as unidades estão em sucateamento. Não têm profissionais, não têm acompanhamento que deveria ser frequente, por causa dessa ausência dos infectologistas. Tem gente que não está fazendo seus exames periódicos e isso repercute na qualidade de vida das pessoas, pois piora o quadro clínico e reverbera nas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], que dão um paliativo e mandam para casa, o que não é adequado”, avaliou Adijeane, que pontuou que existem profissionais no quadro, mas estão sobrecarregados para a demanda.
A Associação HTLVida existe desde 2010 e trabalha para criar políticas que assegurem o bem estar das pessoas que vivem com este vírus, que ainda não tem cura. “É a única associação existente para HTLV. As pessoas buscam informação, resposta, direcionamento e, aqui na Bahia, temos um diálogo bom com as secretarias estaduais e municipais, mas isso é pouco. Temos uma lacuna muito grande por falta de assistência. O que temos feito hoje ainda é pouco. Temos um centro de referência na rua Carlos Gomes e precisamos de mais centros, porque a situação não é só em Salvador. Somos o estado com mais pessoas que vivem com HTLV no país todo”, ponderou a representante do grupo.
Procurada e questionada sobre a denúncia e os dados de infectados na capital baiana, a Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS) não enviou posicionamento até o fechamento desta reportagem.